sábado, 27 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13657: Caderno de Poesias "Poilão" (Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino, Bissau, Dezembro de 1973) (Albano de Matos) (3): "Mãos", "Balantão" e "Cachimbêro", três poemas do poeta maior desta antologia, natural de Farim, Pascoal d' Artagnan [Aurigema] (1938-1991), pp. 9/11




Elementos da capa do documento policopiado do Caderno de Poesias Poilão", editada em dezembro de 1973 pelo Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino (O GDC dos Empregados do BNU foi criado em 1924).







[Local e data: Catió — Campo de aviação. Junho de 1971]





1. O nosso camarada Albano Mendes de Matos [, ten cor art ref, que esteve no GA 7 e QG/CTIG, Bissau, 1972/74, e foi o "último soldado do império"; é natural de Castelo Branco, vive no Fundão; é poeta, romancista e antropólogo], mandou-nos uma cópia, em pdf, do Caderno de Poesias "Poilão"...

Temos a sua autorização para reproduzir aqui, para conhecimento de um público lusófono mais vasto, este livrinho, de que se fizeram apenas 700 exemplares, policopiados, distribuídos em fevereiro de 1974, em Bissau. A iniciativa foi do Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino (BNU), cuja origem remonta a 1924.

2. Reproduzimos hoje  três poemas do poeta guineense, natural de Farim, Pascoal D’Artagnan Aurigema (1938-1991).  É o poeta "maior" desta antologia.  Sobre ele escreveu Moema Parente Augel:

(...) "Pascoal D’Artagnan Aurigema nasceu em Farim, em 1938, e morreu em  Bissau, em 1991, sem tem conseguido publicar em vida seus poemas, embora  tivesse tido a preocupação de distribuir várias cópias datilografadas de um conjunto deles e ofertado a amigos. Depois de sua morte, foi publicada em Brasília  uma pequena coleção sob o título de Amor e esperança (1994), dentro da coleção  Vozes d’África, e em 1997, em Bissau, com o número cinco da Colecção Kebur,  sob o título Djarama e outros poemas, com 136 páginas e quase oitenta poemas (1996).

A obra de Pascoal D’Artagnan Aurigemma, em seus diferentes aspectos,  pode ilustrar como o escritor, assumindo seu papel social, identifica-se com  seu povo, convencido de sua função como porta-voz e tcholonadur, expressão guineense muito apropriada para designar o mensageiro, o intérprete." (...)
(in: Moema Parente Augel   Vozes que não se calaram. Heroização, ufanismo e guineidade- SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 14, n. 27, p. 13-27, 2º sem.2010)

Tem vários poemas. anteriores e posteriores à independência do seu país,  publicados na  Antologia poética da Guiné-Bissau. Coordenação do Centro Cultural Português em Bissau e da União Nacional dos Artistas e Escritores da Guiné-Bissau. Prefácio de Manuel Ferreira. Lisboa, Editorial Inquérito, 1990. (*)

CANÇÃO DE CRIANÇA

Vento forte
vento norte
lá vem a criança
na sua esp’rança.

Vento forte
vento norte
lá vem a criança 
na sua pujança.

Da tabanca erguida
toda ela de vida
lá vem a criança
na sua embalança.

Lá vem a criança
na sua bonança
lá vem lá vem
saudar alguém.

Lá vem a criança
na sua esp’rança
lá vem a criança
na sua pujança.

Lá vem a criança
na sua bonança
lá vem lá vem
beijar a mãe.

Iha das Galinhas, 1967

PRATO DE FOME

Uma mesa triste onde talher e tudo falta
p’ra vingar fome

Mão de alguém-menino
corre [?] como esqueleto numa tigela de fome.

Alguém-menino
saído dum ventre feliz de parir.

Vida de amor de alguém-menino
talvez sonhando um futuro risonho
como tantas outras vidas sonharam.

Alguém-menino — alma simples
contemplando a certeza da revolução.

Nem pilão pila
colonial vida de pilão vazio.

Bissau, Safim, 1973

In: Antologia poética da Guiné-Bissau. Coordenação do Centro Cultural Português em Bissau e da União Nacional dos Artistas e Escritores da Guiné-Bissau. Prefácio de Manuel Ferreira. Lisboa, Editorial Inquérito, 1990

Fonte: Sítio  Tripov > Guiné-Bissau > Poetas > Pascoal d'Artagnan (com a devida vénia...)

5 comentários:

Luís Graça disse...

Talvez o Albano de Matos nos possa dar mais informações sobre o "making of" desta coltãnea de poesia, "Poilão"...

Por exemplo, quem foi, na realidade, o "editor literário", o coordenador ? Foi o Albano de Matos ou o Aguinaldo Ferreira ? Ou foram ambos ?

Como foram obtidos os originais ? Houve um contacto pessoal com os autores ? Todos os poemas eram inéditos ?

O Albano terá conhecido pessoalmente o Pascoal d'Artagnan, presumo, que trabalhava nas "oficinas navais", em Bissau... Pertenciam à Marinha ?

Ele já seria, em 1973, simpatizante ou mesmo militante do PAIGC ? Qual a sua origem étnica ? Balanta, manjaco, papel, mandinga ?

Sabemos apenas que nasceu em Farim.. Mas viajou pelo país: Catió, Safim, Ilha das Galinhas... O que é que ele faz na Ilha das Galinhas, em 1967 ?

Pelo que eu li dele, ainda muito pouco, parece-me um poeta com fôlego, e na linha da tradição oral africana... com influência talvez do angolano Viriato da Cruz...

Ele deveria ser um autodidata... não ?

Um abraço forte. Luis

Luís Graça disse...

É já agora um poema de 1975. Merece ser divulgado. Tem garra!...É poesia de primeira água!...Em português da Guiné-Bissau!... Não me importava de assinar por baixo!... LG

______________

O CANTOR MISERÁVEL DA NOITE NO CAIS

Eu sou o cantor miserável da noite no cais.

Estão ali
no cais
ansumane beco, infamará, bicinte cabupar, malam seidi, djodge
badiu, batipom cá
estão ali
uma data de anónimos
da noite no cais.

Barco veio: de onde?

Mar salgado saberia contar a história
de um gigante de vapor
que rompeu seu segredo
da Europa para cá.

Estão ali
uma data de anónimos
da noite no cais.

Para quê
aquela gente?

Gente para carrego de sacos fartos
e tantas caixas de whisky and coca-cola and beer
que o mundo galã há-de consumir
em noites diferentes
das noites no cais.

Irmão
eu sou o cantor miserável da noite no cais.

Porque no cais
encontro águas ensaudadas e mansas beijando estacas rogadilhas de
ostras calcárias
de bagres e barbos
de bentanas e esquilões
que menino pescador de cana e linha vai ali pescar.

Porque no cais
encontro o tronco forte do homem qualquer
untado de calor quente rolando corpo abaixo
como gotas de lágrimas amargas
espoliadas dum gesto forte de sofrimento longo.

Porque no cais
encontro a menina penina que não sabe viver para a seriedade
onde mastigaria — gulosa e galantemente —
outro pão de menos veneno.

Porque no cais
encontro o velho camarada que um dia
— levado pelo mar da revolta — tomou rumo naquele vapor tamanhão.
Ali aprendeu ele a abocar bem o cachimbo da esperança
e a dar riso franco ao mundo sórdido.

Porque no cais
encontro o ar erguido altivo e pantomineiro daquele patrão-mór
de olhar agudo e desconfiado
e do interessante fulano de tal
que manobra lindo seu guindaste «made in england»

Porque no cais
encontro migalhados: bicinte cabupar, djodge badiu, ansumane beco,
infamará,
malam seidi, batipom cá
e mais uma data de anónimos da noite no cais.

Barco veio: de onde?

Não interessa saber irmão
não interessa.

Se cais não houvesse
gente anónima não tinha no cais.

Nunca
nunca gente poderia ouvir
a história que mar salgado deveria contar.


Bissau, Plubá
Março de 1975

Antologia poética da Guiné-Bissau. Coordenação do Centro Cultural Português em Bissau e da União Nacional dos Artistas e Escritores da Guiné-Bissau. Prefácio de Manuel Ferreira. Lisboa, Editorial Inquérito, 1990.

Fonte: Cortesia do sítio Triplov

http://www.triplov.com/guinea_bissau/poetas/pascoal_d_artagnan/index.htm

Luís Graça disse...

... "Mãos", belo poema!,,, duro... como as mãos de trabalho... 3º prémio dos Jogos Florais da UDIB, 1972... Quem terá o 1º ? Quem era o júri ?... LG

Luís Graça disse...

Não é obrigatório gostar-se de poesia para se sentar sob o poilão da Tabanca Grande,,, Tal como não é necessário ser-se entendido em poesia pars se gostar, logo à primeira, de um poema tão belo e tão singelo como o "Balantão" (palavra composta de balanta + valentão)... Um a cena de Catió, etrra de valentes balantas, cultivadores de arroz...

Tiro o quico ao Pascoal!

Anónimo disse...

Albano de Matos

29/09/2014


Caro Luís,

Vou redigir e enviar, brevemente, um relato do aparecimento do Caderno de Poesias «POILÃO», com os esclarecimentos às perguntas. .

Albano Mendes de Matos