sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14013: Notas de leitura (656): “Tributo de Sangue”, escrito pelo Tenente António da Silva Loureiro, Edição a propósito da I Exposição Colonial Portuguesa, 1934 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Abril de 2014:

Queridos amigos,
É vasta a bibliografia sobre as campanhas militares da ocupação da Guiné.
Este trabalho do Tenente Silva Loureiro, que apareceu na primeira Exposição Colonial Portuguesa, que decorreu no Porto em 1934, é seguramente o primeiro dessa longa fila.
Recorde-se que só depois é que a Agência Geral das Colónias publicou os documentos então inéditos de João Teixeira Pinto sobre as suas campanhas.
Este “Tributo de Sangue” é minucioso, temos que reconhecer que o autor o terá elaborado com acesso a poucas fontes de informação. A linha dominante é a exaltação por esse mesmo derrame de sangue, e há uma compostura e uma dignidade no tratamento dos revoltosos que só é possível nos combatentes que deram o peito nas batalhas.

Um abraço do
Mário


Tributo de sangue: Registo das campanhas para a ocupação da Guiné

Beja Santosexposiç

Isto de andar a surfar nos sites onde se vendem livros leva muitas vezes a descobertas auspiciosas. Por puro acaso, descobri que havia um “Tributo de Sangue”, escrito pelo Tenente António da Silva Loureiro, Edição a propósito da I Exposição Colonial Portuguesa, 1934. Não há para ali novidades retumbantes, René Pélissier já fizera um levantamento exaustivo que dava para perceber que até 1936 a paz e a ordem na Guiné eram pura ficção.

O Tenente Silva Loureiro age como um cronista, aqui e acolá releva o que julga relevante, nunca omite que não esmiuça mais por falta de documentação. Aliás, diz logo à cabeça: “O que foi a Guiné até 1842 não o sabemos por falta de elementos”. E desencadeia assim as hostilidades: “Principia a história militar da Guiné por um vulto que desempenhou um papel preponderante na defesa da colónia: foi Honório Pereira Barreto, oficial de artilharia. Este oficial celebrou em 21 de dezembro de 1843, como governador de distrito, um contrato com o rei de Banhune, Saugo-Dogu, residente em Bissary, na margem direita do rio Casamansa, para a cedência ao Governo português de todo este território. Em 29 do mesmo mês e ano, o referido governador celebra com o gentio de Boro e Cabono, aldeia de Banhunes, na margem esquerda do rio Casamansa, um outro contrato para a cedência dos seus terrenos pela quantia de 50 mil reis. E até 1855 a vida da colónia decorreu pacatamente, parecendo que, no entretanto, se preparava para o período agitado em que bem brevemente a vamos encontrar”.

Enumera caudalosamente insurreições, sublevações, tratados de paz, negociações espúrias. Logo em 1871 regista a sublevação de Cacheu que originou uma expedição composta por Forças de Caçadores n.º 1 (um batalhão) e marinheiros da armada real, que efetuou um ataque à povoação destruindo-a totalmente. Em 1879, foi celebrado um tratado de cessão do território ocupado pelos Felupes de Jafunco à Nação Portuguesa. Em 1880, foi celebrado um tratado de paz na povoação de Buba, entre os régulos Beafadas e o Governo. No ano seguinte, foi ampliando o tratado feito em 1856 entre o Governo e os chefes Beafadas de Guinala e Beduk, na margem direito do rio Grande. Em fevereiro desse ano, Fulas atacam a praça de Buba, ataque repelido. Em julho, é celebrado um novo tratado de paz entre o Governo e os régulos Fula-Forros e Futa-Fulas do Forreá. Em julho e agosto de 1882, as tabancas de Mamadi Paté sublevam-se em Buba, e no ano seguinte os Fulas Pretos capitaneados por Dansá, aprisionaram em São Belchior do Geba todos os indígenas cristãos e reduziram a cinzas todas as suas casas. Segue-se o comportamento extraordinário do Alferes Francisco Marque Geraldes que praticamente sozinho se meteu a caminho e foi recuperar os indígenas cristãos.

Entrou-se numa época de tumultos ininterruptos, convém não esquecer que se caminha para a conferência de Berlim e que comerciantes franceses, com a anuência das suas autoridades, tudo fazem para subverter as regras de entendimento entre as autoridades indígenas e as portuguesas. Mussá Molo é uma das principais figuras da agitação, procura pôr a região Leste a ferro e fogo. O Tenente Marques Geraldes, chefe do presidio de Geba, ataca as tabancas do régulo Mussá Molo e arrasa-as. Por atos de bravura, Marques Geraldes é promovido a capitão. Enfim, não há um só ano sem sinais de desobediências, insurreições, rebeliões.

Em 1891, a ilha de Bissau começou a dar sinais de revolta, em breve chegarão os motins, assassinatos, viver-se-á numa atmosfera completamente descontrolada, e o Tenente Silva Loureiro escreve: “Foram terríveis os dias 3 e 19 de março, e 19 de abril, houve que suportar combates com um gentio bem armado e em número cem vezes maior”.

O pior estava para vir. Em 1907, o régulo do Cuor, supondo que tinha fortalecido alianças com régulos vizinhos, impede a navegabilidade do Geba, o comércio fica paralisado, será necessário encontrar uma resposta dispendiosa, virão tropas da metrópole e de Moçambique, a campanha contra o rebelde Infali Soncó é o grande acontecimento de 1908, nunca o Leste da Guiné vira tantos soldados brancos. O acontecimento relevante posterior foram as campanhas do Capitão João Teixeira Pinto, aqui já largamente documentadas, há que reconhecer que o Tenente Silva Loureiro não esconde a faceta de heroísmo e bravura do pacificador.

Em 1925, os indígenas da ilha Canhabaque davam sinais manifestos de rebelião. Há descrições elucidativas: “Ao aproximar-se a coluna da tabanca de Juliana desencadeou-se forte peleja. Depois de renhida fuzilaria, foi a tabanca assaltada, mas quando caiu nas nossas mãos não era mais que um enorme braseiro. Neste ataque estiveram empenhadas 800 espingardas, 3 metralhadoras e 3 peças de 7 milímetros. Impossível era, pois, a resistência por parte do inimigo, apesar da sua provada valentia, que não fica mal confessar, antes nos honra, por mais valorizar ação das nossas tropas. E foi nestas operações, tão simples na aparência, que tivemos 96 baixas!”.

Mais adiante, o autor deplora a situação existente: “E depois de todo este sacrifício de vidas e de tantas canseiras passadas, causa pena saber que os indígenas Bijagós continuam ainda meio selvagens, prontos a insurgiram-se na primeira ocasião, tal é o espírito inquieto e aguerrido dos habitantes da ilha de Canhabaque”. Mas não foi só nos Bijagós que a pacificação se revelou um processo demorado, em 1921 ainda havia guerra entre os Papéis de Bissau.

O tenente Silva Loureiro relatara as circunstâncias dramáticas em que o nome Teixeira Pinto fora alvo de críticas injustíssimas e acusações infames. Em dado passo, ele exulta: “Em 1929, a Província saldou a dívida com Teixeira Pinto erguendo-lhe um monumento no centro de Bissau, inaugurado em 30 de novembro". E finaliza a sua monografia das campanhas militares para a ocupação da Guiné com as seguintes considerações: “Sem a sua quota-parte de sangue – talvez a maior que se pode dar – a Guiné não chegaria a gozar os benefícios que os nossos colonos lhe ministraram”.
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13988: Notas de leitura (655): Apresentação do livro "O Concelho de Fafe e a Guerra Colonial (1961-1974)", dia 12 de Dezembro de 2014, pelas 21h30, na Sala Manoel de Olivera, em Fafe (Beja Santos)

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