quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13780: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (13): Em Castela-e-Leão, para me prostrar em duas catedrais assombrosas

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Outubro de 2014:

Queridos amigos,
A magnificência destas catedrais não faz perder de vista como a nossa história tem aqui as suas raízes, há que regressar para visitar Segóvia e Ávila, Salamanca e Valhadolid.
As catedrais de Burgos e Leão são muitíssimo diferentes, Burgos é o fausto extremo, a opulência com marcas de muito bom gosto; León é o somatório de um espaço airoso que aloja quilómetros de vitrais, estão entre os mais belos da humanidade.
Senti-me compensado e decidido a regressar aos solos dos avós de Portugal.

Um abraço do
Mário


Biblioteca em férias (13) 

Em Castela-e-Leão, para me prostrar em duas catedrais assombrosas

Beja Santos

Sai-se de Logroño, já não há mais o Ebro, depois de Miranda de Ebro, vamos a caminho da região mais extensa da União Europeia, Castela e León, um pouco maior que Portugal, aqui o Douro pontifica, pela via ferroviária avistam-se cordilheiras ao fundo, aos poucos a vegetação torna-se rala, sigo para Burgos, mas depois do que li e das imagens que vi iria com igual vontade até Ávila, Salamanca, Segóvia ou Valhadolid, referências incontornáveis da nossa História, por aqui andaram reis e príncipes e diplomatas portugueses a fazer tratados ou a preparar casamentos. Paciência, tudo tem o seu tempo. Aqui começou a Espanha, aqui houve as capitais que antecederam a Madrid, aqui se erguem as inconfundíveis e gigantescas catedrais de Burgos e León, móbil desta visita. Zamora já conhecia, quando fui visitar a Miranda do Douro o Abel Rodrigues, da CCAÇ 12, com quem convivi e fiz estima em Bambadinca, levou-me a Zamora expressamente para visitar a catedral e as faustosas tapeçarias flamengas. A estação ferroviária fica a alguma distância de Burgos, impôs-se uma viagem de táxi, arrumei os pertences e ala que se faz tarde, a partir de agora a cidade está por minha conta, amanhã de manhã, por inteiro, será a visita da catedral. Começo pelo passeio de Espolón, virei à esquerda depois de passar pelo monumento ao Cid, cujos restos mortais e os de Jimena, estão debaixo da fabulosa abóbada da catedral. E paro no Arco de Santa Maria, vou aproveitar a última luz para ficar com a sua imagem.


Dizem os livros que é o arco mais bonito da cidade, encerra um salão de exposições e um museu de farmácia. No seu interior, que contém excelente artesanato e estuques mudéjares, esteve instalado o Concelho de Burgos até ao século XVIII. E parti para a catedral, àquela hora começava um concerto na Plaza Mayor, fui pelas ruas laterais, as paredes gigantescas da catedral estão à mostra, já sei que amanhã vou entrar pela Porta Real ou do Perdão, com o seu magnífico frontão, um conjunto flanqueado por altas torres que terminam em agulhas finas. Estou embasbacado, é pesado e leve, é denso e diáfano, é desmesurado e íntimo.


Desculpem a imagem atabalhoada, cortei uma das agulhas, trata-se de uma porta lateral, não é a Porta Real, não posso perder tempo, está cada vez mais escuro, vou circundar a ver se apanho uma outra boa imagem.


O templo religioso, Património da Humanidade desde 1984, é simétrico, ao longo dos séculos evolui-se do gótico para o plateresco, enxertaram-se capelas, abriram-se e fecharam-se portas. Gostei muito desta torre, confrontada com património urbano civil, não sei porquê lembrei-me da Sé de Braga, associação disparatada, não faz mal, esta imponência a caminho dos céus será a última imagem do dia. Mas não foi, vi ali ao pé uma fonte, devia ter matado a sede a muito peregrino, ao longo dos séculos, ainda estamos na rota para Santiago, gosto muito da rusticidade das figuras:


Esta fonte poligonal atraiu-me pela conjugação feliz com o tardo-gótico como pano de fundo. Não há turistas, a esta hora devem estar a encaminhar-se para os comedouros, aqui pontifica a morcela de arroz, também estou interessado em prová-la.


Venho com o tempo contado, há ainda que tomar um táxi até à estação, o comboio para Leão parte às 13h30, antes de entrar pela Porta Real cirandei e captei este ângulo das torres, são imponentes de onde quer que se avistem. E agora vou encafuar-me no tesouro mais valioso de Burgos.


Não fosse eu um tosco fotógrafo amador e teria captado esta extraordinária cúpula, um dos pontos fundamentais da visita. Se acaso o leitor acreditar no que lhe digo é certo e seguro que numa das suas próximas saídas virá até aqui. Por fora, já se viu que este maciço é flanqueado por altas torres, por dentro este edifício gótico tem por base a cruz latina, de nave transversal e três longitudinais e dezanove capelas, um cadeiral soberbo que tem o grave senão de cortar a perspetiva ao viandante que se posiciona na entrada e que supõe que toda aquela majestade só ganharia com o absoluto desafogo, são assim as coisas da ostentação. É pena não poder registar imagens, esta velha câmara tem o flash proibido. Já me deliciei com o “Papa-moscas”, personagens do mecanismo de relojoaria, depois entrei no golfão dos sepulcros, retábulos, dentro e fora das capelas, sentei-me extasiado na capela do Contestável, dedicada a Pedro Fernández de Velasco, Condestável de Castela, detive-me na Escadaria Dourada e bem estiquei o pescoço para ver se não perdia detalhe da abóbada com a estrela de oito bicos, filigrana em pedra nunca vi assim. Está na hora de partir, saí zonzo de tanto esplendor e antes de rumar para o hotel apanhei esta igreja ali ao lado, parece que íamos ter cerimónia:


Lembrou-me uma igreja italiana que vi em Florença, mas o que me impressionou foi estar ali bem pertinho da catedral e ter esta escadaria boa para penitentes, apropriada para quem vai pedir perdão. Adeus Burgos, hasta la próxima…


Não guardei impressão da viagem, seguramente que dormitei, tal o peso das emoções. Sei muito bem que saí da estação de Leão e encaminhei-me para o objetivo por uma avenida monumental, era uma tarde aprazível, a temperatura tem vindo ligeiramente a arrefecer. Fiz ao auto na Casa de Botines, ela aqui está, obra modernista do genial Antonio Gaudí, felizmente que não vinha distraído e sabia da existência desta joia arquitetónica. Desculpem a imagem não estar bem centrada, não há muito a esperar deste fotógrafo remendão, mas confessem que o Gaudí está sempre a pregar partidas.


Quando se fala da catedral de Leão a primeira referência vai para os 1800 metros quadrados, só tem rival com Chartres, perto de Paris. É uma injustiça não elogiar a sumptuosa fachada, aquelas torres que encimam as três entradas, uma delas corta a respiração, é um rendilhado de pedra, não sei porquê ocorreu-me pensar no Pórtico da Glória, em Compostela, os fiéis ficam pequeninos com o arrojo destes escopos e cinzéis que bordaram a entada principal. Felizmente que não há dezanove capelas para visitar, como em Burgos, só os vitrais dão imenso trabalho, sai-se daqui com a alma atestada, vou tirar as últimas fotografias, e despedir-me de Leão e da sua catedral, foi visita de médico.


Surpreende as tonalidades da pedra, o perceber-se sem qualquer dificuldade que há aqui diferentes intervenções ao longo dos séculos, deve ser um mistério bem guardado como esta grandiosidade de pedra, que terá custado uma fortuna na época foi feita em tempo recorde, coisa da fé dos homens. E antes de virar as costas a esta construção tão delicada e à imersão no banho de vitrais, não resisti a mais um pormenor escultórico desta faustosa entrada da catedral:


Simulei que tinha dons para regressar ao passado, supus que era assim que o crente medieval olhava a bíblia de pedra e entrava reconfortado no tempo. Mesmo que tenha suposto erradamente, esta obra-prima é um documento de fé empolgante. E digo adeus a Leão, sigo para a província de Lugo, vou até Monforte de Lemos, e de lá parto para Vigo. Depois conto.
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13738: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (12): Viagens pelo Norte de Espanha: Em Logroño, e já a pensar nas catedrais de Burgos e León

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