sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13856 Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (35): O Manuel Simões, de Judgudul, e os Africanistas à portuguesa... Ser africanista é um estado de espírito, e não precisa de andar com "os pretinhos ao colo".

1. Mensagem de Antº Rosinha (o único grã-tabanqueiro que tem direito a abreviatura do nome, Antº, é um traço de distinção por, à boa maneira africana, ele um dos nossos "mais velhos", quer dizer, com mais experiência, mundo e sabedoria; na nossa Tabanca Grande, respeitam-se os mais velhos, mesmo quando aqui e ali podemos discordar das suas opiniões e conselhos; pessoalmente, é um camarada por quem nutro afeto e respeito, embora só o tenha encontrado uma vez, no II Encontro Nacional da Tabanca Grande, em Pombal, em 2007) [, foto à esquerda, tirada por LG]



Data: 5 de Novembro de 2014 às 14:24
Assunto: Manuel Simões de Judgudul e os Africanistas à portuguesa (*)


Amigo Luís Graça, sobre o poste em referência [P13821] (*)  penso que devo um pequeno  esclarecimento.

Em primeiro lugar, queria dizer que as dúvidas quanto à construção da estrada Jugudul- Bambadinca, actual, não é do tempo colonial, é de 1982/3, com uma empresa, lembro-me que seria  francesa, com financiamentos habituais daquele tempo, Banco Mundial, Árabes, CEE,  etc.

Sobre o que o Luís Graça comenta sobre a minha «boca» ao chamar " africanista à portuguesa" a Manuel Simões, que representa a imagem de muitos milhares que durante séculos embarcaram para África e esqueceram  a terra deles ou dos pais e avós, penso com toda a sinceridade que não há palavra mais apropriada para eles do que chamar-lhe «africanistas».

Há aquela ideia dos exploradores ingleses, portugueses como Serpa Pinto ou Cecil Rodes, (Brancos) enviados como estudiosos para o  interior de África, ou militares para expandir fronteiras, e regressavam às metrópoles com a imagem,  aquela imagem vestidos à safari, caqui e capacete de cortiça, atribuindo-se a eles  vagamente essa palavra «africanistas».

Também a missionários ou estudiosos (brancos) de línguas e costumes africanos também se lhes atribui o nome de africanistas.

Porque não se deveria ter chamado a estes geógrafos uns, geólogos outros, missionários que estudavam dialectos, simplesmente, chamarem-se «africanólogos»?

Também  serão africanistas aqueles funcionários que fazem comissões atraz de comissões em África, através de ONG e ONU, ajudando "aquele pobre povo", como dizem,  comovidos, que os colonialistas exploraram.

(E nessa ordem de ideias ainda teremos um dia  que chamar «europeistas» aos inúmeros africanos que "estudam" muitíssimo bem todos os europeus e estudam e praticam todos os seus hábitos e suas línguas.? E num momento em que os africanos avançam para a «Europa e em força» por Melila e Lampedusa, qualquer dia até lhe chamaremos  de colonialistas  e invasores? Quem sabe, um dia?)

Alguém  considerar-se africanista, ou colonialista, ou emigrante em África, penso que é mais um estado de espírito, do que aquilo que alguém o queira classificar.

Para um branco ser um grande africanista à portuguesa  não era obrigatório dormir numa esteira, (quirintim) e encher a casa de crianças mulatas,  mas também ajudava.

Os milhões de brancos que emigraram ou nasceram em África durante séculos, e optaram por qualquer circunstância  adoptar África como sua terra (forçados pela família em criança, deportação,  dificuldades económicas para regressar, boa  adaptabilidade climática ou vida social muito bonita e fácil) se esqueceram das terras de origem, jamais será correto dizer que se trata de um colonialista, ou mesmo emigrante.

Sejam portugueses, boers da África do Sul ou rodesianos (Zimbabué), esses brancos, não podem ser considerados simples colonialistas, antes pelo contrário, eram antes, grandes africanistas.

Casos como na Guiné, Manuel Simões, Luandino Vieira em Luanda, Mia Couto em Moçambique, para vincar bem a minha ideia,  mais do que guineense, ou angolano ou moçambicano, intimamente estes brancos sentem-se africanos.

Ora quem se sente africano e não tem carapinha,  não pode deixar de ser um perfeito  africanista, mesmo que os " Mugabes"  não os considerem  africanos.

E quem é europeísta? Será que pelo facto de os turcos e israelitas insulares como os gregos e cipriotas e peninsulares como  íberos e ítalos, pelo facto de entrarmos na taça dos campeões europeus, somos europeus? Ou europeístas apenas?

Ora quem se sente europeu tem que ser europeísta, mesmo que os Napoleões e os Hitleres não  considerem como europeus muito loiros, os insulares  peninsulares do sul e outros vizinhos.

No entanto há brancos que viveram a vida em África e nunca tiveram o mínimo sentimento de africanista, e outros brancos que em menos de um ano se tornam, ainda hoje, genuínos africanistas.

Ser africanista é um estado de espírito, e não precisa de andar com "os pretinhos ao colo".  Nem deve!

Quando no 25 de Abril vieram para Portugal os retornados,  poucos  tínhamos espírito  africanista, mesmo os que estávamos há muitos anos em África, porque a maioria era funcionário público, mais tarde "trabalhador da Função Pública", e estávamos só à espera da reforma para regressar para a terra dos brancos, «a minha terrinha»

Aqueles que na realidade se sentiam africanistas, não aceitavam um dia repor a gravata e as ceroulas  e tornar a "enclausurar-se" nestes pequenos e limitados espaços da idade média, as nossas aldeias,  e largar aqueles espaços abertos, embora  da idade do ferro.

Infelizmente a maioria destes africanistas perderam a vez na terra que tinham adoptado como sua.

No caso dos portugueses, os genuínos africanistas e seus descendentes foram muito incomodados em África e recebidos com muitas reservas em Portugal, quando vieram com os retornados.

A maioria dos africanistas,  em idade de reprodução, desapareceram para o Brasil, EUA, Canadá e França.

Falam muito mal dos portugueses, e têm, tal como os actuais dirigentes africanos das nossas ex-colónias,  que tomaram conta "dos seus destinos", pouca consideração por nós.

Claro que têm motivos diferentes para criticarem o tuga, mas de qualquer maneira, sempre que tenham que fugir de onde estão,  recebemo-los  de braços abertos.

Uma curiosidade sobre os africanistas à portuguesa, não foi só nas ex-colónias portuguesas que se instalaram inúmeros portugueses.

No ex-Congo Belga foram tantos os portugueses que permaneceram após a fuga total dos Belgas em 1960, que protegidos pelas populações e que se foram entendendo com aqueles que tomaram "conta dos seus destinos", que foi possível o comércio de distribuição não desaparecer completamente, e evitar alguma fome.

Os africanistas à portuguesa levaram séculos a ajudar a construir os PALOP que sobraram.

Acontece que alguns dirigentes desses países não escondem grande desgosto por esses africanistas não tenham sido outros um pouco mais "loiros".

Os dirigentes africanos,  em geral,  não gostam de africanistas, detestam.

Isto é uma regra, e com todas as regras têm uma excepção, apareceu Mandela.

Como português, tenho a maior admiração pelos africanistas como Manuel Simões.(**)

Cumprimentos,

Antº Rosinha

__________________


(...) Luís Graça disse...

Confesso que tenho um certo fascínio por homens como este, "africanistas", como diz o Rosinha... Não sei se o termo não será pejorativo e sobretudo inapropriado...

Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, o/a africanista (substantivo com 2 géneros) é “a pessoa que se dedica à exploração ou estudo da África”.

Presume-se que venha de outras paragens, de outros continentes, a Europa, por exemplo, que foi a grande potência “colonizadora” desde os finais do séc. XIX até à emergência dos nossos estados africanos.

Nesse sentido, o “africanismo” antecederia o “colonialismo”: como se costuma dizer, primeiro vem o explorador, depois o antropólogo, depois o missionário, e depois a tropa, o administrador, o cobrador do imposto de palhota e, por fim, o o comerciante (porque sem dinheiro não há economia monetarizada)...

Mas talvez o Rosinha queira dizer, com o termo africanista (não confundir com panafricanista. que tem um outro sentido, mais filosófico e político…) aquele (em geral branco…) que se considera nascido e crescido em África, ou que tenha vivido e trabalhado em África, ou que muito simplesmente ama a África, as suas paisagens, as suas gentes, as suas culturas… sem ter que ser um “colon”.

Nesta acepção, mais lata, somos todos, aqui, "africanistas"...

Manuel Simões, africanista ? Antes de mais, era português e guineense, nascido em Bolama, com costela beirã, do lado do pai, e provavelmente caboverdiana, do lado da mãe...  E, não menos importante, sobreviveu quer ao “colonialismo” quer ao “paigecismo” (, nas suas várias versões cabralismo, ninismo, etc.)…

Deixou muitos amigos e conhecidos, lá e cá, a começar pela nossa Tabanca Grande.  Tenho pena que não tenha deixado escrito um "manual de sobrevivência"... Ele atravessou dois séculos (1941-2014), "prenhes” de história e de histórias... LG

3 comentários:

Anónimo disse...

António Rosinha

Perfeitamente de acordo.
Só acrescentaria que o "africanista" não se confinava (normalmente) à vida nas grandes cidades (onde as havia, claro).
Abraço
Alberto Branquinho

Torcato Mendonca disse...

Caro Antº Rosinha,

Li, como sempre faço, o que escrevestes.
Vou reler para aprender algo mais e, caro amigo, gostei do que li...foram muitos anos de África e #não é preciso andar com os pretinhos ao colo#...Gostei.
Agora a relação Europa/África dava sacadas de horas de conversa. Vidas...

Abraço, Torcato

Anónimo disse...

Caríssimo "colon" A.Rosinha


Adorei ler..entendo, compreendo, e estou completamente de acordo.

Escreveu o " saber de experiência feito".

C.Martins