quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12561: E fazíamos grandes jogatanas de futebol (3): O 'Jogo da Bola' nos intervalos da guerra: os craques da CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74) ... (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp)


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Xime > CART  3494 > Uma equipa do 4.º Gr Comb (pormenor), o grupo que sofreu duas emboscadas na Ponta Coli (22 de Abril e em 1 de Dezembro de 1972). Em primeiro plano , da esquerda para a direita, estão o Teixeira (soldado), o Manuel Rocha Bento [fur mil, natural de Ponte Sor,  morto na emboscada de 22/4/1972, a única baixa em combate ao longo dos mais de vinte e sete meses de comissão da companhia],  o Jorge Araújo (furriel, autor deste poste), o Sousa Pinto (furriel) e o Monteiro (1.º cabo).

Foto (e legenda): © Jorge Araújo (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]


1. Mensagem do Jorge Araújo [ex-Furriel Mil. Op Esp / Ranger, CART 3494 (Xime-Mansambo, 1972/1974)]:

Data: 18 de Outubro de 2013 às 15:16
Assunto: O "Jogo da Bola" nos Intervalos da Guerra de Guerrilha ...


Caríssimo Camarada Luís Graça,

Os meus melhores cumprimentos.

A ideia de escrever mais um pequeno apontamento histórico relacionado com as nossas vivências na Guiné, nos já distantes anos de 1972 a 1974, nasceu por influência de nova consulta ao nosso baú fotográfico, ainda que reduzido, mas onde existiam algumas imagens dos nossos tempos de lazer, em particular os registos sobre a prática do «jogo da bola», vulgo futebol.

Como eram relativas, maioritariamente, a camaradas da minha companhia (CART 3494), foi para eles
que enviei a primeira versão sobre o tema, como seria natural e normal, e publicada no blogue CART 3494 & camaradas da guiné (Vd. Msg 190).

Agora, como membro da Tabanca Grande,  entendi que se justificava dar conta, também, deste facto, independentemente de se tratar de um tema pouco abordado neste contexto, mas que merece, tal como os outros, um espaço de debate e de contraditório.

Espero merecer a V. concordância.

Obrigado pela atenção.

Jorge Araújo [, foto de então, à esquerda]


2. Comentário de L.G.:

Jorge, obrigado por te teres lembrado de que o tema da bola em tempo de guerra também nos interessa (ou deve interessar). Ou não fosses tu um homem da educação física!... Estamos de acordo sobre a importância que tem o exercício físico não só na preparção e manutenção da capacidade operacional do combatente como na proteção e promoção da saúde do indivíduo...

Por outro lado, nada do que diz respeito aos tempos passados no TO da Guiné nos é indiferente, desde a atividade operacional  à ocupação dos tempos livres entre duas operações... Dito isto, o teu texto já deveria ter sido pubklicado, atendendo á ordem (cronológica) de chegada. Estava devidamente sibnalizado (, este mais outros dois que estão  pendentes,), mas tenho que reconhecer publicamente que houve, da minha parte, uma descoordenação na atribuição de editor, assunto de que já te escclareci, internamente.

Resta-me pedir desculpa pelo lapso que não representa qualquer juízo de desmérito. Pleo contrário: o teu texto ganha atualidade com o desaparecimento do nosso ídolo de adoslecência, o Eusébio da Silva Ferreira (1942-2014), e com o início da publicação desta nova série, "E fazíamos grandes jogatanas de futebol"...O teu texto é ouro sobre azul e não haveria outra melhor oprotunidade editorial para o divulgar do que este início de 2014. Recebe o meu abraçlo fraterno, extensivo aos "heróis da bola" que tu, tão carinhosamente, aqui evocas, e que é também também uma homenagem ao único camarada da tua companhia que morreu em combate o Manuel Rocha Bento, de Ponte Sor (Passa a ter um descritor no nosso blogue, em homenagem à sua memória).

PS - Como tu bem exemplificas com o teu caso, o "jogo da bola", nas condições duríssimas da Guiné (terreno do campo de jogos, humidade do ar, temperatura, situação de guerra, falta de equipamento...) também não era isento de riscos (físicos); cabeças, braços e pernas partidas, luxações e outras lesões músculo-esqueléticas...


3. Guiné  > O jogo da bola nos intervalos da guerra: memórias de há 40 anos do Xime, Bambadinca e Mansambo (1972-73) 

Jorge Alves Araújo
ex-Furriel Mil. Op Esp / Ranger
CART 3494
(Xime-Mansambo, 1972/1974)

[Jorge Araújo, foto de então, à direita]


Revisitando, uma vez mais, o baú de memórias relacionadas com as vivências e experiências que fazem parte do nosso currículo militar construído no CTIGuiné, entre 1972 e 1974, organizadas por contexto e estruturadas segundo uma classificação que varia entre factos bons e menos bons (ou maus!), eis que, pelo presente, vos quero dar conta de uma prática lúdica que, tradicionalmente, ocorria a meio da tarde, depois de cumpridas as principais tarefas impostas pela natureza dos diferentes deveres.

Era, então, o tempo da prática a que chamo do «jogo da bola», vulgo futebol, e que despertava sempre grande entusiasmo no seio da nossa companhia (provavelmente semelhante à esmagadora maioria de outras unidades, das menos às mais numerosas), estando sempre garantida elevada adesão, quer fosse na qualidade de agentes activos (os jogadores), quer se tratasse de agentes passivos (os assistentes), fenómeno que continua a ser recorrente nos dias de hoje.

Contudo, era necessário a existência do objecto que dá sentido ao jogo – a bola – suscitando, a partir de então, um desejo crescente de a pontapear, constituindo-se, por essa via, como um poderoso meio de socialização.

Esta bola mágica, como lhe chamam muitos estudiosos do fenómeno, porque tem a propriedade de entrar em movimento em função das suas cinco dimensões: direcção, colocação, velocidade, rotação ou trajectória, faz depender o seu resultado da acção exógena que sobre ela é exercida. Deste modo, esta bola (todas as bolas!) tem, assim, um movimento variável e aleatório, por via de seguir um itinerário dependente do modo como é impelida, batida ou arremessada. Daí se considerar que a bola continua a ser um brinquedo que exerce sobre o Homem, jovem ou adulto, uma atracção que se renova permanentemente.

Praticada nos intervalos da guerra de guerrilha, esta que por definição emerge da táctica que utiliza (ataques rápidos seguidos de fuga; confronto indirecto; emboscadas; ataques surpresa, por via da grande mobilidade dos seus intervenientes), o «jogo da bola» contribuiu, de facto, para o desenvolvimento de competências relacionadas com factores tácticos, técnicos, psicológicos e físicos, quando analisado numa perspectiva endógena de superação ou transcendência de que cada jogo está impregnado, e que ajudou a lidar melhor com o “jogo do gato e do rato”, driblando o melhor possível as dificuldades/adversidades e os problemas colocados em cada situação pelo IN.


Quando alguém fazia surgir um exemplar da dita «bola mágica», mesmo que o seu aspecto/estado fosse igual ou pior que a imagem ao lado, logo nascia a vontade de a fazer rolar, organizando-se de imediato dois grupos informais, ainda que alguns dos seus intervenientes se encontrassem na fase de aprendizagem, por ausência de prática anterior, garantindo, a maioria das vezes, sucessivas desforras ou “tira teimas”, em função dos resultados, em novo intervalo da guerrilha, mas que acabariam por se revelarem de importantes no reforço da coesão de todo o colectivo da CART 3494, com influência positiva em palcos (recintos) mais adversos.

Após a conclusão de cada «jogo da bola», o processo de socialização mudava de terreno de prática, sendo transferido para o bar, onde os golos tinham outro sabor, e as conservas, os enchidos, a mancarra, a castanha de caju, e outras iguarias de ocasião, eram digeridos/as, igualmente, com grande prazer e satisfação, muitas das vezes em substituição da ementa da semana «arroz de estilhaços».

Aqui a vitória estava sempre garantida, erguendo-se os diferentes troféus conquistados, ainda que o tempo de jogo não fosse igual para todos os jogadores, passe a metáfora.



Foto n.º 1 – Xime (Maio de 1972) – Fase do jogo fora das quatro linhas, em que se verificou prolongamento. Da esquerda para a direita, os furriéis: Ferreira, Godinho, Araújo.


Em função do exposto, os testemunhos fotográficos que seguidamente se apresentam por ordem cronológica, referentes a este tema, reportam a momentos onde a câmara esteve presente. A qualidade de cada um não é a melhor, mas não nos podemos esquecer que todas as fotos têm mais de quarenta “chuvas” de vida e, tal como os humanos, vão sofrendo mutações.

A todos os camaradas que estiveram na zona leste da Guiné, ou os que por lá passaram, espero que tenham recordado as boas memórias dos vários locais identificados: Xime-Bambadinca-Mansambo, em particular os camaradas da minha companhia (CART 3494), ou aqueles que, em cada ocasião, tiveram o privilégio de nelas estarem incluídos, numa época em que cada um de nós teria apenas 21/22/23 anos, pois foi esse o principal objectivo que me moveu ao escrever mais esta singela retrospectiva histórica.

FOTOGALERIA




Foto n.º 2 – Xime (Abril de 1972) – Eu com uma postura à imagem e semelhança do saudoso José Maria Pedroto (1928-1985), treinador de futebol de alguns dos mais importantes clubes portugueses (FC Porto, Académica, Leixões, Varzim, Setúbal, Boavista e Guimarães), considerado o primeiro treinador português a concluir um curso superior, nascido na Freguesia de Almacave, Município de Lamego.

A cidade de Lamego acabaria por ficar ligada ao meu itinerário militar, uma vez que foi aí que ficou traçado o meu destino de combatente, com guia de marcha para a Guiné (BART 3873/CART 3494, formado no RAP 2, em Vila Nova de Gaia), na sequência da conclusão do curso de especialização em “Operações Especiais/Ranger”, no complexo do CIOE, de Penude.



Foto n.º 3 – Xime (Abril 1972) – Uma equipa do 4.º Gr Comb, o grupo que sofreu duas emboscadas na Ponta Coli – a primeira, em 22 de Abril de 1972; a segunda,  em 1 de Dezembro d1972 (Vd. Postes: 9698 e 9802).

Na 1.ª linha, da esquerda para a direita, estão o Teixeira (soldado), o Bento (furriel), o Araújo (furriel), o Sousa Pinto (furriel) e o Monteiro (1.º cabo).

Esta imagem foi obtida três semanas antes da primeira emboscada, onde viria a falecer o camarada Furriel Manuel Bento, natural da Ponte de Sor, e que seria a única baixa em combate registada pelo contingente metropolitano da CART 3494, nos mais de vinte e sete meses de comissão.



Foto n.º 4 – Xime (Abril 972) – Uma equipa mista da CART 3494. Imagem obtida quinze dias antes da primeira  emboscada na Ponta Coli, com destaque, na 1.ª fila, para o furriel Manuel Bento (o 1.º da direita) e o furriel Sousa Pinto (o 2.º da esquerda), falecido em 1 de Abril de 2012.


Foto n.º 5 – Xime (Abril 1972) – Fase muito animada de um «jogo da bola» no centro da parada do aquartelamento.



Foto n.º 6 – Bafatá (28 de Janeiro de 1973) – Equipa da CART 3494 que se deslocou a Bafatá para realizar um jogo com um misto de militares aquartelados naquela região.



Foto n.º 7 – Bafatá (28 de Janeiro de 1973) – Imagem referente aos preparativos de regresso ao Xime, após a conclusão do jogo.



Foto n.º 8 – Bafatá (28 de Janeiro de 1973) – Imagem referente à fase que antecedeu o início do jogo.



Foto n.º 9 – Bafatá (28 de Janeiro de 1973) – Imagem após a conclusão do jogo.



Foto n.º 10 – Mansambo (Abril 1973) – Equipa de sargentos e oficiais organizada após a transferência do Xime para Mansambo, ocorrida em Março de 73, em substituição da CART 3493, deslocada para Cobumba, localidade situada em pleno Cantanhez.

Em 1.º plano, da esquerda para a direita: os Furriéis: Araújo, Ferreira, Oliveira e Godinho. Em 2.º plano, segundo a mesma ordem: Correia (Alferes), Luciano Costa (Capitão – o 3.º da Companhia), Jesus (Furriel) e Araújo (Alferes).




Foto n.º 11 – Bambadinca (30 Set 1973) – Equipa mista constituída por elementos da CCS/BART 3873 e da CART 3494, escalada para os jogos (dois) com a CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro).

Em 1.º plano, da esquerda para a direita: Costa, Ferreira, Romão, Sousa e Adérito. Em 2.º plano: Mesquita, Santos, Carrasqueiro, Alberto, Rainha, Araújo, Gonçalves e Oliveira.



Foto n.º 12 – Bambadinca (Novembro de 1973) – Imagem obtida no campo de futebol de Bambadinca (instalações do BART 3873), a meio da tarde, num contexto informal de prática lúdica.


Na sequência da nossa deslocação a Galomaro, o “prémio do jogo” foi a de me ter lesionado no rádio (osso), entre o estilóide radial e o escafóide, do braço esquerdo, obrigando-me a andar durante cinco semanas com ele engessado, como aliás, é possível observar na foto.

Do meu lado direito, e entre postes, está o ex-Furriel Comando, da 35ª CCmds, Américo Costa, colocado na CCS do Batalhão, na sequência de ferimentos em combate.

Um forte abraço para todos, com muita saúde e energia.

Jorge Araújo

Fotos (e legendas): © Jorge Araújo (2013). Todos os direitos reservados.
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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12555: E fazíamos grandes jogatanas de futebol (2): Os craques da CCAÇ 12 e da CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) (Fotos de Benjamim Durães)


2 comentários:

Anónimo disse...

Lamento ter de Vos informar, por indicação do camarada ex-Furriel António Bonito, que o ex-Alferes José Henrique Fernandes Araújo, natural de Arcos de Valdevez, CMDT do 2.º GComb da CART 3494, grupo destacado no Enxalé, já faleceu, mais ou menos há ano e meio.

O nosso camarada Alferes José Araújo é o 1.º da direita no 2.º plano da foto 10.

Vou tentar saber algo mais concreto.

Jorge Araújo.

Luís Graça disse...

Obrigado, Jorge, vamos ficando todos mais pobres... E por cada camarada que morre são memórias (e álbuns fotográficos) que desaparecem... Somos todos nós que morremos também um pouco...

Repare-se: estamos a falar de um subunidade (a CART 3494) que regressou a casa já em 1974... Não estamos sequer dos "velhinhos" do cáqui amarelo...

Abraço. LG