terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14193: Casos: a verdade sobre... (6): Tratamento de prisioneiros do PAIGC (ex-fur mil armas pesadas inf, CCAÇ 2366 / BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70)


Guiné > Região de Cacheu > Jolemete > CCAÇ 2366 (1968/70) > Guerrilheiro do PAIGC, feito prisioneiro depois de cair num fornilho das NT.
Fotos: © Manuel Carvalho (2015). Todos os direitos reservados



1. Mensagem de Manuel Carvalho (ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf, CCAÇ 2366/BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70):


Data: 26 de janeiro de 2015 às 21:38
Assunto: Tratamento de prisioneiros do PAIGC

Caros Luis e Vinha

Acerca do assunto prisioneiros e seu tratamento, lembrei-me de um homem do PAIGC que aprisionamos,  ferido em Jolmete,  e junto envio duas fotos uma com os enfermeiros a tratar o homem e outra a enviar o guerrilheiro para Bissau.
Espero que as fotos deem para ver.

As coisas passaram-se mais ou menos assim: andávamos em patrulhamento nas matas do Jol, cerca de noventa homens,  sem encontrarmos nada de especial. A  noite estava a chegar e a ideia era regressar ao quartel até porque já estavamos muito cansados.

Havia ali vários trilhos com sinais de serem utilizados recentemente e resolvemos montar uma armadilha (fornilho),  meia duzia de granadas defensivas atadas num arbusto junto ao trilho com o araminho a atravessar e há  que regressar ao quartel.

Estavamos a andar há cinco ou dez minutos e ouvimos o rebentamento da armadilha, corremos para lá e estava o homem ainda consciente,  ferido,.  mas parecia que não era grave.Ele vinha de calção curto e ao sentir o arame na canela mergulhou logo e como as granadas eram normais,  os quatro segundos salvaram-lhe a vida.

Como podem ver pelas fotos o camarada era muito corpolento e cansados,  como estavamos, não nos apetecia nada carregar com ele ás costas  mas quem manda manda e lá improvisamos uma maca com dois paus e dois dolmens e lá nos pusemos ao caminho, Não faltaram protestos e uns palavrões mas lá chegamos em bem ao quartel já noite avançada.

Tratamos os ferimentos que eram superficiais e fizemos um pequeno interrogatório em que o homem disse que era bazuqueiro e exercia a sua atividade na Caboiana e ia de férias. Tanto quanto me lembro,  foi um interrogatório sem grandes problemas embora não tenha participado nisso.

Como era normal enviamos o individuo para Bissau conforme foto e não soube mais nada sobre este caso.

Um abraço para todos
Manuel Carvalho
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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de janeiro de 2015 >  Guiné 63/74 - P14182: Casos: a verdade sobre... (5): Soldados metropolitanos "desaparecidos" ou torturados, depois da sua captura pelo inimigo... (José Belo, ex-alf mil inf, CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70)

3 comentários:

Anónimo disse...

Olá amigo Manuel Carvalho:

Aproveito para te cumprimentar pois o teu texto pela sua descrição objetiva e despretensiosa não empolga os nossos sentimentos heróicos e patrióticos. A honestidade intelectual deve inibir-te, como a mim de perorares sobre os santos, os mártires, os heróis, que nós os portugueses fomos nas cinco partes do Mundo.
Fomos grandes, ao descobrir as rotas navegaveis da Terra inteira, fomos os maiores.
Nem sempre estivemos à altura desse grande feito, cometemos os nossos pecados e erros e temos que ser honestos em reconhecer isso.
Os povos são como os homens têm que ser honestos para ser crediveis e respeitados.
Tu és um homem honesto camarada!

Um grande abraço

Francisco Baptista

Luís Graça disse...

Obrigado, Manel, pelo teu importante depoimento. Objetivo, assertivo, sucinto, sereno, minimamente detalhado...

Não estamos aqui para julgar ninguém, apenas para contar histórias, as nossas histórias, os acontecimentos de que fomos protagonistas, o que vimos e ouvimos, o que fizemos e o que sentimos...

Tu estavas em Jomelte, eu em Bambadinca... Cada um só pode (e deve) falar do que viu.

A minha CCAÇ 12, entre julho de 1969 e março de 1971, fez prisioneiros (entre guerrilheiros e população, mais de duas dezenas) e tratou-os com "decência" ou "humanidade"... Claro que foram interrogados. Nunca assisti a nenhum interrogatório.

Fizemos depois operações com os presos e aí, sabes como era, era o jogo do gato e do rato... Imagina-te no lugar deles...

O primeiro prisioneiro que foi connsco a um golpe de mão, como guia (amarrado), o Malan Mané, foi gravemente ferido... E o militar, fula, que o escoltava teve morte imediata...

Ninguém deu um tiro de misericórida ao Malan Mané. Foi helievacuado, tal como os nossos feridos, tratado em Bissau e bem, pelos nossos médicos enfermeiros ... E safou-se!

São estas histórias que temos de contar, mesmo que o assunto tenha algum melindre. Tens toda razão: fazer prisioneiros era uma chatice! Sobrava depois para nós, operacionais, que tínhamos de voltar ao mesmo sítio...

Abração, Luis

Manuel Carvalho disse...

Meus caros Francisco e Luis
Obrigado pelos vossos comentários e muito gostaria de escrever com metade da categoria com que vocês e outros o fazem mas enfim é a vida.
Ao olhar para a foto dos enfermeiros, que eram dois óptimos profissionais tanto que tivemos vários casos de minas anti pessoal, salvo erro quatro e todos se safaram porque foram bem tratados logo no mato. O Avelino que é o que está de cigarro na boca era também um bom operacional porque pedia um carregador para lhe levar a bolsa de enfermagem e quando havia fogachal ele não demorava muito tempo a chegar ao local onde elas mordem.Por isso eu costumo dizer não é o rótolo que define a categoria do vinho.E também digo quantos grandes operacionais não andariam perdidos por Bissau e outras Vilas atrás de secretárias ou outras especialidades que não eram de combate.Vem isto a propósito do enfermeiro Avelino Peixoto ser um bom profissional e estar a curar de cigarro na boca mas não devia embora naquele tempo era assim.Eu vi pessoas chegar ao restaurante a fumar comer a sopa e enquanto não vinha o prato ia outro cigarro e outro no fim eram outros tempos estava-mos na Guiné no mato e na guerra.
Um abraço para todos

Manuel Carvalho