sexta-feira, 21 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12878: Blogpoesia (382): O Dia Mundial da Poesia, 21 de Março de 2014, na nossa Tabanca Grande (XIII): Impossível apagar o pensamento (Tony Borié)





1. Em mensagem de hoje, 20 de Março de 2014, o nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Op Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), enviou-nos a sua colaboração para o Dia Mundial da Poesia que hoje se comemora.







O tal velho, que todos diziam que era bom e honrado,
Vociferava na rádio e na televisão,
Que por sinal também era do nosso Estado,
Vamos para lá, agora e já, nesta ocasião!
Matar ou morrer, tal como de outras vezes,
Lá no Oriente, na Oceânia ou até na África, talvez como e quando,
Talvez como gregos, mouros, fenícios ou cartagineses,
Num navio de carga, sem aquela vela, que tinha uma cruz, sempre desfraldando!

Saindo do Tejo, a nossa vista por lá se desterra,
Os pilares duma ponte, com o nome do velho, que com a nossa aldeia por cá ficavam,
A família, esposas ou namoradas, lá atrás da serra,
O pensamento, os nossos olhos se alongavam!
Ficava a alma, não só coração na amada terra,
Beijos, xicorações, que as mágoas lá nos deixavam,
Fugimos ao porão, com o nosso corpo a soluçar,
Ao outro dia nada mais vimos, do que céu e mar!

Vimos as Canárias, que afinal eram umas ilhas,
Passámos Cabo Verde, com aquelas rochas, muito perigosas,
Já não era em quilómetros, mas sim em milhas,
Que contavam a distância naquelas ondas bastante tenebrosas!
Peixes voadores, sim que os havia no reino do Congo,
Que os Portugueses também converteram à fé de Cristo,
A Guiné era próxima, assim como o rio, que era longo,
Por este mar de lama, pensava baixinho, já não sei se existo!

Contar as vivências, que foram até, bastante perigosas,
Explicar coisas, que pessoas novas, talvez não entendem,
Guerra, tiros, sangue, bombardeamentos, cenas tenebrosas,
Companheiros mortos, fúria, raiva, que os fogos acendem!
Fome, álcool, cigarros, amor e sexo negro, arroz da bolanha, não causes mais dano,
Gritos, catra-pum-pum-pum, o som da metralha,
Quero viver, quero de novo atravessar aquele oceano, 
Quero regressar, quero estar vivo, mesmo que perca toda esta batalha!

Dois anos depois, mais velho e sofrido, da escura treva,
Milhares de cigarros, litros de álcool, naquele espaço que já foi passado,
A pele escura do Equador, cheio de razão, que alguém se atreva,
Quero viver, quero estar vivo, não catra-pum-pum-pum, vê lá tem cuidado!
Só água de lama, arame farpado, aquartelamentos, sofre companheiro,
Estás na Guiné, não no Algarve, Valença ou Caminha,
Aqui há bolanhas, terra vermelha, não monte ou outeiro,
Dois anos depois, mais velho e sofrido, já não ia, pois agora vinha!

Ah, ah, ah... deixa-me sorrir, pois já lá vão mais de cinquenta anos,
Ainda estou vivo, vou tendo dores, mas não é frequente,
Considero um milagre, andarmos por cá, sendo veteranos,
De uma guerra, que justa ou injusta, deu sofrimento e matou muita gente!
Porra, já vou longe de mais, estou a abusar da vossa paciência,
Mas podem crer, que foi um prazer, falar com vocês nesta lembrança,
Todos vocês, andaram por lá, têm no corpo, toda esta vivência,
Sorriam, e lembrem sempre aquela palavra, que é a “esperança”!


Tony Borie, Março de 2014
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Nota do editor

Último poste da série de Guiné 63/74 - P12876: Blogpoesia (381): O Dia Mundial da Poesia, 21 de Março de 2014, na nossa Tabanca Grande (XII): Nunca se está completamente vestido sem um sorriso (Fernando Gouveia)

1 comentário:

Mário Vasconcelos disse...

Percorrendo os versos, creio que todos temos, na sua composição o nosso espaço, o nosso tempo, as nossas vivências e recordações.
É um prazer ler quem nos faz reviver.
Thanks.