domingo, 26 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12639: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (12): Lisboa e Figueira da Foz (António Eduardo Ferreira)

1. Em mensagem do dia 21 de Janeiro de 2014, o nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, MansamboFá Mandinga e Bissau, 1972/74), fala-nos das cidades de Lisboa e Figueira da Foz onde passou algum do seu tempo de tropa:

Amigo Carlos
Por que a saúde está acima de tudo, que a tua te não falte para poderes continuar com o trabalho tão importante que vens desenvolvendo para satisfação de quantos pisaram o chão da Guiné.
Um abraço


Hoje vou falar da minha tropa por cá, não propriamente das cidades por onde passei, foram poucas e, algumas por pouco tempo.

A 25 de Janeiro de 71 assentei praça no GCTA, em Lisboa. Passados alguns dias, apareceu por lá um veículo com pessoal da área da saúde tendo em vista saber como estavam os nossos pulmões, a mim foi- me dito que alguma coisa parecia não estar bem.

Mandaram-me para o HMDIC, hospital de infecto-contagiosas onde estive quase um mês e onde fui sujeito a vários exames.
Confesso que cheguei a desejar que se confirmasse estar doente porque talvez me mandassem para casa, mas não, chegaram à conclusão que tinha sido falso alarme.

Lisboa
Foto: Pensar Lisboa, com a devida vénia

Lá voltei de novo para continuar a recruta e a especialidade, as duas eram uma só. A poucos dias de jurar bandeira, depois de quase um mês no hospital e mais uns dias de férias, pensava ter perdido a recruta, mas os responsáveis pelo pelotão a que eu pertencia entenderam que não merecia a pena andar por ali mais tempo.
Jurei bandeira com o resto do pessoal.
A recruta e especialidade no mesmo local foram boas, éramos cento e vinte naquele turno, todos com carta de condução civil o que tornava as coisas mais fáceis, já que nossa especialidade ia ser condutor.
A outra atividade não relacionada com a condução era desenvolvida na parada do quartel, onde naquela altura era colocado um grande colchão para dar cambalhota em frente, não deviam ser muitos os quartéis onde isso acontecia.
Certa noite saímos para o campo, ao chegarmos ao local, estava a chover e não saímos das viaturas.

Também por lá se comiam bifes com batatas fritas, coisa rara na maioria dos quartéis.
Passavam por lá certos recrutas que não dava muito jeito que se lesionassem, eram os vários futebolistas que ali assentavam praça.

Naquele tempo estavam lá três, de turnos anteriores ao meu: o guarda- redes do Sporting Vítor Damas, Raul Águas do Benfica e o Ruas, guarda- redes do Belenenses, andava também por lá o cantor Fernando Tordo, e talvez outros que não cheguei a conhecer dado o pouco tempo que lá estive.

Figueira da Foz

Depois seguiu-se a Figueira da Foz a 2 de Maio.
Para quem ia à praia, era maravilhosa a Figueira, agora para um militar com a especialidade de monitor auto, ir dar instrução no RAP-3 onde as viaturas eram normais, tinham apenas um volante, era treino de adaptação, o que por vezes nos defendia de males maiores era o travão de mão que não raramente tive de utilizar. Foram demasiados sustos para quem não gostava de tropa.

Uma pequena estória nada agradável que me aconteceu no fim da segunda semana de lá estar.
Um dos circuitos que fazíamos saía da Figueira passava por Vila Verde, Alto da Brenha e vinha de novo à Figueira. Em condições normais era repetido duas vezes mas naquela tarde já íamos na terceira, Num dos altos que fazíamos, um monitor dos velhos disse: agora levo eu a viatura, e eu, maçarico, fiz o mesmo. Cerca de duzentos metros à frente cruzamo-nos com o Comandante da Bateria que nos disse: vão lá para o quartel que já falamos.

O que ele depois nos disse, foi:
- Vocês vão ter trinta dias de dispensas cortadas e fazer reforços aos fins-de- semana.

O primeiro que fiz calhou no dia em que fazia vinte e um anos. Para tornar esse dia ainda mais aborrecido fiz confusão com a senha que nos foi distribuída para respondermos quando passava a ronda. A senha era pesca, mas quando o oficial de ronda se aproximou em vez de pesca, eu disse peixe. O oficial era o aspirante Marques, que me disse: você vai apanhar uma porrada, eu não disse nada, mas pensei: então ainda não cumpri uma já vou levar outra?… Mas não, ele não fez caso da minha confusão.
Depois, também o comandante da bateria, alferes Pereira, viu que eu nem era mau diabo… disse-me naquele que era para ser o último fim-de-semana de reforço de castigo, que já não o fazia, podia meter passaporte para ir a casa.

Passados alguns meses deixei de dar instrução, passei a fazer serviço no parque, tirar e recolher as viaturas que andavam na instrução, aí o serviço era melhor.
Entretanto o fim do ano aproximava-se, um dia pela manhã fui entregar o passaporte para gozar onze dias de férias de Natal, assim estava combinado na bateria a que pertencia.
Ao fim da tarde recebi ordens para meter novo passaporte, mas agora não com onze, mas sim dez dias, ao mesmo tempo era informado que tinha sido mobilizado para a província da Guiné. 

Passados os dez dias voltei ao RAP-3 e nessa mesma noite mandaram-me para o RAP-2 de Vila Nova de Gaia.
Não conhecia nada a norte da Figueira, fui de comboio até Alfarelos, aí esperei mais três horas que outro comboio chegasse para seguir rumo a Vila Nova de Gaia, não mais esqueci as três horas de frio que lá passei, não estava congelado mas quase.
Supunha ir encontrar a Companhia para onde tinha sido mobilizado, mas não, tinham lá estado mas já tinham ido embora. Cheguei lá pela manhã e ao fim da tarde voltei para casa, com nova data para me apresentar na semana seguinte.
Mais uma viagem até Alfarelos, nova mudança de comboio agora até ao Valado dos Frades, depois mais quinze quilómetros de táxi para chegar aos Molianos.

Na segunda vez fui à boleia com um vizinho camionista, também ele tinha estado na Guiné, em Guilege. Uma vez mais à tardinha fui mandado para casa, agora com ordem e data para me apresentar nos Adidos, em Lisboa, a fim de embarcar de avião para a Guiné.
Antes dessa data recebi nova informação, vinda de Lisboa, que a viagem tinha sido adiada, tinha ficado para o dia 24 de Janeiro, como veio a acontecer.

Depois de tantas alterações e do desgaste a que fui sujeito naqueles dias, aconteceu-me uma coisa boa que eu já não esperava que acontecesse.
Na madrugada do dia vinte e dois, fui levar a minha esposa à maternidade e à tarde fui ver o meu filho acabado de nascer. No dia seguinte parti para Lisboa, onde embarquei para a Guiné.

Os dias em que estive em Lisboa, não deram para grandes saídas, só lá fiquei um fim-de-semana, porque estava de serviço.

A Figueira da Foz era uma terra que não conhecia (conhecia tão pouco) mas que fiquei a gostar.
Já lá tenho ido algumas vezes, não para recordar o tempo de tropa, mas porque me sinto bem lá.
De Vila Nova de Gaia, nada fiquei a conhecer, só mais tarde lá voltei, a última vez foi há cerca de três anos participar no almoço da nossa companhia.

Na Guiné: um mês nos Adidos, depois Mansambo, uma semana de “férias” em Fá Mandinga, a seguir a terrível Cobumba, de novo Bissau e, a 2 de abril de 1974, o regresso à Metrópole.

Como dizia o meu saudoso avô António, não dê Deus ao corpo o que ele não aguenta…

António Eduardo Ferreira
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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12634: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (11): Figueira da Foz... ou dois anos inesquecíveis na Princesa do Mondego (Vasco Pires)

1 comentário:

Luís Graça disse...

Eduardo Ferreira, camarada, sempre tive muito respeito pelo vosso trabalho nas picadas da Guiné, e em particular na famosa estrada Bambabinca-Mansambo-Xitole-Saltinho... que esteve interdita, no troço Mansambo-Xitole, entre novembro de 1968 e agosto de 1969...

Recorde-se: desde Novembro de 1968 que o itinerário Mansambo-Xitole estava interdito. Nessa altura, uma coluna logística do BCAÇ 2852, no regresso a Bambadinca, sofrera duas emboscadas (uma das quais, a primeira, com mina comandada), a cerca de 2km da Ponte dos Fulas, na zona de acção da unidade de quadrícula aquartelada no Xitole (CART 2413).

A coluna prosseguiu com apoio aéreo.

Nove meses depois, a 4 de Agosto de 1969, a CCAÇ 12 participou na reabertura desse itinerário, que era absolutamente vital para as NT (aquarteladas em Mansambo, Xitole, Saltinho...).

Na Op Belo Dia, participou o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 (o pelotão do Humberto Reis e do Tony Levezinho) com forças da CART 2339 (Mansambo) - a que pertencia o Carlos Marques dos Santos - formando o Destacamento A. Nessa operação, não foram encontradas minas nem abatizes no itinerário mas o IN emboscou 1 Gr Com do Dest B, constituído por forças da CART 2413 do Xitole, na Ponte dos Fulas, quando as NT estavam a reabastecer-se de água.

Tempos duros...

E a propósito do Fernando Tordo (que teve mais sorte do que tu, ficou por cá, 3 anos...) descobri um artigo do Público > Fugas, que reproduzo com a devida vénia:


http://fugas.publico.pt/motores/280539_fernando-tordo-a-bomba-que-estava-na-moda



Fernando Tordo: A bomba que estava na moda

Por Sara Dias Oliveira
18.09.2010


Não esquece a cor, o impacto, o preço, o design, a performance. Não é para menos. O Austin Cooper S era "o carro da moda, dos ralis". Uma verdadeira "bomba" da estrada nos anos 60.
Fernando Tordo teve-a nas mãos aos 17 anos, quando era permitido tirar a carta antes dos 18, desde que se conduzisse com um "encartado" ao lado. Candidatos não faltaram, quando o pai lhe ofereceu um Austin Cooper S branco, novinho em folha, com dois depósitos de 50 litros de gasolina de cada lado. Matrícula bem presente na memória: FG-36-43. Custou 82 contos (410 euros) e foi comprado ao "senhor automóvel", Alfredo César Torres. Um carro inolvidável. "Em 1966, havia dois automóveis que toda a gente queria ter: o Jaguar ou o Austin Cooper S". "Ainda hoje penso como era possível um homem com a minha altura meter-se num carro daqueles", comenta, com um sorriso.

Tordo foi instrutor de condução na tropa, que cumpriu durante três anos. Ensinava as regras rodoviárias no extinto Grupo de Companhias de Trem Auto, aos homens que eram recrutados para o Ultramar. A segurança é fundamental para quem deu aulas de condução, e nunca teve um acidente em 44 anos de estrada. "Um automóvel tem de ter um magnífico motor e segurança", defende. Carros potentes e muito seguros: a combinação perfeita.

Agora, Tordo garante que tem o carro ideal: um Mazda 5, que transporta sete passageiros e tem espaço para o material dos concertos, incluindo uma caixa de guitarras. "É um carro fabuloso, muito seguro. A mecânica japonesa é imbatível". O próximo já está na cabeça - o cantor vai comprar uma vespa, pelo fascínio que tem pelas máquinas de duas rodas. Mas há mais sonhos por concretizar: gostava de ter um "carocha" dos antigos na garagem.

Há incongruências que lhe custam entender. Não consegue perceber como coabitam, no mesmo universo, publicidades de carros que atingem os 240 km/h e leis que não permitem conduzir a mais de 120. Nos seus planos está também uma viagem de carro pela Europa, com amigos, que servirá para tirar todas as dúvidas quanto ao GPS. "Quero ver se aquilo é mesmo eficaz".