domingo, 19 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12606: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (7): Estórias de Mansambo onde a guerra foi outra

1. Em mensagem do dia 16 de Janeiro de 2014, o nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74), enviou-nos mais um Pedaço de um tempo.


PEDAÇOS DE UM TEMPO

7 - Estórias de Mansambo onde a guerra foi outra…


Esta era a parte de trás de um abrigo onde se pode ver umas pequenas aberturas que serviam para poder utilizar as armas em direção ao arame farpado que circundava o aquartelamento. Cerca de treze meses foi a minha residência, não era nada mau, mas isso deve-se aos primeiros camaradas que ali foram colocados, onde apenas existia mata, que muito tiveram de trabalhar para os construir. A única coisa boa que por ali havia era uma fonte, que viria a abastecer o aquartelamento, ainda que, para a ir buscar a água apesar de ficar a cerca de duzentos metros do arame, todos os dias esse trajeto era picado e a segurança feita por seis ou sete militares que ali se mantinham enquanto o Unimog 411 “o burrinho” ia fazendo várias viagens, abastecendo os chuveiros e os abrigos. Para além do condutor, que era sempre o mesmo, andava mais um camarada para ajudar na carga e descarga, que era feita com uma terrina da sopa.

O primeiro serviço que fiz em Mansambo foi segurança à fonte, no dia em que os velhinhos nos deixaram. Talvez o dia mais triste do meu tempo de Guiné. Outros mais dramáticos aconteceram, mas a maturidade já era outra…

Parte deste abrigo servia de alojamento à maioria dos condutores que lá estávamos, ali era a residência de sete, na hora das refeições juntava-se a nós o Ladeira, que tinha a especialidade de clarim ou corneteiro… mas tal especialidade não era necessária na nossa companhia. Os homens da corneta passaram a ser padeiros.

Como diz o povo, para aprendermos temos de passar por elas… Certo dia o jantar era bacalhau à Gomes de Sá, o bacalhau até era muito, mas as espinhas eram mais volumosas que a parte comestível -, comestível não é bem assim, porque para alguns humanos as espinhas também são comestíveis. Quando estávamos a começar a jantar o Ladeira lembrou-se de dizer:
- Se me pagarem uma cerveja, como as espinhas todas.

Eu achava que isso seria impossível, disse:
- Eu pago, tens é de comer tudo que está no prato.

O condutor Abílio “já falecido” disse também:
- Eu pago outra.

O amigo Ladeira demorou um pouquinho mais tempo que nós a comer, ao mesmo tempo que ia bebendo umas cervejas, mas o prato ficou completamente limpo.

Depois ainda disse:
- Se pagarem outra, como mais uma dose.

Claro que a resposta aí foi: agora se quiseres comer mais, terás de pagar tu a cerveja.

Foi uma boa lição, quando era mais novo e ouvia alguém dizer que apostava que era capaz de comer ou beber quantidades aparentemente impossíveis, lembrava-me logo do Ladeira… No que toca a comer ou beber, para algumas pessoas, quase tudo é possível.

A última vez que o vi foi no almoço da nossa companhia, a “CART 3493” há cerca de três anos, estava ótimo. Espero que assim continue. Para ele um abraço.

António Eduardo Ferreira
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12572: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira) (6): Cuidado com as aparências

1 comentário:

Hélder Valério disse...

Caro camarada António Ferreira

Como se pode ver pela história que nos deste conta, há sempre mais um facto ou um elemento capaz de nos surpreender.
Com que então um "come-espinhas"!

Olha, esse, pelo menos, já estava bem adaptado para os dias de hoje.

Abraço
Hélder S.