quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P13972: Memórias de Gabú (José Saúde) (46): A minha máquina fotográfica Olympus. Obrigado pelas tuas imagens


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mis uma mensagem desta sua fabulosa série.

As minhas memórias de Gabu 

A minha máquina fotográfica Olympus
Obrigado pelas tuas imagens 

Camaradas,

Olho, hoje, para ti e relembro os momentos em que foste, para mim, uma insofismável companheira! Comprei-te numa loja de libaneses, em Nova Lamego. A aquisição baseou-se, essencialmente, sobre uma carência pressupostamente sentida quando ostentava, ainda, a alcunha de piriquito. Optei, no ato da compra, pela marca que já conhecia e fiz menção que o seu manuseamento fosse o mais simples possível. Vislumbrava no horizonte que poderias, em momentos crucias, debitares imagens capitais para mais tarde recordar.

Seguias viagem no bolso do camuflado e a tua humilde ação apresentou-se, a espaços, importante para a reposição de reproduções que nos leva a viajar nas asas do vento e trazer à memória pedaços de indeléveis recordações. O seu aspeto simples, e de mecânica sumária, jamais me deu o mínimo de problemas ou/e de preocupações. Ou seja, a minha Olympus era uma máquina divinal. Não recordo o seu custo exato. Talvez uns quinhentos ou setecentos e cinquenta pesos.

Afirmo, por outro lado, que a generalidade dos documentos visualizados nesta obra, tiveram como base aquele pequeno brinquedo que teimosamente acostou junto a este antigo combatente - sem nome - que prestou serviço militar em território da Guiné.

O clique não obedecia a cuidados antecipados. A visualização do objetivo não apresentava dificuldades pré concebidas. Colocava a máquina na posição de automática e saía, normalmente, uma imagem de se lhe tirar o chapéu. Com ela, a minha Olympus, recolhi pormenores de gentes que viviam no meio de duas frentes de guerra que impunham leis horrendas no terreno.

Recolhi imagens de crianças que muito cedo se habituaram a ouvir os sons horripilantes das armas de fogo que serviam simplesmente para matar outros homens considerados inimigos. Imagens de homens e de mulheres grandes que serviam, por vezes, de fúteis objetos. Em prol da sobrevivência tudo se aceitavam.

A guerra, a tal maldita guerra, traçava horizontes deveras débeis. Melhor, medonhos. Gentes que caminhavam para o campo com uma aparente ligeireza. Pareciam conhecer, e bem, os trilhos do medo. E tudo se conjugava numa irreverente certeza: a população era um alvo apetecível para as duas frentes de guerra. E o povo sabia que eram seres importantes num xadrez de incertezas. 

A minha Olympus acumulava, pausadamente, registos que nos fazem recuar no tempo e trazer à estampa nacos de memórias inesquecíveis. Fomos combatentes na Guiné. Convivemos, no meu caso, com a guerra e a paz. Conhecemos o odor da desgraça.

Vimos companheiros perderem a vida em plena juventude em defesa de interesses alheios. Estropiados que sempre reclamaram uma maior justiça social. Outros que ainda coabitam com traumas psíquicos de um conflito que lhes quebrou uma vida saudável. Outros que tentam passar imunes a problemas mentais que sistematicamente lhes causam problemas no seio familiar ou na comunidade.

Enfim, um rol de aromas nauseabundas de um tempo sem tempo que desafiou gerações transversais e que nos obrigou a combater num conflito sem rumo. 

Para a minha Olympus, que continuo a guardar devotamente no baú da saudade, vai o meu muito obrigado. 


Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: 

2 comentários:

Anónimo disse...

Esta maquina fotografica triplicava o numero de fotos consoante o rolo que era usado. Tirei umas fotos com uma maquina igual emprestada pelo Irineu Lopes aquando da minha passagem por Nhacra.

Vasco ferreira

Campelo de Sousa disse...

Caramba ! isto é que é saber escrever ! parabens José Saude.

Eu tambem estive em Nova Lamego, em 1971/1972, e não sei porque razão nunca me deu para escrever (Gabu), são feitios.

Durante a minha permanencia em Nova Lamego apenas assisti a treques ataques:

Um, estavamos todos no cinema quando o ataque começou deviam ser umas 21 ou 22 horas, ainda tenho o bilhete.
Nome no Bilhete: Cine Desportivo Gabú, nº 2135, Superior, Fila G nº 8 Preço 10 pesos.
Grande aflição tas a imaginar, não se ver a porta de saída, já que a luz foi imediatamente desliga em toda a cidade.
Segundo ataque foi apenas dirigido ao aeroprto.
Terceiro ataque também á noite, este tenho uma grande parte dele gravado em cassete, eu estava de serviço nessa noite.
De resto, não me posso queixar, antes pelo contrario, mesmo depois de ter apanhado o paludismo 3 vezes, uma em Bissau, outra em bafatá e outra em Nova Lamego, fui um felizardo.
Era Radiotelegrafista, já enviei para o blog 2 fotos com todos os radiotelegrafistas que na epoca prestavam serviço nesse posto de rádio, mas do blog recebi a mensagem de que não podiam postar nem publicar essas 2 foto, que tera de mandar 10, na altura achei uma falta de respeito muito grande para com todos esses radiotelegrafistas, mas hoje, a neura já me passou.

Não sei se em 1973 o Posto de Rádio ainda se mantinha fora da área do quartel !
Conserva essa reliquia da Olimpus eu tambem tenho duas.
Um abraço,
Campelo de Sousa
Ex.Rad.Telg. 1971/1972 Nova Lamego.