sexta-feira, 25 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13036: Notas de leitura (583): "Capitãs de Abril - A revolução dos cravos vivida pelas mulheres dos militares", por Ana Sofia Fonseca (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Abril de 2014:

Queridos amigos,
São ouvidas neste precioso livro de testemunhos mulheres de alguns dos mais significativos nomes dos militares de abril. Como elas tinham visto a evolução da guerra, como acompanharam os maridos ao longo de todo o processo conspirativo, como tomaram conhecimento dos acontecimentos da madrugada em que o regime de Caetano caiu, como colaboraram a escrever os documentos de circulação ultra restrita, a inquietação enquanto aguardavam notícias pela rádio, os famosos comunicados do MFA, a história de duas mulheres, uma que leu comunicados no Rádio Clube Português, outra que trabalhava num self-service, o patrão mandou fechar as portas e deu-lhes cravos destinados aos clientes, uma delas irá subir a Baixa a pôr cravos nas armas, mal sabia que estava a compor História.
É a revolução dos cravos no feminino, são depoimentos por vezes comoventes sobre aqueles momentos decisivos em que tombou a ditadura.

Um abraço do
Mário


Capitãs de Abril: como elas viram nascer o golpe de Estado

Beja Santos

A abordagem é original: indagar mulheres que estiveram por detrás de quem fez um golpe militar, quem, naquele ato de sublevação, arriscou praticamente tudo. O que Ana Sofia Fonseca propõe em “Capitãs de Abril, a revolução dos cravos vivida pelas mulheres dos militares”, A Esfera dos Livros, 2014, é contar a revolução no feminino, vivida dentro de casa, como lutaram nas fileiras da conspiração, como deram cobertura às reuniões clandestinas, como passaram à máquina manifestos. “Esta é também a história da única mulher que leu um comunicado do Movimento das Forças Armadas e da rapariga que, sem saber, deu nome à revolução. São personagens de um dos mais importantes acontecimentos do século XX português. Todas elas, cada uma à sua maneira, protagonistas na sombra”. Projeto aliciante e com resultados dignos de reflexão.

Começando com Maria Dina Afonso Alambre de Carvalho, mulher de Otelo, aquele tempo foi dobadoira, como se escreve: “Foram meses de reuniões, sabe bem que o golpe anda a ser preparado. À sua maneira, ajudou quanto pôde. Nos últimos dias, sentava o filho no banco de trás, ocupava o lugar da frente e acompanhava Otelo por onde quer que ele conduzisse. Aceleravam até à casa de camaradas, estacionavam a observar o Forte de Caxias para melhor planear a libertação dos presos políticos. Como se nada fosse, ela ficava no carro, a ver o filho brincar, a disfarçar. Ansiosas, as agulhas de renda burilavam sem descanso uma toalha com rosetas”.
Outra protagonista, Natércia Salgueiro Maia, também recebeu a mesma informação: “Vai ser hoje…”. Uma despedida que lhe deixou o coração apertado. Sabe que o marido partirá à frente de uma coluna a partir da Escola Prática de Cavalaria, tem desempenho primacial na operação “Fim do regime”.
Nessa mesma noite, Ana Coucello, mulher do adjunto operacional de Otelo, Luís Ferreira Macedo preparou um jantar para receber familiares, era preciso aparentar naturalidade, confundir a polícia política. Pouco antes de abril, Ana bateu à máquina um documento intitulado “O Movimento, as Forças Armadas e a Nação”, afinal um manifesto redigido por Ernesto Melo Antunes. Não tem ilusões, algo de formidável está em marcha, este documento fora lido na reunião de Cascais, em 5 de março, no ateliê do arquiteto Braula Reis, agora vai ser difundido pelos oficiais que aderiram ao Movimento. Vitor Alves diz a Teresa: “Olha, é esta noite”. E ela pergunta-lhe: “É esta noite, o quê?”. E ele, de imediato: “A revolução que temos andado aí a preparar…”. Teresa está apreensiva, é a filha do Chefe de Estado-Maior da Armada. E fica à escuta, sabe que a uma determinada hora alguém, na rádio, dirá que se vai ouvir a canção de Paulo Carvalho “E Depois do Adeus”.

Esta ansiedade toma as mulheres de todos os golpistas, Aura Costa Martins, a namorada de Costa Martins, oficial da Força Aérea, ela gritará exuberante, “Já está, já está!”, João Paulo Dinis, pelas 22h55 anuncia a canção de Paulo Carvalho. O golpe de Estado começa a desenrolar-se. A vida desta mulher terá esta e outras alegrias, mas muito sofrimento posterior. Costa Martins, depois do 25 de novembro, sentindo-se perseguido, irá para Luanda, aí celebrarão casamento. O que se segue é desconhecido de muitos portugueses: “O militar colabora com os camaradas do MPLA. Trabalha nos ministérios da Defesa, do Comércio, dos Transportes e do Trabalho. E veio o golpe de 27 de maio de 1977. Será arrastado na desgraça. Foi torturado até acreditar que a morte não é o pior dos tormentos. A maldade tem excesso de imaginação – chicote, espigão de ferro, correia de camião. O rosto numa bola irreconhecível, o corpo em chaga. Aura desesperada à sua procura. Nada sabia do que se passava, apenas conhecia o que acontecera debaixo do seu olhar – uns homens à porta, decididos a levar o português para prestar declarações”. Mas a sua alegria não terá limites quando na Rádio Renascença, pela meia-noite e vinte, Leite Vasconcelos anunciou “Grândola, Vila Morena”. Uma noite à volta da rádio, começara, na plenitude, a madrugada da libertação.

E aqui entraram mulheres que nada tinham a ver diretamente com o golpe. Foi o caso de Clarisse Guerra, locutora na Rádio Clube Português, onde se estreara em 1962. Joaquim Furtado convida a ler um comunicado do MFA. E pelas duas e meia da tarde a sua voz vai para o ar:
“Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas.
Pretendendo continuar a informar o País sobre o desenrolar dos acontecimentos históricos que se estão processando, o Movimento das Forças Armadas comunica que as operações iniciadas na madrugada de hoje se desenrolam de acordo com as previsões, encontrando-se dominados vários objetivos importantes…”. Tudo numa agitação, nos Açores, Melo Antunes e Vasco Lourenço já se apresentaram numa unidade militar, começaram a ser tomadas as medidas necessárias no arquipélago. Fala-se de Custódia do Martins Guerreiro, de Gabriela Ataíde Mota e de Ernesto Melo Antunes de Maria Luísa e António Marcos Júnior, abril já se faz nas ruas, chegou a hora dos cravos.

É uma anónima quem vai batizar a revolução. Mais tarde, saber-se-á de tudo. Celeste Martins Caeiro chegou ao self-service de onde trabalha, o patrão anuncia que não abrirá as portas, há confusão na rua, militares e carros de combate. Distribuiu uma molhada de cravos pelas empregadas, hoje não há clientes para receberem cravos. O que interessa é que Celeste vai desembarcar na Baixa com uma braçada de cravos. A descrição feita pela autora é tocante:
“Admirada com o cenário da Praça Dom Pedro IV, Celeste não arreda pé, deixa-se ficar a ver os militares passarem. A curiosidade enche-a de coragem, aproxima-se de um soldado:
— O que é que estão aqui a fazer?
— Uma revolução!
— E é para melhor ou para pior?
— É para acabar com a guerra e com a PIDE. Saímos do quartel ainda era noite…
— Então, e precisam de alguma coisa? Como é que posso ajudar?
— Se tiver um cigarrinho… Um cigarro calhava bem.
— Bem gostava de lhe dar um, mas nunca fumei… Olhe, tome lá um cravo que tanto se oferece a uma senhora como a um senhor”.
E depois o Largo do Carmo, onde o regime de Marcelo Caetano tombará. A autora ouve Pedro Lauret e muito se fala da Guiné, de Guidage, Guileje e Gadamael, episódios do maior dramatismo. Lauret irá na lancha Orion subir o Cumbijã, embarcou uma companhia de paraquedistas e vai levá-la até ao porto de Cacine, onde se vivem momentos de desespero. A autora atribuiu a Lauret a seguinte apreciação: “Em Guileje, as ordens de Spínola tinha sido no sentido de que os cobardes eram para morrer”.
O 25 de abril triunfou. Todas estas mulheres distendem, sorriem em liberdade. Os homens que amam estão na bênção da vitória. “Capitãs de Abril” preenche uma lacuna, é uma reportagem bem urdida sobre as mulheres esquecidas que enfunaram aqueles dias tempestuosos que precederam a democracia.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P13017: Notas de leitura (582): "Por Terras de África - da Terra dos Cancurans ao Reino da Rainha Gunga", por Francisco Búzio Reis (Mário Beja Santos)

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