quarta-feira, 6 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14576: Os nossos seres, saberes e lazeres (92): Bruxelles, mon village (Parte 4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 7 de Abril de 2015:

Queridos amigos,
Aqui vai mais uma dose comprimida de uma viagem a Bruxelas e arredores.
Fui a Lovaina, lindíssima cidade, aqui ficam uns disparos. Percebo aqueles que me dizem que aqui tudo é sombrio e o que se salva é a boa comida, não têm razão, nem sempre é sombrio, Bruxelas tem uma atividade cultural turbilhonante, é só escolher entre o étnico e o clássico, há imensos concertos gratuitos, exposições gratuitas também não faltam. E os parques são encantadores. E gostos não se discutem, também é verdade.

Um abraço do
Mário


Bruxelles, mon village (4)

Beja Santos


Hoje o dia é passado em Lovaina, estamos a falar da velha Lovaina, com universidade prestigiada desde a Idade Média, rica em património, venho também visitar gente conhecida, vou começar pela beguinage, uma relíquia consagrada como património da Humanidade, aqui viviam velhos solteiros ou viúvos e, como se pode ver pelas imagens, devem ter vivido com o conforto possível da época, são tempos de uma Flandres próspera.


Hoje a beguinage é exclusivamente habitada por professores e alunos, a manutenção é irrepreensível, a imagem também não é muito boa mas permite ver o tamanho de uma das muitas ruas deste conjunto habitacional de que restam poucos exemplares de toda a Europa.


Para mais informações, o prezado leitor tem esta inscrição em francês e inglês, com um bocadinho de esforço pode aumentar-se e fica-se com dados elementares sobre estes complexos habitacionais flamengos.


Temos aqui uma reabilitação à maneira, é bem possível que as casas medievais fossem assim, achei este edifício uma beleza, toca de o mostrar, pode muito bem acontecer que futuros visitantes da Bélgica se sintam atraídos por uma vida doméstica que foi recuperada e tem verdadeira ocupação, cheguei numa altura em que professores e estudantes regressavam a penates, por volta do meio-dia almoça-se. Tive sorte, era um dia friorento mas havia claridade, estas cores existem realmente.


Um dos desfrutes deste “condomínio” são os canais murmurantes, as árvores a florir, vi as magnólias já em botão, nesta altura devem ser um espetáculo de garridice, a contrariar céus tão tristonhos.


Esta gente não brincou com o restauro, veja-se esta fonte, parecem-me figuras do Renascimento, é um primor, sentei-me em frente, gosto cada vez mais das gentes que não enjeitam o seu passado e sabem aproveitar as técnicas de hoje para zelar pelo seu património. Isto não é só dinheiro, é respeito pelo pretérito, não se deita fora o trabalho desvelado dos ancestrais. Ponto final.


Lá vou vagarosamente a caminho da saída da beguinage, tudo cuidado à entrada e à saída, o que a UNESCO consagrou é motivo de zelo. Pois bem, passado o portão, tenho direito a nova surpresa, o “parque automóvel” está cheio…


Palavras para quê? Enquanto deambulava pela beguinage ouvia as campainhas, ciclistas a anunciar-se, tudo em grande correção. Está na hora de sentar à mesa, esta Lovaina é plana, vamos saboreá-la, a visita continua.


Este aparatoso Hotel de Ville não cabe todo na maquineta do fotógrafo amador, disparei várias vezes, é imagem que me parece mais elucidativa para dar as dimensões de altura e largura. Construção de muito bom gosto, luxo e aparato para que nunca ninguém dissesse que por aqui não passou a grandeza, o sentido do fausto.


Em frente ao Hotel de Villes está a Igreja de S. Pedro, outra desmesura, o fotógrafo amador bem se esforçou por captar uma imagem compatível, nada feito, o que se apanhava em altura perdia-se nos detalhes da pedra. Assunto de pouca importância, há muita riqueza no interior, olhem só para esta imagem, um exemplo carinhoso do tardo-gótico, o recamado do manto é de excecional beleza e vê-se que o menino está radiante de contente ao colo de sua mãe.


Outra desmesura, este púlpito é deslumbrante, nunca vi coisa assim, juro. Mas é impossível captar o todo, ao menos aqui fica o registo da base, é um trabalho escultórico extraordinário, tive um raio de sorte porque a igreja subitamente encheu-se de luz, é assim o tempo belga, escurece e depois temos umas nesgas de luminosidade. Cortou-se me o fôlego, nem acreditei no que estava a ver, estes tons acastanhados criam ainda mais a ilusão do movimento, tenho a impressão que se trata de S. Paulo quando caiu do cavalo, na estrada de Damasco.


Está na hora de ir visitar Christiane Zeghers e Hein Severijns, ela ceramista ele modelador de porcelana, ambos exímios, deles falarei mais tarde, já chega de inflação de imagens. Vim à procura de ranúnculos, margaridas e algumas tulipas. Gosto muito desta orgia de cores, pedi licença ao florista, ele respondeu que tinha muito orgulho em que mostrasse o colorido do seu estaminé. Aqui fica.


Faz de conta que já voltei a Bruxelas. Em passeata anterior esqueci esta imagem, com a câmara do Luís Graça, era certo e seguro que teríamos aqui a melhor panorâmica de Bruxelas. O sítio chama-se Mons des Arts, é uma escadaria soberba, vê-se a agulha do Hotel de Ville, o que se perde em amplitude dá-me a consolação de um céu tranquilo, azul, indiferente às nuvens sombrias que tenho por trás e que escurecem a imagem. No momento em que captei, e mal, a Bruxelas antiga, estava regalado porque tinha isto a portentosa retrospetiva Chagall. Mais tarde poremos a escrita em dia.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14542: Os nossos seres, saberes e lazeres (91): Bruxelles, mon village (Parte 3) (Mário Beja Santos)

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