terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12737: Notas de leitura (565): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 3 de 4 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Setembro de 2013:

Queridos amigos,
Não vale a pena chorar sobre o leite derramado.
Grande era a expetativa de encontrar documentação consistente para apreciar intervenções necessariamente úteis ou pertinentes de um conjunto de intervenientes de primeira água à volta da descolonização da Guiné.
A parte técnica deve ter corrido muito mal, são frequentes as intervenções truncadas ou impercetíveis, a simples mudança de uma bobine mutilava os depoimentos. E no entanto, Almeida Bruno, José Manuel Barroso, António Ramos, Nunes Barata e Bethencourt Rodrigues são figuras incontornáveis. É o que há, felizmente, nalguns casos ainda é possível procurar recuperar a memória histórica.
Seguir-se-á a última intervenção, Carlos Fabião.

Um abraço do
Mário


A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas* (3)

Beja Santos

As jornadas de trabalho promovidas pelos Estudos da Arrábida prosseguiram em 29 de Julho de 1997, o depoimento-base coube ao General José Manuel Bethecourt Rodrigues, Ministro do Exército entre 1968-1970, Comandante da Zona Militar Leste de Angola (1971-1973) e Governador e Comandante-Chefe da Guiné entre 1973 e 1974. Como já se tem vindo a alertar os confrades, existe o site (www.ahs-descolonizacao.ics.ul.pt/guine.htm), propriedade do Instituto de Ciências Sociais onde se poderão consultar os diferentes textos e poder confirmar que existem notórias dificuldades em tomar o pulso às declarações dos diferentes intervenientes: cassetes inaudíveis, intervenções de difícil compreensão, frases truncadas, intervenções impercetíveis de que não foi possível a transcrição, etc. etc.

Bethencourt Rodrigues, para pesar nosso, fez uma intervenção contida, formal, nitidamente à defesa. Deu explicações sobre o seu itinerário curricular, a partir de 1952, contou como, em 1958, se começou a ter a perceção de que algo iria acontecer em África, fez comentários ao golpe ensaiado por Botelho Moniz e outros oficiais para apear Salazar, elogiou o General Silva Freire, falecido no desastre do Chitado, considerou-o o melhor general da sua geração e pela sua premonição em perceber que era através da quadrícula que se poderia restaurar a confiança junto das populações africanas. Recordou o seu trabalho ao lado de Costa Gomes e comentou detalhadamente a sua ação no Leste de Angola.

Quanto ao que se passou na Guiné, considerou que o V Congresso do Povo foi o acontecimento político-social mais marcante do seu mandato como Governador. Abriu o jogo quanto ao que seria a retração do dispositivo, terá sido a primeira e única vez que explicou o que seria a retirada de inúmeros destacamentos e povoações: “Planeava converter as 225 guarnições em oitenta e tal. Mas já não tive tempo”. E confessou-se: “Reformado aos 55 anos, dediquei-me ao estudo. Pesquisei, li, meditei. E sabe a que conclusão cheguei? Que o país nunca teve um problema de defesa nacional em África. A tropa podia estar farta, mas obedecia”. Sempre muito cuidadoso, a certa altura deixa escapar um outro desabafo: que Spínola era muito facioso, para ele quem não tivesse andado no Colégio Militar ou não fosse Cavalaria era menos que zero.
E lamentavelmente é o que se possui sobre a intervenção de Bethencourt Rodrigues.

Em 1 de Agosto reaparece José Manuel Barroso e depõe o General João de Almeida Bruno, Ajudante de Campo do General Spínola e Comandante do Batalhão de Comandos Africanos. Barroso, sobrinho de Mário Soares, começa por referir o que tinham sido as relações entre Spínola e Soares antes do 25 de Abril. Barroso fora mensageiro entre Soares e Spínola, Soares enviara-lhe o livro “Portugal Amordaçado” com dedicatória, o General discordava substancialmente do conteúdo do livro, nomeadamente a visão sobre o Ultramar. Soares procurou encontrar-se com Spínola no Senegal, com mediação de Senghor, só que o assassinato de Amílcar Cabral tudo alterou. Foi este o pretexto para que a assistência e intervenientes logo regressassem ao tema do assassinato de Cabral. Barroso lembra-se de ter visto o inspetor Fragoso Allas a increpar: “Estúpidos, estes gajos de Lisboa são todos uns estúpidos, isto não se faz”. Spínola estava igualmente contristado, dizia repetidamente que o assassinato de Cabral iria criar ainda mais problemas no diálogo com o PAIGC. Mais adiante, Barroso referiu igualmente que no final de 1973 ou início de 1974 era convicção de Spínola de que a operação do assassinato podia ter tido origem em Lisboa, posição que irá corrigir mais tarde, atribuindo-a exclusivamente às questões internas do PAIGC.

Veio à baila o tema da politização dos Oficiais que se encontravam na Guiné, sobretudo a partir do momento em que passou a haver reuniões onde o derrube do regime era referido com todas as letras, e apreciou-se até que ponto a cultura política de certos Oficiais Milicianos terá sido determinante para um estado de espírito de golpe de Estado, independentemente do que se passara em Lisboa em 25 de Abril. A conversa foi novamente reconduzida para a guerra da Guiné e Almeida Bruno discreteou sobre a sorte que coube ao PAIGC com os primeiros abates de aviões: o Tenente-Coronel Brito, Comandante de Grupo da Força Aérea, figura central dos pilotos, foi abatido como na semana seguinte foi abatido o seu sucessor, Mantovani. Descreveu a sua ação e a dos Comandos Africanos durante o cerco de Guidage com a operação a Cumbamori, cuja base, afirmou, foi totalmente destruída.

Aos poucos, a conversa voltou a deslizar para fora do eixo principal, passou-se a especular sobre o comportamento de Spínola enquanto foi Presidente da República, qual a sua ideologia, como se deixou isolar, que aliança estabeleceu com Palma Carlos e Sá Carneiro, como a Comissão Coordenadora do MFA o foi encostando às tábuas. Barroso, no meio daquela diatribe, ainda tentou regressar ao quadro ideológico dos Oficiais ao tempo da Guiné de Spínola e depois próximo do 25 de Abril, teceu considerações que teriam sido úteis para a discussão, que não houve. Voltando à personalidade de Spínola, Almeida Bruno desentendeu-se com o antigo Governador da Guiné e criticou os erros políticos cometidos do 11 de Março em diante, Spínola por não estar na ribalta, não tinha uma visão pessoal do poder, era ambicioso e vaidoso.


Ciências Sociais em África, alguns projetos de investigação

Editado pelo Conselho para o Desenvolvimento da Investigação Económica e Social em África (CODESRIA), este livro foi editado em Dakar de 1992, é um levantamento de pesquisas bibliográficas que procuram identificar áreas-chave da investigação. O economista angolano João Gonçalves debruçou-se sobre as ciências sociais em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Destacou o trabalho do INEP – Instituto Nacional de Estudo e Pesquisa, reconheceu o papel motor do seu primeiro diretor, Carlos Lopes. O INEP tem tido uma relevante prestação em trabalhos sociológicos e antropológicos, com especial referência para a revista Soronda. E adiantou os seguintes elementos:
Diana Lima Handem apresenta os trabalhos mais consistentes com dois livros: um em português, enquanto coordenadora do seminário A Guiné-Bissau perante o ano 2000, e o outro em francês, sobre o poder no seio dos Balanta-Brassa.
Carlos Cardoso, o segundo diretor, também estuda os balantas, e Raul Fernandes, com o seu trabalho sobre os Bijagós, têm teses em preparação. Por várias vezes a revista Soronda publicou textos seus, assim como de Rui Ribeiro e Faustino Mbali, que prepara um mestrado sobre a problemática Estado-campesinato.

No domínio da economia, Eduardo Fernandes e Bernardino Cardoso estão na origem de textos que deverão ser considerados como pontos de partida para uma investigação mais aprofundada, ilustrada pela criação no INEP de um grupo de trabalho pluridisciplinar dedicado ao estudo do ajustamento estrutural.

Por outro lado, o CODESRIA participou por duas vezes na edição de trabalhos efetuados no quadro do INEP e sobre a economia política da transição na Guiné-Bissau.
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Notas do editor

(*) Vd.Poste anterior da série de 10 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12705: Notas de leitura (561): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 2 de 4 (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 17 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12730: Notas de leitura (564): "Murmúrios do vento", da autoria do capitão Valdemar Aveiro, 3º livro de uma trilogia sobre a epopeia da pesca do bacalhau, que chegou a ser alternativa à guerra colonial (Prefácio de José António Paradela, arq) (Parte II)

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