sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14084: Memórias de Gabú (José Saúde) (49): Unimog, uma máquina imparável


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua fabulosa série.


As minhas memórias de Gabu

Viaturas “bélicas” que percorriam os trilhos na Guiné

Unimog, uma máquina imparável

Com uma certa renitência, porque nunca fui mecânico nem destro em opinar em causas que me julgo completamente alheio, ousa a teimosia de um antigo combatente conduzir-me a uma temática operacional que me leva a trazer à estampa uma viatura militar que muito bem conhecemos no território da Guiné: o Unimog.

Reza a história que o Unimog terá surgido na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial. Veículo assumido decididamente como polivalente, o protótipo foi fabricado, inicialmente, pela Boehringer, sendo que os Aliados no pós guerra cederam à Mercedes Benz a sua produção.

O modelo, equipado com motor diesel, arrancou em 1947 e afirmou-se em 1951 como exemplar bélico para as hostes militarizadas. Constata-se que o Unimog foi distribuído, nos seus princípios, somente para as forças alemãs, sendo que as suas vendas galgaram, à posteriori, fronteiras e outros países vieram a adquirir essa preciosidade.

Dada a sua versatilidade e capacidade de circulação em todos os tipos de terreno, Portugal, a contas com a Guerra Colonial – Angola, Moçambique e Guiné –, elegeu o Unimog como uma viatura crucial para circular pelos trilhos apertados das antigas províncias ultramarinas.

Na minha conceção, o Unimog foi, de facto, uma viatura imprescindível para o exército da Pátria de Camões. Era um veículo volúvel, é certo, e debitava uma cilindrada que ultrapassava facilmente os obstáculos, originando, por isso, um catálogo de aventuras consideradas permanentemente imprevisíveis. 

Da minha comissão militar na Guiné, conservo, ainda hoje, imagens que projetam emoções aquando “viajava” a bordo de um dos Unimog distribuídos à minha companhia. Neste contexto, segue-se um pequeno texto retirado da minha obra GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU:

“Recordo uma tarde a caminho de Piche a viatura que seguia atrás embater na traseira daquela que rolava à sua frente e a malta a atirar-se para o chão embrenhado entre as granadas da bazuca, do morteiro 60 e as G3 que transportávamos nas mãos. Um arrepio entrou-me no corpo dado que os arranhões provocados nas minhas pernas e braços deixaram marcas. Um “acidente” que, no fundo, não causou vítimas a bordo. Tudo correu bem. Mas… ficou o aviso.”

Lembro, também, uma outra situação em que o Unimog se despistou numa picada e entrou pelo mato fora, resultando, logicamente, um valente susto e mais umas arranhadelas aos camaradas que seguiam na viatura. Regressávamos de mais um patrulhamento às tabancas de Gabu numa missão destinada à chamada psicó. Um outro susto que ficou inventariado com a nossa estadia naquele recanto guineense que deixou, literalmente, “picos” de alguma apreensão. 

Permitam-se, numa outra perspetiva, evocar a inexperiência de jovens condutores num terreno que lhes era francamente agreste. A sua coragem e dedicação à causa que lhes fora outorgada, sempre se assumiu como uma valentia desmedida. Para esses camaradas, combatentes sem nome, vão os meus aplausos e o meu fraterno abraço.

Conheci a realidade de rapazes em que a aprendizagem à condução se terá verificado na hora da sua convocação para as fileiras do exército. Outros, creio, eram mecânicos na vida real e que foram aproveitados para o cumprimento dessa missão.

Dúvidas não existem, falo por mim, quando se reparava, nalguns casos, na sua aparente dificuldade na exímia arte de conduzir. Em princípio era ambígua, sendo que com o evoluir do tempo as suas capacidades desempenhavam com avidez num cenário de guerra que lhes fora inequivocamente madrasto.

Reconhecesse-se que a sua missão não foi fácil, principalmente para jovens condutores destinados a cenários conflituosos e de extremos riscos. Muitos morreram agarrados ao volante do Unimog que conduziam quando uma desditosa mina anticarro deflagrou numa picada que lhes era já familiar.

O Unimog, tido como “burro de carga”, era hábil nas suas diversificadas ações. Maneirinho, e de condução fácil, o banco traseiro levava, regularmente, uma secção de homens armados, quando a viagem era feita para além do arame farpado. Em chão firme, isto é, no interior da tabanca essa metodologia era alterada, dado que a sua utilização se destinava a adquirir eventuais falhas verificadas no aquartelamento. 

A talho de foice, recordo que em cada banco onde iam os operacionais, costas com costas, acomodava uma secção de combatentes. Dois homens faziam a proteção da ala direita, outros dois da ala esquerda e um quinto visionava a retaguarda. À frente, ao lado do condutor, ia o graduado preocupado com possíveis “investidas” do IN vindas da linha da frente. Os ângulos de visão eram, assim, totalmente abrangentes.

E a certeza diz-me que foram muitas as ocasiões em que assumi a versão de copiloto num Unimog que jamais se vergou perante as adversidades impostas por um terreno impróprio para uma viagem que se pretendia suave.

Nos arquivos do exército português sobre a guerra colonial, se porventura ainda existirem, há relatos fatais de perdas humanas ocorridas a bordo de Unimog nos conflitos de além-mar. 

Vivências de máquinas imparáveis do tempo de guerra em África!... 


Um abraço camaradas, 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
___________
Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 


4 comentários:

Juvenal Amado disse...

Caro José saúde

Foram 3 as versões de Unimog, se não estou em erro 407, 411 a disel e a versão a gasolina que era maior. A versão mais pequena que é a que está na fotografia era a mais popular e com várias alcunhas como por ex. "desalça putas", "calça arregaçada" e "burro do mato". Como fui condutor conduzi as várias versões embora a viatura que tive distribuída ter sido a Berliet.
Na verdade os Unimogs eram pau para toda a obra e raramente ficavam atascados e quando dotados de guincho então ultrapassavam qualquer obstáculo.
Mas não há bela sem senão. Eram extremamente perigosos para o condutor e pendura pois íamos praticamente sentados em cima da roda que ao pisar uma mina ditava a sorte deles.
Quando se faziam picagens era normal sentarmos-nos no recosto e pormos os pé no lugar em normalmente nos sentávamos. Utilizávamos nesses casos os aceleradores de mão.
Outro problema era os rodados serem mais estreitos quando seguiam atrás de uma viatura rebenta minas pois podiam pisar uma mina posta de propósito mais dentro que assim escapava aos rodados da viatura que ia preparada para abrir caminho às outras.
Em Alcobaça ainda vi um ou dois nos bombeiros onde continuaram a ter utilidade.

Um abraço

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas
Genericamente, terá sido a viatura mais adequada às actividades anti-guerrilha. A versão a gasolina (404) podia ser utilizada como viatura de carga e até rebocava um 10,5 cm em percursos curtos. Os meus "ferrugens", em 1968 receberam e montaram dois motores desta viatura.
O "burrinho" também se chamava "enxota-pintos" devido ao ruído característico que o seu motor fazia.
Dei esta expressão para o nosso dicionário.
Um Bom Ano Novo
António J. P. Costa

Antº Rosinha disse...

Esta viatura em estradas de terra rápidas e com motoristas com pouca experiência competiam com qualquer kalashnikov ou minas anticarro a ferir e matar militares.

Foi o caso em Angola que quando chegavam aos 60 Klm/hora, próximo de uma curva em laterite, muita gente voôu sem asas.

Aquele modelo mais antigo, o tal burro, tombava e até podia dar uma volta completa ficar de pé e o motor continuar a trabalhar e podia continuar e transportar o pessoal acidentado, se o chaufeur ficasse direito, o que não seria fácil.

Tive a minha experiência com algumas marcas.

Na Guiné, excepto, nos poucos klms de asfalto poucos lugares se circularia a 60 e percursos bem curtos.

Desejo a todos um bom fim de ano e sem acidentes de qualquer espécie.

Hélder Valério disse...

Caro José Saúde

Interessante esta tua abordagem.
A avaliar pelos comentários, parece que as diversas vantagens e desvantagens do "Unimog" foram todas colocadas 'à vista'.

Pois assim será mas na verdade sempre que alguém fizer o relato da sua estadia na guerra de África, principalmente na Guiné, mesmo que não o refira explicitamente, o "Unimog" estará presente na maioria das vezes. Mesmo omitido, não por desprezo mas por se pensar irrelevante.

Foi, de facto, um grande auxiliar em inúmeras situações e portanto esta tua 'lembrança' veio colmatar uma lacuna.

Abraço
Hélder S.