segunda-feira, 3 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12789: Crónicas higiénicas (Veríssimo Ferreira) (3): Esquecer? Nunca

Anúncio do sabão Lifebuoy, 1902.. Fonte:
Wikipedia. Imagem do domínio público.


1. Em mensagem do dia 24 de Fevereiro de 2014, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3 e Bissau, 1965/67) enviou-nos a segunda Crónica Higiénica para publicação.





CRÓNICAS HIGIÉNICAS

3 - ESQUECER? NUNCA

Post 12694 do nosso Blogue

Guiné-Bissau > Região do Oio > Mansabá > Dia nº 12 da viagem > 16 de abril de 2006 > Mullher com 2 dentes de ouro...
Foto (e legenda): © Hugo Costa (2006). Todos os direitos reservados.

Pois eu estou nos 82% dos que não voltaram à nossa Guiné e dos 83 que gostariam de voltar, mas calma que ainda não é tarde.
Deve ser uma emoção das grandes reviver os locais por onde andei bem como grande será a tristeza ao lembrar-me, dos amigos que deixaram de estar comigo, assassinados que foram por terroristas bárbaros e cruéis. Terroristas bárbaros e cruéis sim, e se dúvidas houvessem, basta que leiam o que se passou naquele conselho de guerra, como lhe chamaram os facínoras que o subscreveram e que tão bem está documentado no P12704 - O massacre do chão manjaco. (Transcrição do nosso camarada Jorge Picado, que em boa hora descobriu esta preciosidade) e espreitem também o P12732.

Afinal e infelizmente estávamos certos alguns de nós, quando denunciávamos o que seriam os amílcares do PAIGC e que tão bem foram recebidos em Portugal, com casa, água e lavadeira privadas, pagas pelo Estado, ou seja por nós os que nada recebemos, nem um pouco de consideração e até combatemos pelo País. E não me venha com as tretas costumadas... que não sabiam, etc., etc.
E para aqueles que ainda acreditavam na bondade dessa gente, vejam o horror que aconteceu com os nossos camaradas apunhalados e cortados com catanas... a sangue frio ali entre o Pelundo e Jolmete, para onde foram de boa fé e desarmados.
Este triste episódio demonstra àqueles que ainda tinham dúvidas, que cobardes combatemos. Guerra será sempre guerra de matas ou morres, mas isto premeditado que foi, é mais que selvajaria e bestialidade.

Continuo é sem perceber, mas lá chegarei, do porquê de termos dado asilo a monstros destes em vez de os termos aprisionado e colocado perante a justiça. Dos presentes naquela reunião, em Conacry, pelo menos um morreu da mesma forma como aplaudiu a dos nossos.
Ao que se diz e enquanto PR, usou do mesmo banho de sangue, até com os seus correligionários

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Tavira, Quartel da Atalaia > 2014 > Edifício onde esteve instalado o CISMI, até ser desactivado em 31/12/1975 
© Luís Graça (2014)

TAVIRA tem merecido (aqui no nosso Blogue) justas e merecidas homenagens, sejam escritas ou em fotos e também alguns comentários negativos contra a preparação militar de quem por ali passou e não gostou.
Para estes últimos sempre digo e não haveria necessidade de o fazer, que tudo fazia parte dum processo para preparar homens, como atiradores de Infantaria, que vieram a ser. Sem essas duríssimas etapas, física e mental, talvez não tivéssemos aguentado aquilo por que passámos lá na nossa Guiné. E sei do que falo, pois que também ajudei a treinar quatro pelotões, um de cada vez dado que só saí da Metrópole já com 21 meses e tudo o que havia de ser feito foi-o de maneira a não prejudicar ninguém mas "explorando" os limites humanamente exigíveis para que pudessem sobreviver às duras missões que se avizinhavam.

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Lamego
Foto: Pais&Filhos, com a devida vénia

E vai daí e pois tal como a Tavira, também Mafra, Lamego e Tancos, locais onde aprendi a arte da guerra, são por mim visitados regularmente e sempre com agrado, bem como Abrantes e Tomar, onde partilhei tal aprendizagem. Ontem mesmo almocei no Ti Chico, restaurante que serve o melhor peixe fresco e mantendo-me cá por baixo neste Reino dos Algarves, ali voltarei ainda esta semana, e com a conta não me preocupo que a despesa para mim e para uma das minhas "espósias" é sempre 17 euros, quer coma também pudim flin ou mousse ainda mornos, feitos diariamente... quer beba ou não aguardente de medronho (qu'o whikey "cá tem").

E se mais não for, passarei e espreitarei pela janela do quartel, onde do outro lado dormia.
E podem crer que saio revigorado desta visita da saudade.

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P12737 sobre as opiniões de altos membros das Forças Armadas.
Aqui não percebo a dúvida existente. Todos nós acompanhámos o que foi dito após o vinte e cinco do quatro por algumas personalidades (foram meia dúzia... mas foram) que em vez de respeitarem a Instituição Militar a que pertenciam, se atropelaram com verdades inverdades, esquecendo a ética... mas procurando subir, agradando à classe política dominante.
Tenho em meu poder uma gravação duma emissão de uma TV, onde estiveram reunidos alguns da esquerda e da direita. Está presente um senhor General, que perante um vídeo da própria TV, diz às tantas, mais ou menos isto: "Este que vai falando, se fosse no meu tempo e com a voz fininha" etc etc... dando a entender que nem tropa poderia ter sido.

E eu aplaudo-o. MAS QUE HÁ POR AÍ E CADA VEZ MAIS, MUITOS DE VOZ FININHA A PRECISAR DUM ENXERTO... Há.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12763: Crónicas higiénicas (Veríssimo Ferreira) (2): Os ursos, lobos, raposas e até os peçonhentos

4 comentários:

Anónimo disse...

Olá Camaradas
Pois eu sou daqueles a quem a Guiné de hoje (e não Guiné dá ouche Guiné milhor) não diz mais do que qualquer outro país do mundo. Não faço a mínima ideia de lá voltar pois tenho medo de encontrar algo de muito mau e às tantas perguntar se era para isto que o PAIGC queria a independência, o que é uma pergunta politicamente muito incorrecta. Outra pergunta politicamente muito incorrecta será:
- Se os dirigentes da Guiné de hoje não deveriam manter-se mais dignos dos mortos, feridos e doentes que se incapacitaram na guerra?
Isto para não falar dos grandes sacrifícios que aquele povo passou...
Faço minhas as palavras do Veríssimo acerca do sucedido no Chão Manjaco, como já disse noutro Post.
Perdi a guerra. durmo bem com isso e não procuro justificações (coxas) para o facto, mas os que a ganharam... a começar no "Grande" Amílcar deveriam ter outra atitude...
Um Ab.
António j. P. Costa

JD disse...

Olá Veríssimo,
Não é na tua terra que dizem que a verdade é como o azeite?
Pois! é como no caso BPN, eles andem aí, mas nós sabemos que foram os culpados.
Pois a verdade revolucionária já no nosso tempo tinha produzido alguns mentirosos e oportunistas. Não pode haver democracia sem que o povo tenha mecanismos para a controlar. No entanto, os povos parecem ficar tolhidos perante os seus líderes, sobretudo quando estes sofrem de tiques autocratas. Parece-me, portanto, que temos que saber falar sobre as coisas, debatendo-as com respeito pela opinião alheia, e aceitação da decisão maioritária.
Outra coisa, é manter os sentidos alerta, pois está mais que sabido, que o aldrabão apresenta-se sempre com grande simpatia e preocupado com a nossa situação.
Por fim, acho que vou fazer uma incursão pelos meus itinerários militares antes de ter chegado à tropicana.
Se calhar por inveja e revivalismo dos escritos que por aqui têm passado sobre essas viagens de turismo interno. A ver.
Aquele abraço, até à Linha, se não for antes.
JD

Hélder Valério disse...

Olá Veríssimo!

Com que então com vontade de colocar as 'vozes fininhas' a falarem 'mais grosso'?!

Bem, não me parece que sejas o único!
O que me preocupa verdadeiramente é que os problemas novos (ou os velhos problemas com novos enquadramentos) devem ter soluções novas (ou velhas, adequadas ao tempo e espaço) e isso (a procura das soluções) deve ser tarefa das novas gerações, e não estou a ver capacidade para isso.
A nós compete-nos dar pistas, talvez apontar caminhos, falar de experiências, mas têm de ser eles, os novos, a encontrar o seu (deles e nosso) caminho.

Abraço
Hélder S.

J. Gabriel Sacôto M. Fernandes (Ex ALF. MIL. Guiné 64/66) disse...

Veríssimo Ferreira: Estou contigo quando dizes:

"ESQUECER? NUNCA!"

João Sacôto