segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13728: (Ex)citações (238): Água da Bolanha... quem a não bebeu ?! (Mário Pinto, ex-fur mil at art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71)

1. Mensagem do Mário Pinto [ex-fur mil at art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71]

Data: 12 de Outubro de 2014 às 15:46

Assunto: Água da Bolanha quem a não bebeu (*)

Caro Luís Graça

O tema "água da bolanha quem a não bebeu?"  remete para  mais um dos sacrifícios que nós, os ex-combatentes, estávamos sujeitos nas nossas muitas missões pelas matas e bolanhas da Guiné.

No meu sector não era a falta de água que nos afligia, pois existia muita e felizmente em quantidade. o problema é que a maioria dos poços existentes a sul de Mampatá estavam todos minados ou inquinados pelo PAIGC o que limitava o nosso abastecimento quando das nossas deslocações. Era preciso uma atenção redobrada e uma picagem maciça do terreno quando era necessário o seu abastecimento nas nossas missões a sul de Mampatá e não nos podemos esquecer dos famosos comprimidos que nos eram distribuídos para colocar na água inquinada das bolanhas e poços.

Tivemos alguns dissabores na procura do precioso líquido, lembro-me de uma vez o 1.º Cabo Enf Alves que seguia no 4.º Grupo de Combate e que regressava do corredor de Missirã, depois de lá ter permanecido 24 horas ter caído numa mina A/P na nascente de Iroel, já perto de Mampatá, quando procurava abastecer-se devido à sede que apertava.

Eram muitos os perigos que assolavam as NT à procura de saciar a sede, porque dois cantis de água que levávamos à cintura para 24 horas era muito pouco para quem com o calor tórrido da Guiné se desidratava a cada minuto que caminhava sob aquela temperatura de 45º e de uma hostilidade sem piedade para quem não estava habituado àquela intempérie. Nem a rudeza da maioria dos nossos soldados, oriundos do Alentejo e habituados ao sol e ás temperaturas elevadas da sua terra em pleno verão, aguentavam tamanha contrariedade que era a sede.

No mato que eu me lembre fomos sempre deficitários quanto a água excepto no período das chuvas, aí sim havia com fartura ás vezes até em demasia. Existia outra situação que não ajudava nada a nossa necessidade de matar a sede era a ração de combate que nos distribuíam quando saíamos, derivado à sua constituição à base de salgados e doces, o que não admirava a maioria optar por a deixar no aquartelamento e não se alimentar durante a saída.

Uns mais outros nem tanto, mas o certo é que nós todos tivemos a nossa cota parte nas águas das bolanhas.

Um abraço
Mário Pinto (**)
_____________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 12 de outubro de 2014 > Guiné 63/734 - P13722: Fotos à procura de... uma legenda (38): Estrada Nova Lamego-Bafatá, maio de 1970: Fomos à água... Água das Pedras ou da Bolanha ? (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

16 comentários:

manuel carvalho disse...

Meu caro Mário até aqui neste pequeno pormenor das rações de combate vê-mos a qualidade e o bom censo de quem tomava decisões e tinha responsabilidades na condução daquela guerra, era uns a meter a mão à gaveta, eram as injustiças, eram os que mais ganhavam a baldar-se e o Zé pagode a aguentar e bico calado e ainda à quem fale em ganhar aquela guerra eu admiro-me é como aguentamos tanto tempo a sermos tratados como fomos.Que me lembre nunca levei ração de combate para o mato, algumas vezes levei umas latas de leite que havia em chapa e que levavam um litro só que quando abria tinha de beber tudo e eu que detestava leite.Vidas passadas.
Um abraço

Manuel Carvalho

Anónimo disse...

Manuel SERODIO
13 out 2014 10:36

Também eu, meu amigo, também eu. O que dava à água retirada desses buracos um "gostinho de água mineral" era o filtro, (quando havia tempo para filtrar a água), e a "célebre" pastillha LM. A partir daí só faltava o Wisky.

Juvenal Amado disse...

A água da bolanha valeu-me uma desparatização quando vinha no barco e outra passado dois meses após a chegada.
Tratamentos de choque para o estômago e intestinos que me fizeram andar "fininho" por muito tempo.
Quanto à ração de combate também acabei por deixar de a comer embora a trocasse sempre que podia por fruta nas aldeias.

Um abraço

Cesar Dias disse...

No meu grupo, vi algumas vezes dois gargalos no lugar do cantil, não era geral mas havia quem fizesse, alegando que a qualidade da água era duvidosa. Qualquer desculpa servia para uma cervejinha, ainda que quente-

Um abraço
César Dias

Anónimo disse...

Caros camaradas

Confesso que a ração de combate era intragável.

O facto de ser tudo muito salgado tinha razão de ser,necessitávamos de ingerir grandes quantidades de sal (cloreto de sódio)porque o perdemos pelo suor.

Só que isso implicava também ingerir grandes quantidades de água..e onde é que a encontrávamos..levando grandes quantidades implicava maior esforço..o que nos levava a suar mais..o que..."puta que pariu".

Em Timor em 2000 os nossos "páras" tinham "ar condicionado" nas tendas...não riam..era mesmo "ar condicionado".

Eu comi, em Timor, rações de combate made in usa, que eram uma maravilha...comia-se de tudo..pizas..hamburgueres..lasanhas..etc.e tudo aquecido.
Aquilo vinha em sacos próprios, e por um processo químico,era previamente aquecido,bastava esperar 5 minutos depois de carregar lá num sitio e quando se abria o saco aquilo até fumegava.
Julgo que hoje ainda será melhor.

Outros tempos..outras guerras

C.Martins

Cherno Balde disse...

Caros amigos,

Esta agua de bolanha de cor de leite e sabor ligeiramente adocicado era muito utilizada e, de certa forma, bem apreciada pelas populacoes nativas que eram obrigadas a passar a maior parte do tempo no mato (nos campos de lavoura, guarda do gado ou nos trabalhos da bolanha).

No entanto ela bem podia ser apelidada de agua assassina, pelos graves prejuizos que causou e ainda continua a causar na saude dos Guineenses.

Para quem nao saiba, informo que uma grande proporcao dos doentes que, atraves das Juntas medicas, procuram tratamento especializado no exterior, sobretudo para Portugal tem a ver com doencas dos rins e muitos acabam por ficar, porque nao temos no pais condicoes para a necessaria hemodialise que o sangue precisa com regularidade para sua purificacao.

Em recentes analises de sangue que eu mesmo realizei, por razoes profissionais, informaram-me que tenho uma elevada concentracao de Creatinina, que eh uma amostra de possiveis problemas de rins devido a acumulacao de impurezas.

Felizmente, para mim, nao ha muitos motivos para alarme, pois que ja ultrapassei a casa dos 50 que eh o limite maximo da esperanca de vida de um Guineense.

Ao pessoal da Ajuda-Amiga quero alertar que sendo importante a criacao dos pocos melhorados de agua potavel para melhorar as condicoes de saude das populacoes, nao eh menos importante a qualidade da mesma, pois se nao for "bebivel" (Iagu Sabi), o mais provavel eh que seja abandonado pelas mesmas populacoes que, aparentemente, careciam da mesma. Para o Guineense a agua tem que ser "Iagu sabi" com um gusto especial para os seus paladares.

Com um abraco amigo,

Cherno Balde



Antº Rosinha disse...

C. Martins, oficial ou Mário Pinto, sargento, pergunto se as rações de combate eram pagas e descontadas no pré/ordenado.

É que em Angola, quando na minha guerra 61/63, começou, não havia essas rações, pelo menos para a tropa como eu, de incorporação de lá.

Mas já no fim ainda as apanhei, mas custavam algum dinheiro que nos era descontado no ordenado de furriel, mas também aos soldados.

Mas havia uma compensação de uma ajuda de custo por cada dia de patrulha que dava para pagar a ração.

Será que estou a sonhar ou cacimbado?

Tenho uma lembrança de rejeitar a ração para poder auferir a ajuda de custo líquida no fim do mês.

Mas em Angola os recursos da natureza e o inimigo até deixavam cozinhar uma boa funjada com moamba, ou um churrasco de galinha ou caça à beira de um rio.

Tem ainda que nunca fiz qualquer patrulha maior que uma secção de 7,8 ou nove pessoas.

E como eu era o comandante entregava o comando ao melhor cabo ou soldado que falasse a língua da região.

Mas ração mesmo lembro-me que apenas usei uma para provar.

Será que na Guiné essas rações tinham algum custo para o consumidor?

Anónimo disse...

abilio duarte
13 out 2014 16:32

Olá Luis,
Eu levava sempre dois cantis de água, embrulhados em meias , encharcadas, para que não ficasse demasiada quente.
Felizmente mesmo nas operações, de mais de 4 noites e cinco dias dias, que foi a maior que tive, junto ao rio Corubal, onde estivemos, todo aquele tempo, consegui sempre racionar a minha água, para evitar, os sacrifícios e desventuras, que tu contas.
Abraços.

Anónimo disse...

Caro Cherno

A água potável na Guiné é quase toda de má qualidade..é ácida e ferrosa devido à composição do solo onde estão os lençois freáticos.

Sobre o aumento da creatinina quer apenas dizer que o rim funciona mal, e se estiver muito alta revela que o rim entrou em insuficiência.

Quais os motivos ? São múltiplos.

Seria exaustivo enumerá-los,mas a água pode ser um deles.

Mas há muito mais..por exemplo.. são quase todos anémicos para os padrões europeus..onde por exemplo quem tenha uma hemoglobina inferior a 8 mg /dl..é mandatório uma transfusão...a média na Guiné é 4..e andam porreirinhos..pelo simples facto de que o organismo se adapta.

A alimentação e principalmente as doenças tropicais são as principais causas.

ab

C.Martins

Anónimo disse...

Caro colon Rosinha

Pagar as "rações de combate" ???''

Para além do que já sofríamos..só faltava mais isso.

Meu caro, eram fornecidas a todos ..soldados e graduados, quando se deslocavam para o mato.

Muitas vezes era o recurso que tínhamos, mesmo nos aquartelamentos,quando não havia mais nada para comer..e olha que não sucedeu tão poucas vezes.

Um alfa bravo

C.Martins

Juvenal Amado disse...

Rosinha

Talvez fosse desarranchado. E assim sendo, teria que pagar do seu bolso as refeições uma vez que os desarranchados, recebiam subsidio para a alimentação fora dos quartéis.
Seria esse o seu caso?

Antº Rosinha disse...

Juvenal, negativo, estava em campanha numa companhia isolada na Zona Leste tipo cús de judas não tão longe como o Cazombo de Lobo Antunes mas também na zona Leste.

Até cheguei a ser vago-mestre porque substituí provisoriamente o vago-mestre que foi apanhado a furtar e punido e eu mesmo que cheguei a distribuir as rações.

Também estava dentro de arame farpado que eu mesmo trabalhei nessa tarefa.

Talvez por ser tropa africana houvesse outro estatuto.

Pois inclusive sei que nem tínhamos acesso à Manutenção Militar, abastecíamo-nos in loco.

Mas vou concretizar com antigos colegas. A memória pode falhar.

Obrigado

Antº Rosinha disse...

Juvenal, negativo, estava em campanha numa companhia isolada na Zona Leste tipo cús de judas não tão longe como o Cazombo de Lobo Antunes mas também na zona Leste.

Até cheguei a ser vago-mestre porque substituí provisoriamente o vago-mestre que foi apanhado a furtar e punido e eu mesmo que cheguei a distribuir as rações.

Também estava dentro de arame farpado que eu mesmo trabalhei nessa tarefa.

Talvez por ser tropa africana houvesse outro estatuto.

Pois inclusive sei que nem tínhamos acesso à Manutenção Militar, abastecíamo-nos in loco.

Mas vou concretizar com antigos colegas. A memória pode falhar.

Obrigado

Valdemar Silva disse...

Julgo que na Guiné, todo o território era considerado zona de combate, ninguém pagava nada pelas rações de combate, quando havia necessidade das operações serem para além de um dia. O pior era quando o regresso coincidia com horas das refeições no quartel e o vago-mestre ficava confuso: para comer do rancho tinha que devolver a ração que já tinha 'marchado'. Isto para o pessoal da metrópole, os africanos eram desarranchados.
As latas de leite com cacau e as conservas de sardinha não eram más de todo.
Na CART11, em que a maior dos soldados eram fulas muçulmanos, havia sempre grandes trocas dos 'comes', pois eles não comiam chouriço e até diziam que o queijo era de leite de porca e trocavam tudo por sardinhas e latas de leite/cacau.
Um abraço
Valdemar Queiroz

mario gualter rodrigues pinto disse...

Caro
António Rosinha

Que me conste na Guiné as rações de combate eram fornecidas gratuitamente. Havia muitas injustiças e quem conseguiu alerpar muita coisa à nossa custa, mas essa pelo menos que eu tenha conhecimento, não consta nos anais do gamanço...........

Um abraço a todos

Mário Pinto

José Marcelino Martins disse...

Nunca paguei qualquer ração de combate.
Porém, como a minha companhia era da guarnição normal, a maioria dos africanos eram desarranchados e, quando iam para operações, cobravam-lhes o custo da mesma, que era superior ao montante abonado para a alimentação.
Quando detectaram esse facto, deixaram de levantar as rações de combate, e passaram a levar cabaças com arroz, para se alimentarem.