terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14214: Memórias de Copá (5): Janeiro e Fevereiro de 1974. (António Rodrigues)


1. O nosso Camarada António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto da 1.ª CCAV do BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Boruntuma (a minha 1.ª CCAV/BCAV 8323 tinha as suas forças aquarteladas em Bajocunda e Copá), 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem. 


Memórias de Copá 
Janeiro e Fevereiro de 1974 

Camaradas, 

Como por esta altura do ano passa mais um aniversário dos dolorosos dias que vivi em Copá, aqui vos deixo mais algumas histórias do que lá se passou há 41 anos. 

Retomando o fio à meada do que atrás vinha a contar, o dia 1 de Fevereiro de 1974 passou-se na expectativa de encontrar o piloto aviador, que como disse veio a aparecer ao fim da tarde desse dia e quanto a acções de guerra nada houve a assinalar. 

Porém, no dia seguinte (2 de Fevereiro de 1974), estávamos sentados a almoçar e ao bater a 1 hora da tarde, rebentava novo e severo flagelo a Copá, com Morteiros 120 mm e canhões sem recuo, que duraria até cerca das 4 horas da tarde. Esta flagelação provocou diversos estragos nas Tabancas, Escola, valas e abrigos, mas graças a Deus mais uma vez saíamos dessa flagelação todos ilesos. 

A artilharia de Canquelifá (com obuses de 10,5) tentou apoiar-nos mas com pouca eficácia, porque os 10,5 naquele caso tinham um alcance insuficiente. 

No dia 3 entre as 16 e as 18 horas sofremos nova e intensa flagelação a Copá com morteiros 120. Quase todas as granadas caíram dentro do arame farpado, mas felizmente não houve danos pessoais. Arderam algumas Tabancas e mancarra armazenada. 

No dia 4, Copá volta a ser flagelado entre as 17h30 e as 18h30 com morteiros 120. Canquelifá, com boa vontade, tentou ajudar-nos de novo com os obuses 10,5, mas infelizmente com poucos resultados, limitavam-se a fazer algum barulho com as suas explosões. Esta flagelação não causou danos pessoais nem materiais. 

No dia 5 de Fevereiro, ao romper do dia, dá-se início ao desenrolar da operação “GATO ZANGADO” que decorreu entre o dia 5 e o dia 12 de Fevereiro, com as nossas tropas apoiadas pelo grupo de Comandos Africanos comandado pelo Sargento Comando Marcelino da Mata a tentarem chegar a Copá, com a tão ansiada coluna de reabastecimento. Pelo caminho levantaram 3 minas anticarro e destruíram outras 6. Pelas 10h30 da manhã, no local do costume, MASSACUNDA MAUNDE, sofrem forte emboscada com RPG e armas automáticas, que causaram às nossas tropas 1 morto e um ferido. 

A coluna acabou por mais uma vez não chegar a Copá, que era o seu destino. 

Durante esta acção, foi referenciada uma viatura do PAIGC tipo Ambulância de origem Russa. 

Na parte da tarde desse dia, as nossas tropas deslocaram-se para o local, onde recolheram a referida viatura, 63 granadas RPG7, 44 granadas RPG2, 5 minas anti-pessoais, 21 minas anti-carro, 4 granadas de morteiro 82, 17 granadas de morteiro 60, 2 granadas de mão ofensivas, 12 granadas de mão defensivas, 5 dilagramas, 2 cunhetes de munições 7.62 mm (de origem Soviética), 2 caixas de disparadores, 8,3 Kg de TNT, artigos de fardamento e equipamento, 15 caixotes de munições diversas, diversas caixas de ração de combate, refrigerantes, tabaco, 300 Kg de açúcar e 50 Kg de sal. 

Ainda no dia 5, Copá volta mais uma vez a ser flagelado entre as 14h45 e as 16h15, com morteiros 120 e canhões sem recuo, caíram cerca de 100 granadas, não houve danos pessoais, mas arderam 2 Tabancas. 

Entretanto, no dia 6 em Copá, continuavamos ansiosamente à espera que uma coluna pudesse efectivamente chegar até nós para nos trazer reforços de pessoal, correio, armamento e algum alento moral, visto que nós estávamos completamente desmoralizados e isso nos viria trazer um pouco de alento. Nesse dia, ao romper da manhã forças da 1.ª BCAV de Bajocunda apoiadas novamente pelo Grupo de Combate do Marcelino da Mata tentam de novo a progressão de uma coluna de Bajocunda com destino a Copá, mas ao chegar ao local já fatídico de nome Massacunda a coluna seria mais uma vez fortemente emboscada por cerca de 100 elementos do PAIGC com RPG7 e armas automáticas que causaram às nossas tropas 10 feridos, 5 da 1.ª BCAV e 5 do Grupo do Marcelino. Um dos feridos da 1.ª BCAV veio a falecer, tratava-se do meu camarada Soldado Silvano Farinha Alves (1) do 2.º Grupo de Combate da 1.ª BCAV 8323. A situação mais uma vez se complicou e nem a presença do Marcelino da Mata (que chegou a lutar corpo a corpo com os guerrilheiros) e do seu grupo evitou que a coluna novamente regressasse a Bajocunda sem atingir o seu destino após terem sido pedidas directivas ao CAOP face à situação muito difícil de ultrapassar. As forças que compunham a coluna, para poderem regressar à origem, tiveram que ser remuniciadas via helicóptero. 

Entretanto nós em Copá, sem sabermos o que se passava, alimentávamos a esperança de ver chegar a tão desejada coluna, e como de novo havia livre circulação em Copá, era cerca do meio dia quando montado numa bicicleta a pedal entrou em Copá um homem Africano tipicamente vestido, que nos disse que tinha acompanhado a coluna até determinado local e que tudo vinha a correr bem e em breve ela estaria por aí a chegar, entretanto o homem, depois de deitar os olhos aos estragos no interior de Copá, pegou na bicicleta e partiu a todo o vapor em direcção ao Senegal, ali muito próximo e em cuja direcção se encontrava uma base do PAIGC, entretanto através das transmissões quase nessa mesma altura sabíamos que a coluna tinha sido emboscada e regressava a Bajocunda com mais um camarada nosso morto, o que para nós foi um duro golpe em todos os sentidos, pois para nós essa coluna representava muito, devido a que estávamos no isolamento e quase sem mantimentos. 

O referido Africano partiu de bicicleta de Copá às 12h15, pelas 12h30, Copá começava a ser flagelado mais uma vez com morteiros 120 e canhões sem recuo, bombardeamento que teve a duração de hora e meia. A maior parte das granadas caiu dentro do aquartelamento, provocaram mais alguns incêndios, destruíram mais alguns mangueiros, mas felizmente não houve consequências pessoais. Rapidamente concluímos que o homem que tinha atravessado Copá em bicicleta, era com certeza um dos homens do PAIGC que tinha beneficiado da nossa benevolência e assim pôde espiar tudo à vontade. 

Toda esta situação provocava em nós um sentimento de impotência, desespero e grande ansiedade, ao ponto de alguns camaradas nossos, principalmente os que se abrigavam no abrigo 6 que estavam com o seu moral abaixo de zero, a ponto de até terem receio de saírem da vala para irem à cozinha buscar comida. No abrigo 7 onde eu me encontrava, refiro mais uma vez o 1.º Cabo João Ribeiro, que tinha sempre uma palavra encorajadora para os seus camaradas, o que levantava o nosso moral naquelas difíceis situações. 

Entretanto, com a não chegada a Copá da coluna atrás citada, ficamos ainda mais desorientados e sem qualquer alento, onde nos sentíamos cada vez mais abandonados, no meio dum completo isolamento, onde apenas tentávamos conviver uns com os outros e, para além disso, no meio daquelas aflições todas, estávamos sem bebidas e quase sem géneros alimentícios, pelo que pedimos que por meios aéreos nos enviassem água capaz de se beber. De Bissau mandaram-nos helicópteros com alguns bidões de água, só que os bidões que transportavam a água, eram bidões que tinham transportado gasolina, pelo que a água que eles traziam nem para nos lavarmos servia, pelo que preferimos continuar a servir-nos da água dos poços ali existentes, apesar de, de vez em quando na lata com que a tirávamos, aparecer uma ratazana ou quaisquer outros animais mortos, quando isso acontecia, o remédio, que não era remédio nenhum, era deitar fora aquela água e voltar a encher a lata do mesmo sitio. A água que consumíamos naquelas situações e na Guiné em geral, era de uma qualidade inqualificável e no nosso caso em Copá, não nos era fornecido qualquer tipo de tratamento para lhe adicionarmos. 

Eu que creio em Deus e sou católico, sempre que éramos atacados, no meio daquela grande aflição diária, sem termos mais a que nos agarrar, tomava a iniciativa de organizar uma oração geral e o Ribeiro era dos primeiros a acompanhar-me, só um camarada ironicamente chamado Jesus, que era da Beira Baixa, não rezava, a razão sabia-a ele. 

Alguns dos nossos camaradas do abrigo 6, durante as flagelações, por vezes abandonavam o seu posto e vinham refugiar-se no nosso que era o 7, mas o Ribeiro repelia-os, dizendo-lhes que no posto 7 não havia lugar para cagões. 

Entretanto no dia 7 de Fevereiro de 1974 estivemos de folga, pois Copá nesse dia não sofreu qualquer flagelação, embora nós ficássemos todo o dia alerta. 

No dia 8 de Fevereiro, pelas 10h30 da manhã, uma força da Companhia de Caçadores Pára-Quedistas 121 em patrulhamento naquela área, entrou em contacto com um grupo guerrilheiro de cerca de 50 elementos, causando-lhe 2 mortos confirmados e vários feridos e apreendeu-lhes 1 RPG7 e 4 granadas do mesmo. 

Os Pára-Quedistas, sofreram 1 ferido grave e 2 feridos ligeiros. 

No mesmo dia 8 de Fevereiro de 1974, fomos visitados de novo pelas bombas IN, tínhamos acabado de almoçar e o meu camarada Lobo, que era quem dava aulas em Copá, que era um pouco surdo, convidou-me a ir com ele até junto de um poço (que embora dentro do arame farpado ficava do lado da fronteira do Senegal) para tirarmos água com uma lata e lavarmos as nossas roupas, eu aceitei, lá fomos com a lata numa mão e a roupa na outra a caminho do dito poço e ao passarmos junto do Posto 6, lá estavam os nossos camaradas, os mais medrosos estavam mesmo metidos nas valas, a aguardar o que pudesse acontecer nesse dia e perguntaram-nos então para onde íamos? Nós dissemos-lhes que íamos para o poço tirar água e lavar a roupa, uma vez que em Copá as lavadeiras tinham fugido, eles então disseram-nos: tenham cuidado, pois eles podem estar por aí perto e pode ser perigoso, é que nós nem água para nos lavarmos cá temos, porque não temos coragem para a ir buscar; nós dissemos-lhes: vamos com Deus que não há-de acontecer nada! Lá fomos eu e o Lobo, tirámos do poço a água necessária e começamos a lavar a roupa, mas o Lobo como era um pouco surdo disse-me: Rodrigues, se ouvires alguma coisa avisa-me que eu não ouço bem; continuamos a lavar a roupa, entretanto os nossos camaradas do abrigo 6 ganharam coragem, pegaram nas latas e foram ter connosco ao poço para levarem água para as suas necessidades, nós os dois nesse momento tínhamos a roupa quase lavada. 

No preciso momento em que um dos nossos camaradas metia a lata no poço e ao mesmo tempo nos dizia: antes de ontem, ao metermos a lata no poço começou o ataque a Copá; rebentava mais um flagelo a Copá eram 15h00 da tarde, eu ouvi o primeiro rebentamento que era a saída do disparo do morteiro, larguei o par de peúgas que estava a torcer e disse: foge Lobo, desatei a correr para o meu posto, o Lobo viu-me correr e fugiu também, os outros dois camaradas do abrigo 6 não se aperceberam do rebentamento, ficaram junto ao poço, só fugiram quando caiu a primeira bomba dentro de Copá, já eu estava no primeiro abrigo que encontrei que foi o 6, o mais próximo do meu, eles não me seguiram logo, porque pensaram que, como o primeiro rebentamento coincidiu com as palavras deles acerca do anterior ataque, pensaram então que eu estaria a brincar com eles, mas felizmente mais uma vez aguentámos essa flagelação que durou cerca de 2 horas, Deus continuou ao nosso lado. 

No dia 9 de Fevereiro de 1974, da parte da tarde, voltámos de novo a ser flagelados durante várias horas, entre as 14h00 e as 17h40, com morteiros de 120 de granada de espoleta retardada e canhão sem recuo. 

Nesse dia fomos bombardeados com uma violência inusitada em Copá, pois apercebemo-nos que estávamos a ser bombardeados pela artilharia do PAIGC a partir de duas bases IN distintas e a determinada altura a confusão foi ainda maior porque ficamos cercados de fogo de artilharia a partir de mais dois pontos diferentes. O que se passou foi que, a guarnição de Canquelifá começou a disparar os seus obuses de 10,5 na tentativa de nos socorrer, mas o alcance destas armas ficava-se pelas imediações de Copá, por outro lado em Bajocunda, estavam em fase de instalação 3 obuses 14 chegados ali há poucos dias, cujos artilheiros na tentativa desesperada de nos ajudar, fizeram alguns disparos na direcção de Copá, cujas bombas sobrevoaram o aquartelamento e caíram ali mesmo juntinho do arame farpado, rebentando na pequena pista de aviação e quase nos atingiam, causando em nós um ainda maior susto e confusão, porque naquele momento não sabíamos a origem de todo aquele fogo. 

Valiam-nos quase sempre os nossos anjos da guarda, os aviões FIAT G91, às vezes depois de estarmos duas ou três horas debaixo de fogo, mas valia sempre a pena, porque era a forma de o fogo inimigo parar e podermos levantar um pouco a cabeça. 

Neste dia tivemos apoio aéreo pelas 15h20 mas sem grandes resultados. 

Após um curto intervalo, continuou o bombardeamento a Copá ainda com mais violência, eu e os meus camaradas contamos em poucos segundos 48 disparos de morteiro seguidos, antes que a primeira dessas bombas caísse dentro de Copá, poucos segundos depois, apanhamos de uma só vez com toda aquela chuva de bombas quase ao mesmo tempo em cima de nós, porque praticamente todas caíram dentro do aquartelamento e nós contávamo-las uma a uma até cair a última. 

Eu suponho que nesse dia o PAIGC tinha uma série de morteiros a disparar ao mesmo tempo. 

Pelas 17h40, voltamos a ter apoio aéreo dos FIAT G91 e aquele violentíssimo bombardeamento a Copá naquele dia terminou. 

Foi durante este bombardeamento que estive mais perto de ter morrido, eu e os meus camaradas de abrigo, porque uma das bombas caiu 2 metros atrás da vala onde nos encontrávamos, passou sobre a minha cabeça a tão pouca distância que senti o cabelo deslocar-se à sua passagem, eu pensei: desta não escapo, a explosão levantou uma nuvem de terra que quase nos cobriu a todos e todos demos um grande grito de aflição, passada a confusão sacudimos toda aquela terra e felizmente para além de alguns estilhaços quentes que nos caíram nas costas provocando-nos pequenas queimaduras, estávamos todos bem. 

Mas a explosão fez os seus estragos: no local onde explodiu, tínhamos uma barraca feita de chapas de bidões, onde tínhamos duas camas, protegidas com um espaldão de bidões cheios de terra, a explosão abriu um buraco onde cabia um automóvel, destruiu o espaldão e a barraca, uma das camas de ferro que estava no seu interior ficou dobrada como uma sanduíche com o colchão no meio. 

Durante este bombardeamento, dois camaradas nossos de um outro abrigo, sofreram ferimentos ligeiros, não provocados por balas ou estilhaços, mas por uma granada que explodiu bem junto à trincheira onde se abrigavam que a fez desmoronar, deixando-os semi-soterrados. 

Ainda durante este bombardeamento, caiu uma granada precisamente em cima do banco do condutor do Unimog, que estava estacionado no centro do aquartelamento, que quase lhe separou a cabine do resto. Aquele Unimog acabou ali e lá ficou para sempre. As tabancas, que no caso de Copá, se encontravam todas dentro do arame farpado, no final deste ataque estavam praticamente todas queimadas e tínhamos também um abrigo destruído. 

O PAIGC tinha apostado forte naquele aquartelamento e não nos largava, mas mais uma vez nada conseguiu, pois nós respondíamos-lhes quase sempre com o nosso silêncio, mas firmes no nosso posto, pois não possuíamos armas em Copá capazes de os atingir. No entanto nesse dia 9 de Fevereiro de 1974, o nosso moral estava cada vez mais em derrocada, talvez devido a isso, 5 camaradas nossos do abrigo 3, durante a flagelação desse dia fugiram de Copá debaixo de fogo do inimigo e foram em direcção ao quartel de Canquelifá, que ficava dali a 12 km de distância, onde chegaram felizmente sem qualquer problema, quatro deles regressaram a Copá às 06h30 da manhã do dia seguinte, acompanhados de uns guias que os nossos camaradas de Canquelifá lhes arranjaram, o quinto recusou-se a regressar, seguindo sob prisão para Nova Lamego, regressando mais tarde à Companhia já em Bajocunda. Os abrigos ou postos a que me tenho referido, eram na realidade as nossas casernas, que não eram mais que um buraco ou cave aberto no chão, mais ou menos com 2 metros de profundidade de formato quase sempre quadrado, cuja cobertura era feita de troncos de árvores, pedras, terra e algum cimento. 

E a nossa vida em Copá era assim diariamente um autêntico inferno, sem um momento de sossego e a toda a hora à espera do pior, os bombardeamentos de artilharia do PAIGC eram em Copá o pão nosso de cada dia, a situação era cada vez mais insuportável, pois éramos apenas 30 a 40 homens, para aguentar aquele aquartelamento, além disso não tínhamos armas capazes de responder às do inimigo, até que depois de tantos bombardeamentos a Copá sem resposta da nossa parte, talvez o PAIGC se tenha convencido de que nós tivéssemos fugido de Copá ou que estaríamos todos mortos, pelo que no dia 11 de Fevereiro de 1974, mandou os seus homens junto de Copá, portanto perto do arame farpado, disparar uns tiros e atirar umas granadas, provavelmente para verificar se ainda lá haveria alguém com vida, o que graças a Deus ainda acontecia com todos nós. 

A história deste ataque do dia 11 é a seguinte: passámos a noite de 10 para 11 sobressaltados como sempre, mas sem acontecer nada de especial até à hora em que ouvimos os primeiros tiros. Eu estive nessa noite de reforço das 4 às 5 horas da manhã, fui rendido e deitei-me na cama, mas durante muito tempo não conseguia adormecer, porque o Banharia, nosso camarada de abrigo, tinha medo de estar de noite acordado sozinho e por isso quando me sentiu entrar no abrigo para me deitar, começou a querer conversar comigo e nunca mais me deixava adormecer, até que a certa altura eu o ameacei, que ou me deixava dormir ou eu me chateava com ele. Eram 6 horas da manhã desse dia 11, eu acabei de dizer estas palavras ao Banharia, cobri a cara e preparava-me para adormecer quando nesse momento rebentou um forte tiroteio e algumas granadas RPG 7, saímos imediatamente todos da cama o mais rápido possível (tão rápido que o meu camarada Lobo até trouxe para a vala um cobertor da sua cama preso nos pés) e como constatámos que o inimigo estava frente a nós, reagimos e disparámos fortemente, que o fogo inimigo durou apenas cinco minutos, pelo que concluímos que eles vinham apenas ver se nós ainda lá nos encontrávamos. 

Entretanto em Pirada, o nosso Comandante de Batalhão, Coronel Jorge Matias e o Capitão Oficial de Operações, ao ouvir tal tiroteio, sabendo da nossa forte reacção a este, que foi felizmente o último ataque a Copá, ficaram admiradíssimos, por depois de tanto sermos massacrados em Copá, ainda termos moral para reagirmos daquela maneira. 

Tínhamos passado já cerca de dois meses terríveis de plena guerra em Copá, assistíamos às consequências trágicas e situações humanas verdadeiramente horrorosas que a guerra provocava, principalmente na população civil, que se via forçada a fugir das suas pobres casas e ficavam sem os seus poucos haveres, metia dó ver a miséria e a desgraça daqueles pobres Africanos a gritar e a fugir com as suas crianças, quando não tinham feito mal a ninguém para que tal lhes acontecesse, eles apenas queriam em paz, semear e colher o seu milho, mancarra, arroz, etc. 

Se em todas as guerras, que infelizmente grassam pelo mundo, ou se chega a um acordo ou tem de haver um derrotado, eu que em 1973, parti para a Guiné convencido que ia lutar por uma causa justa, depois de lá estar e ver a realidade daquela guerra, que tanto fazia sofrer e chorar os nossos soldados e as suas famílias e as populações locais, essas as mais atingidas sempre, eu perguntava muitas vezes a mim mesmo, se não éramos nós exército Português que estávamos ali a provocar todo aquele sofrimento, uma vez que mantínhamos uma situação de guerra há cerca de 13 anos e não vislumbrávamos qualquer saída para ela. 

Foi assim que vi aquela maldita guerra, é este o meu ponto de vista mas, respeito o de todos os outros que como eu a viveram. 

Nota: 

(1) O Soldado Silvano Farinha Alves era natural de Cava – Madeirã, Concelho de Oleiros. 






Um forte abraço deste vosso amigo 
António Rodrigues
Sold Cond Auto do BCAV 8323

Mini-guião: © Colecção de Carlos Coutinho (2012). Direitos reservados. 
___________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


7 comentários:

Anónimo disse...



Camarada e amigo António:

Fizeste um bela descrição duma situação dificil de guerra por que passaste em Copá com os camaradas da tua companhia. Nada daquilo que eu passei por lá se pode comparar ao que descreves mas eu calculo que as reações humanas a uma situação tão extrema podem variar como tu descreves, entre o medo que a alguns domina e desmoraliza mas que a outros deixa ainda lucidez e coragem para lutar.
Não há duvida que sabes descrever muito bem o teu estado de espirito e o dos teus camaradas.
Descreves muito bem as vossas deficientes condições de defesa.
A falta de água e alimentos que se vai agravando com o decorrer dos ataques do inimigo que vos cerca e mantem nas valas e abrigos, a vossa defesa possível.
O teu texto é uma crónica de guerra escrita por mão de mestre.
Nem falta no final uma reflexão sobre a evolução do teu pensamento sobre a justeza da guerra.

Um grande abraço

Francisco Baptista

antonio graça de abreu disse...


Bravo, António Rodrigues e bravos os nossos homens de Copá.
Aguentaram um pequeníssimo aquartelamento numa extremada situação de guerra, face a um inimigo superior. Foi sangue, suor e lágrimas. Mas resistiram.
Honra aos homens de Copá!
Quanto à justiça ou injustiça da guerra, é outra conversa.
Creio que nenhum de nós lutava por um Portugal do Minho a Timor, a guerra tinha de ter uma solução, política e não militar, e todas as guerras são sujas, injustas, dilacerando o coração e o entendimento dos homens.

Uma ressalva final para, como comprovas, o excepcional comportamento dos pilotos dos FIATs, em Janeiro de 1974, a voar e a bombardear sem descanso, todos os dias, por toda a Guiné.
Eu também estava lá, em Cufar, sei do que falo.
É que ainda continua a prevalecer a mentira de que perdemos a supremacia aérea, deixámos de voar e de dar apoio às tropas no terreno, daí a nossa derrota militar. Como se falsifica a nossa História! Ainda há uns dias aqui no blogue era aquele jornalista carbo-verdeano a contar mais umas mentirolas sobre a "ausência de poder", a derrota da nossa Força Aérea, pós Strella, Abril de 1973.

Abraço, grande António Rodrigues!

António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Fico-me por aqui:
Excelente, das coisas melhores que alguém alguma vez aqui escreveu. Quem quiser fazer a história da guerra da Guiné não precisa de estudar em grandes compêndios, basta ler este grande António Rodrigues - objectivo, despretensioso, isento, verdadeiro, humilde e sábio.
Um abração
carvalho de Mampatá

JD disse...


Camaradas,
Copá era um sítio tão bera, que nem precisava de guerra para ser mau. Estive ali apenas durante 15 dias, embora lá me deslocasse em colunas, mas era um desterro, um lugar onde as colunas rareavam e, frequentemente, faltavam os géneros, principalmente a cervejinha, uma espécie de antídoto para as crises psicológicas que, apesar de tudo, os grupos pareciam suplantar. Agora imagine-se o que foi ali viver sem água, melhor, aquilo a que normalmente designamos por água. Com aquela sucessão de acontecimentos, imagino Copá vazia de população (talvez a mesma que felizmente me rejeitou), vazia de alimentos, vazia de munições, e vazia de esperança.
São apenas alguns vazios que podiam abater-se sobre a nossa tropa, arrisco, por falta de sensibilidade e saber solidário da cadeia de comando, que mantinha o destacamento em condições quase indefensáveis.
JD

antonio disse...

Caro Amigo Francisco Baptista!

Obrigado por este para mim muito simpático comentário.

O que posso acrescentar não puxando a brasa à minha sardinha é que, estas minhas memórias da Guerra na Guiné, foram escritas pelo meu punho com a mesma emoção com que eu próprio as vivi.

Um forte abraço do amigo António Rodrigues.

antonio disse...

Meu prezado Amigo António Graça de Abreu!

É verdade, a Força Aérea apesar de tudo nunca nos abandonou, muitas vezes os seus FIAT G91 nos foram tirar de maiores aflições em Copá, inclusive de noite, quando a 7 de Janeiro de 74, pelas 22.20 horas nos mandaram um DAKOTA para tentar silenciar as bombas do PAIGC que nesse dia nos bombardeava impunemente à mais de 5 horas mas, infelizmente nessa noite as bombas que o DAKOTA despejou não surtiram efeito, o resto já está contado nos postes 14128 e 14208.

Infelizmente foi ali sobre Copá e Canclifã (este ainda mais martirizado do que Copá) que a FA perdeu o seu último avião na guerra.

Aqui deixo também o meu abraço Amigo aos camaradas Carvalho de Mampatá e ao José Dinis pelos seus simpáticos comentários.

Aproveito para informar que, lá para o próximo dia 12, será publicado aqui no Blog um último texto sobre a nossa retirada de Copá.

Um forte abraço deste vosso camarada e amigo.

António Rodrigues.



Joaquim Luís Fernandes disse...

Caros camaradas e amigos

Este relato fatual do valente e muidigno combatente António Rodrigues, mais do que uma descrição do que foram as condições de resistência desse pelotão de homens, quais condenados, às investidas violentas de um exército do PAIGC, bem armado, municiado e moralizado, é uma brutal denúncia ao modo como os Altos Comandos Militares conduziram aquela guerra.
Tantas são as perguntas que me ficam que nem sei por onde começar! E também já não interessa perguntar pois os responsáveis já não respondem.
Pelo menos fica para mim mais claro, o porquê do desfecho inglório para nós combatentes e para Portugal, daquela guerra para onde fomos mandados, alguns de nós,como carne para canhão.

Com uma Força Militar com mais de 40.000 homens, Exército, Marinha e Força Aérea, deixar 40 homens num "burako" durante mais de uma semana, a enfrentar um inimigo muitas vezes superior em homens e meios, sem capacidade (ou vontade) de os ir socorrer e reforçar, é chocante.

Com Altos Comandos assim, o que se seguiu com a descolonização não é de espantar! De fato, a defesa da soberania de Portugal sobre a Guiné, estava pelas ruas da amargura e pouco mais havia a fazer.
É que o mal residia em Lisboa e tudo contaminava.A desgraça há muito estava consumada.
Um forte abraço para o valente António Rodrigues.
Abraços para a Tertúlia

JLFernandes