sábado, 29 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12911: Manuscrito(s) (Luís Graça (24): Revisitar Bissau, cidade da I República, pela mão de Ana Vaz Milheiro, especialista em arquitetura e urbanismo da época colonial

Nota de leitura >

Ana Vaz Milheiro – 2011: Guiné-Bissau. Lisboa, Circo de ideias, 2012, 52 pp.  (Viagens, 5)




1. Foi pena que tenha passado despercebida, a muitos de nós, ex-combatentes da Guiné, ou que se interessam pela historiografia da presença portuguesa em África, a xposição "África - Visões do Gabinete de Urbanização Colonial", que esteve patente ao pú8blico, no CCB, em Lisboa, de 7 de dezembro de 2013 a 2 de março de 2014.

Passei por lá em 26 de janeiro, com um amigo meu, arquiteto, o José António Paradela, de Ílhavo  (que fez, aos 16 anos, a "guerra colonial" na pesca do bacalhau,  na Terra Nova...) e tinha a intenção de fazer uma poste no âmbito da série "Agenda Cultural"...

Paciência.. Não se pode "ir a todas"... De qualquer modo, tomei  a liberdade de recolher algumas imagens e tomar algumas notas... que apresentarei mum próximo poste.




Cartaz promocional > CCB - Centro Cultural de Belém > Garagem Sul > Exposições de  Arquitectura >  "ÁFRICA – VISÕES DO GABINETE DE URBANIZAÇÃO COLONIAL"

Foto de Luís Graça (2014).


A curadoria foi da Ana Vaz Milheiro (com Ana Canas e João Vieira). A exposição esteve aberta ao público de 7 de dezembro de 2013 a 28 de fevereiro de 2014  [com prolongamento até 2 Março].

Segundo o programa, "África – Visões do Gabinete de Urbanização Colonial propõe um percurso por uma paisagem africana desenhada (e inventada) a partir do coração da metrópole, em Lisboa, no período final da colonização portuguesa (1944-1974).

O texto é da investigadora e docente do ISCTE-IUL, curadora desta exposição, Ana Vaz Milheiro. A exposição resulta de um projeto de investigação, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), e que decorreu entre 2010 e 2013: "Gabinetes Coloniais de Urbanização: Cultura e Práctica Arquitectónica"

(...) "Inicia-se com imagens de edifícios públicos fortemente marcados pela tradição portuguesa do sul, fixa-se numa arquitectura oficial do Estado Novo, e abre a possibilidade de ensaiar uma primeira expressão de 'nativismo africano', através do conhecimento progressivo que os arquitectos portugueses vão adquirindo das diferentes culturas locais, antecipando visões de autonomia e de independência."

Pela primeira vez mostrados em público, a exposição, que se realizou na Garagem Sul do CCB,  era enriquecida por  "um conjunto de desenhos, relatórios, fotografias, actualmente à guarda do Instituto de Investigação Científica Tropical".

Mas hoje do que vos quero falar é de livrinho que comprei lá, por 10 euros, e que é uma espécia de guia de bolso, um roteiro de visita guiada à Guiné-Bissau e ao património arquitetónico que os portugueses lá deixaram.  E que merece ser melhor conhecido, estudado, divulgado e protegido. O livro tem a assinatura da incontornável  e voluntariosa Ana Vaz Milheiro.

2. Ana Vaz Milheiro (n. 1968, Lisboa) é licenciada e mestre em arquitetura pela Universidade Técnica de Lisboa, e doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (2004). Docente do ISCTE-IUL, prepara o seu pós-doutoramento em arquitetura lusoafricana da época do Estado Novo.

Este livrinho, profusamente ilustrado com fotografias da autora,  a cores, resulta de uma singular viagem,  à Guiné-Bissau,  de 2 arquitetos e de 1 sociólogo,  durante 10 dias, de 2 a 10 de outubro de 2011.

O sociólogo, ou melhor, antropólogo social é nem mais nem menos do que o Eduardo Costa Dias, do meu tempo do ISCTE, e nosso grã-tabanqueiro, que serve de “cicerone”, nesta viagem, a dois colegas, também do ISCTE-IUL, a autora da brochura, e o Paulo Tormenta Pinto.

O Eduardo, que vai à Guiné-Bissau, quase todos os anos, desde 1980,  foi desta vez, como especialista da cultura e história guineenses, integrado no projeto de investigação “Os Gabinetes Coloniais da Guiné-Bissau – Cultura e Prática Arquitectónica”, de que a Ana Vaz Milheiro é a responsável principal.

Como ele nos conta no curto texto que escreveu à laia de prefácio (p.7), rapidamente passou de “cicerone” para “ciceroneado”, de tal maneira foram as descobertas feitas, no terreno, a partir das “novas leituras” que lhe proporcionaram, em matéria de arquitetura e urbanismo coloniais, os seus dois  colegas, arquitetos… Para mais, “num terreno que eu pensava que puco de novo ainda tinha para me dizer” (p. 7).

Como leitor, entusiasta, do livrinho, também partilho do mesmo sentimento que o nosso amigo Eduardo. Basta, de resto, ler-se  o guião da viagem (e agora índice da publicação, enter parênteses a página):

Guiné-Bissau (7), Missão arquitetónica (9), Bissau, cidade da I República (11), A cidade jardim dos trópicos (13), O futuro de África é a China (15), Ruínas pós-colonais (17),  Arquiteturas maneiristas (19), Estação metereológica de Bissau (21), O bairro de Santa Luzia (23),  o bairro da Ajuda (25), O melhor edifício da cidade (27),  Geometrias (29), Migrações africanas (31), Mais mundo houvera (33), Bafatá (35), Um hospital com vista sobre a cidade (37), Contuboel (39), Mercados (41), A escola primária do Cacheu (43), Cine-Canchungo (45),  A estação dos CTT do Gabú (47), Ponte sobre o rio Mansoa (49), Bibliografia (50), Biografias (51).

“Last bu not the least”, neste conjunto de 2 dezenas de fontes de documentação consultadas e citadas pela autora, sabem qual é a última que vem na lista, na página 50 ? O nosso blogue, o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné que cumpre, assim,  um dos seus  propósitso, que é o de também ser uma fonte de informação e conhecimento relevante no que diz respeito à documentação da presença portuguesa na Guiné-Bissau (*)… De resto, como eu gosto de dizer, os ex-combatentes da Guiné "não querem morrer sem deixar rasto"... E o rasto são as "as nossas memórias e afetos"...

Para além de ser especialista num domínio como este o das arquiteturas lusotropicais, e mais exatamente coloniais, a Ana Vaz Milheiro  tem a vantagem, nesta viagem, de ser uma “estreante”, embora  de modo algum “virgem” no que diz respeito à arquitetura e urbanismo  da Guiné-Bissau da época colonial.  O seu olhar não era, pois, o do “leigo”, muito menos o do “turista à força” que fomos nós, os ex-combatentes, que foram  desembarcando  em Bissau, aos milhares, entre 1961 a 1974…

Ela não deixou nada ao acaso ou ao improviso: tinha feito o seu trabalho de casa, e compulsado vasta documentação:

(i) livros e opúsculos  (a maior parte da Agência Geral do Ultramar);

(ii) desenhos, projetos e documentos (do Arquivo Histórico Ultramarino  e do Centro de Documentação do IPAD);

 (iii) fotografias registadas pelo arquiteto Luís Possolo, nos anos 60, ao serviço do Ministério do Ultramar;

 (iv) fotos do Eduardo Costa Dias,  tiradas em  2009, de acordo com uma lista de edifícios públicos construídos em Bissau depois da II Guerra Mundial, amostragem de obras estado-novistas;e , por fim,

(v) cruzamento das imagens com os projetos arquivados em Lisboa…

De acordo com o roteiro da viagem, os primeiros dias foram passados em Bissau e arredores, seguindo-se:

(i) no dia 6/10/2011 Safim, Empada, Nhabijões [mas imediações de Bambadinca], Bafatá, Gabú, Sonaco, Contuboel;

 (ii) no dia 8, Bula, Canchungo, Cacheu;

e  (iii) no dias 9/10, Mansoa.





Guiné-Bissau > Bissau, capital do país. Planta da cidade, pós-independência.  C. 1975. Escala 1/20 mil  Pormenor

Imagem © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados [Edição: L.G.]



Guiné > Bissau > s/d > Vista aérea parcial e Ilhéu do Rei. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 142". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte - Publicações e Artes Gráficas, SARL).




Guiné > Bissau > s/d > Vista aérea de Bissau. Ao centro, o Palácio do Governo e a a Praça do Império. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 118". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte - Publicações e Artes Gráficas, SARL).


Guiné > Bissau > s/d > Sem legenda: A antiga Av 31 de Janeiro, hoje, Av Amílcar Cabral > Ao fundo, o Palácio do Governador, e a Praça do Império; do lado direito, a Catedral de Bissau (Edição Comer, Trav do Alecrim, 1 -Telef. 329775, Lisboa).

Colecção de postais ilustrados: Agostinho Gaspar / Digitalizações: Luís Graça & Camaradas da Guiné

Imagens: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010). Todos os direitos reservados.


3. Bissau, uma cidade da I República

É o Estado Novo [, e nomeadamente  com Sarmento Rodrigues como governador, 1945-1949] que vai ter, para a cidade, uma intervenção pensada e estruturada. Até então o “making of” do espaço urbano resultara de um “processos de adição” (p. 10):

(i) a construção da fortaleza de São José da Amura, na margem direita do estuário do Geba;

(ii) a Bissau Velha, que nasce fora de muros, e que é o primeiro assentamento urbano;

(iii)  o esforço para estabilizar a presença portuguesa na então ilha de Bissau, na sequência da “guerra de pacificação”,  levada a cabo sob o comando de Teixeira Pinto (1913-1915);

 (iv) a chegada, em 1919, do engenheiro de minas José Guedes Quinhones, da Repartição de Fomento, Direção de Agrimensura,  e com ele o propósito republicano de “embelezar a cidade”.

Cito a autora:

“O plano de 1919 (…) não só dá início ao processo de minumentalização  do espaço urbano,cmo corresponde à expansão para lá do primitivo perímetro. Cruza a baixa densidade da Garden City [Cidade Jardim, movimento de planeamento urbano iniciado em 1898] com as ideias culturalistas do City Beautiful movement [Movimento  da Cidade Bonita, dos anos 1890-1900], propondo uma praça radial, implantada na cota mais elevada, ligando-se, através de um boulevard, à zona baixa e portuária [imagem da Av 3 de Agosto].”

Recorda a Ana Vaz Milheiro que a atual Av Àmílcar Cabral era a Av 31 de Janeiro [, uma data grata aos republicanos, por recordar a  primeira tentativa de derrube da monarquia, a revolta do Porto, em 1891]. “Os limites da cidade são assegurados por uma ‘Avenida de Cintura’, que faz a fronteira com os ‘Subúrbios’, onde a população africana se irá fixar. Identificam-se os lotes das instalações  de energia elétrica e de abastecimento de água, do Pal´«acio do Governo, do Novo Hospital e do Banco Nacional Ultramarino”…

Trata-se, enfim, de um programa mínimo, de equipamentos, acrescidos em 1922 com a escola primária, e  que o Estado Novo  vai reforça depois de 1945. “A estratégia estado-novista passa por diminuir os vestígios deste urbanismo de perfil republicano, apropriando-se dos seus símbolos” (p,. 10), conclui a autora. (**)

(Continua)

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Notas do editor

(*) Sobre a cdiade de Bissau, temos inúmeros postes, vd. por ex.:

10 de novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1264: Postais Ilustrados (10): Bissau, melhor do que diz o fotógrafo (Beja Santos / Mário Dias)


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