quinta-feira, 21 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14642: Agenda cultural (401): Conferência "Filhos da Guerra", Festival Rotas & Rituais, 2015, Lisboa, Cinema São Jorge, 6ª feira, 22, 19h30... Participantes: Catarina Gomes (moderadora), Margarida Calafate Ribeiro (Os netos que Salazar não teve), Luís Graça (Que guerra se conta aos filhos?) e Rafael Vale e Reis (Filhos do vento: direito ao conhecimento das origens genéticas?)... Entrada gratuita... Às 18h, inauguração de exposição sobre o tema


Guiné > Zona leste > Região de Gabu >  Nova Lamgo > CCS/BART 6523 (1973/74) > O fur mil op esp José Saúde e a "menina do Gabu"... que não chegou a conhecer o pai..- Terá morrido aos 12 anos, segundo informação da mãe (foto abaixo).




Guiné > Zona leste > Região de Gabu >  Nova Lamgo > CCS/BART 6523 (1973/74) > A mãe da "menina do Gabu"


Fotos (e legendas): © José Saúde  (2011). Todos os direitos reservados.


(...) Era linda! Por ironia do destino não consigo lembrar-me do seu nome. Sei, e afirmava o povo com certezas absolutas, que era filha de um camarada, furriel miliciano, que anteriormente esteve em Nova Lamego. Era uma criança dócil. Meiga. Recordo que a sua mãe era uma negra, muito negra, com um rosto lindo e um corpo divinal. Conheci-a e verguei-me perante a sua sensibilidade feminina. Da menina, agora feita senhora, nunca mais soube.

Os seus cabelos eram loiros. Maravilhosos. De cor morena, e de olhos negros, a criança, ainda de tenra idade, era de facto graciosa. Simpática, e de sorriso aberto, a menina espalhava simpatia nos braços de um qualquer soldado… desconhecido. Perdi algum tempo a deliciar-me com a sua meiguice. Dei-lhe o carinho dos meus braços e o seu sorriso tenro transmitiu-me um infinito afecto. Hoje, lamento a ausência do seu nome. Ficou retida na minha memória a sua pequena fisionomia. A sua imagem dócil deixou-me saudades. A menina foi, afinal, mais um dos “filhos do vento” que marcaram os conflitos em África.


(...) Do pai nada se soube. Partiu. A mãe, uma cidadã comum de uma tabanca, conviveu de perto com uma menina nada parecida com outros meninos com os quais partilhava brincadeiras de crianças. E assim terá crescido. Com a minha saída de Nova Lamego perdi-lhe o rasto. Não sei qual terá sido o seu futuro. Será, hoje, uma mulher ilustre na Guiné? Terá procurado futuro num país distante? Ter-se-á encontrado com o seu pai? Será que ele a reconheceu como filha? Será que sua mãe, outrora esbelta e linda, fez dela uma mulher digna no seio do seu clã? Será que estamos agora na presença de uma cidadã guineense com nome internacional? Enfim, um rol de interrogações que me conduz à decência de procurar no infinito do horizonte alvíssaras da sua presença. Fica o pedido! (...) (*)



1.  Festival Rotas & Rituais, 2015 > Filhos da Guerra | Conferência

Lisboa | Cinema São Jorge
6ª feira, 22 de maio de 2015 | 19h30
Sala Montepio


Filhos da Guerra

Sinopse > Entre 1961 e 1975, cerca de um milhão de homens portugueses foram enviados para três frentes de batalha, na tentativa de manter um moribundo império colonial. Há uma geração de filhos que cresceu com histórias desta guerra, umas contadas, outras mais ou menos escondidas. Com o passar dos anos, os álbuns de fotografia foram sendo arrumados nas arrecadações de muitas casas portuguesas.

O que trans­mi­ti­ram estes pais sobre as suas expe­ri­ên­cias de guerra?

O que se pode con­tar a um filho? Terão alguns des­tes homens con­tado aos seus filhos por­tu­gue­ses que têm irmãos afri­ca­nos que nunca conheceram?

Nos sítios onde houve guerra, alguns des­tes ex-militares fize­ram filhos a mulhe­res afri­ca­nas. Na altura, havia quem lhes cha­masse por­tu­gue­ses sua­ves, hoje, filhos do vento. São homens e mulhe­res, que eram cri­an­ças e que hoje são adul­tos, e que con­ti­nuam a per­gun­tar “quem é o meu pai tuga?”.

Cata­rina Gomes


FILHOS DE CÁ E FILHOS DE LÁ | CATARINA GOMES

Jor­na­lista do Público há 17 anos e autora do livro Pai, tiveste medo? (edi­ções Matéria-Prima) que reúne doze his­tó­rias sobre a guerra colo­nial vista por filhos de ex-combatentes, sendo tam­bém ela filha de um ex-combatente. Do livro nas­ceu a repor­ta­gem Filhos do Vento. Em 2015, a jor­na­lista rece­beu o Pré­mio AMI – Jor­na­lismo Con­tra a Indi­fe­rença com duas repor­ta­gens, uma sobre o desa­pa­re­ci­mento de um pai que tinha Alzhei­mer (Perdeu-se o pai de José Car­los) e outra sobre his­tó­rias de filhos de doen­tes com lepra sepa­ra­dos dos pais à nas­cença (Infân­cias de Vitrine).


OS NETOS QUE SALAZAR NÃO TEVE ! MARGARIDA CALAFATE RIBEIRO

Dou­to­rada em Estu­dos Por­tu­gue­ses pelo King’s Col­lege de Lon­dres, é investigadora-coordenadora no Cen­tro de Estu­dos Soci­ais da Uni­ver­si­dade de Coim­bra e res­pon­sá­vel pela Cáte­dra Edu­ardo Lou­renço da Uni­ver­si­dade de Bolo­nha e apoio do Ins­ti­tuto Camões. Das suas publi­ca­ções destacam-se os livros África no femi­nino: as mulhe­res por­tu­gue­sas e a Guerra Colo­nial, Uma his­tó­ria de regres­sos: impé­rio, Guerra Colo­nial e pós-colonialismo e ainda, em con­junto com Roberto Vec­chi, Anto­lo­gia da memó­ria poé­tica da guerra colo­nial. Entre 2007 e 2011, coor­de­nou o pro­jecto Os filhos da guerra colo­nial: pós-memória e representações.


QUE GUERRA SE CONTA AOS FILHOS? | LUÍS GRAÇA

Soció­logo de for­ma­ção e dou­to­rado em saúde pública pela Uni­ver­si­dade Nova de Lis­boa, é inves­ti­ga­dor e pro­fes­sor uni­ver­si­tá­rio, além de direc­tor da Revista Por­tu­guesa de Saúde Pública´(desde 2007). Tem uma página pes­soal na inter­net sobre saúde e tra­ba­lho desde 1999, e desen­volve o blo­gue Luís Graça & Cama­ra­das da Guiné, desde 2004, um caso raro de par­ti­lha de memó­rias e afe­tos entre anti­gos com­ba­ten­tes da guerra colo­nial, com­posto por cerca de 700 membros.


FILHOS DO VENTO – DIREITO AO CONHE­CI­MENTO DAS ORI­GENS GENÉTICAS? |  RAFAEL VALE E REIS

Assis­tente con­vi­dado da Facul­dade de Direito da Uni­ver­si­dade de Coim­bra e inves­ti­ga­dor do Cen­tro de Direito Bio­mé­dico da Facul­dade de Direito, da Uni­ver­si­dade de Coim­bra. Inte­gra a equipa do Obser­va­tó­rio Per­ma­nente para a Adop­ção no âmbito do Cen­tro de Direito da Famí­lia da Facul­dade de Direito de Coim­bra. É autor de O Direito ao Conhe­ci­mento das Ori­gens Gené­ti­cas, publi­cado em livro pela Coim­bra Edi­tora em 2008.



Convite extensivo a todos os amigos e camaradas da Guiné (**)


2. Perguntas ao noss editor Luís Graça

A Catarina Gomes, jornalista do Público, que vai moderar a conferência, e que me comvidou para participar, mandou-me a seguinte mensagem ontem:

Caro professor,

Aqui lhe deixo algumas das perguntas a que gostava que tentasse responder na sua intervenção, que deverá ter 10 a um máximo de 15 minutos. O nosso painel [, Filhos da Guerra,] começa às 19h30, a exposição dos Filhos do Vento inaugura às 18h00.

  • Que guerra se conta aos filhos? 
  • Existe o direito ao silêncio?
  • Será que alguns destes pais contaram aos seus filhos que deixaram ou poderão lá ter deixado filhos?
  • Que relações eram estas entre ex-combatentes e mulheres locais durante a guerra?
  • Têm esses filhos direitos a procurar os seus pais? 
  • Têm estes pais direito a não ser encontrados?

Até sexta.

Catarina Gomes

__________

Notas do editor:


(...) Confirmava-me, recentemente, o camarada Amílcar Ramos, ex Furriel Miliciano BAA,  residente em Castelo Branco, e meu companheiro da Messe de Sargentos em Gabú, que no ano de 1999 visitou a Guiné e, como é óbvio, o Leste do País, sendo que dessa viagem ressalta uma visita a Bafatá e Gabú, locais onde prestou serviço, tendo então reencontrado velhos amigos e amigas que lhe comunicaram a morte da tal “Menina do Gabú"”.

Dizia-me o antigo camarada que ao ler os meus apontamentos (...) , decidiu contactar e elucidar-me sobre o infeliz desaparecimento daquela pequena flor que ousei trazer à estampa.(...) 


6 comentários:

Luís Graça disse...

OK, Catarina, vou procurar ser claro, conciso e preciso... Obrigado pelas perguntas... Vê-se que está habituada a fazer perguntas, como jornalista que é... E nada mais prático do que uam boa pergunta...

Mas não são perguntas de fácil, pronta e sobretudo dicotómica resposta (sim/não)...O mundo não é a preto e branco, e muito menos aquela guerra... A realidade só´
é a preto e branco para aqueles que têm uum "pensamento único"

Aquela guerra, sim, é que foi um espetáculo pornográfico. E nenhum de nós, de um lado e do outro, eramos "meninos de coro"...

Não quero dar apenas a minha opinião sobre os "filhos da guerra", vou tentar fazer uma síntese das diferentes "sensibilidades" do pessoal do nosso blogue em relação a estas questões... que de resto têm sido aqui debatidas ao longo dos anos...

A Catarina teve o mérito de dar visibilidade mediática a um problema esquecido, como muitos outros, e que tem a ver com os custos, diretos, indiretos e ocultos, de uma guerra que se passou a milhares de quilómetros das nossas casas... E que logo a seguir ao 25 de abril todos quisemos esquecer e fazer esquecer... Mas os esqueletos continuma nos armários da memória... E os filhos que nós fizemos comntimuam por lá, aqueles que sobreviveram... Não são só os "restos de tuga", são também os "restos dos combatentes da liberdade da pátria" e os seus aliados... Por que não invocar também os filhos dos russos e dos cubanos, em Angola, mas também se calhar na Guiné ? Por que não falar também dos netos de Cabral ?

Enfim, não lhe vou dar uma resposta politicamente correta, e muito menos ideológica, contrapondo chavões contra chavões...

Espero que os meus camaradas me ajudem, comentando aqui alguns destes pontos... e sobretudo comparecendo amanhã no nosso debate... Não esquecendo que, para além de lamber as feridas da guerra, é preciso sobretudo ajduar e apoiar aqueles que foram as suas vítimas... E muitos dos seus atores foram também suas vítimas...

Até amanhã. LG

Luís Graça disse...

Em complemento do que escrevi atrás, apraz-me registar e reconhecer publicamente que a Catarina Gomes, ela própria filha de um combatente, não é apenas uma jornalista competente e corajosa. É também uma mulher e uma portuguesa, generosa e solidária, que tem apoiado a causa da Associação Fidju di Tuga...

Ela é também uma "nossa filha", tendo em conta a partilha de informação e conhecimento que temos feito sobre a guerra e as nossas vivências e memórias... Nunca é demais, de resto, relembrar aqui ums dos nossos princípios, a de que os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são, mesmo que ela, por razões profissionais e deontológicas, não possa aceitar o meu convite para se sentar, formal e simbolicamente, à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande... Mas pode visitar-nos sempre que quiser e puder... Ela sabe que não temos portas nem janelas, nem valas nem abrigos, nem cavalos de frisa nem arame farpado...

Anónimo disse...

Jaime Machado
21 mai 2015 11:31

Caro Luis

Este assunto diz-me particularmente respeito.

Meu pai foi trazido do norte de Moçambique. Nasceu de um "amor" em tempo de guerra.

Nasceu na 1a guerra mundial no norte de Moçambique em Quelimane.

O meu avo (cruz de guerra de 1a classe) esteve lá no teatro de guerra nas margens do rio Rovuma.

Quando regressou num barco militar(!) trouxe com ele meu pai que adorei e adoro.

Abraço

Jaime Machado

PS - Segue foto, para publicar no blogue, do avô, de nome Antonio Rodrigues Machado. Combateu na 1a guerra mundial no norte de Moçambique.

Luís Graça disse...

Jaime:

E a tua avô, moçambicana? Presumo que tenha ficado lá...O teu pai tinha memórias da mãe ? Falava dela e da sua terra natal ? Com,o foi a integraç~ºao do teu pai qaundo regressou com o reu avô ? Foi (ou sentiu-se) discriminado ? Desculpa fazer-te estas perguntas, mas são importantes para se conhecer a mentalidade da época...

Pelo que percebi o teu pai ainda é vivo!... Se sim, bato-lhe a pala, mando-lhe um alfabravo!...

É bom ouvir dizer, a camaradas como tu, que o nosso pai é o nosso heroi...

Torcato Mendonca disse...

Olá Luís que tenhas boa tarde e que te apliques, como costumas, a responder aquele questionário.

Assunto, tema ou que quizerem chamar dificil e já aqui trazdo por esta Jornalista, pelo Zé Saúde (olá Zé um abraço), e mais alguém que não recordo. Hoje aparece o Jaime das Daimler's, com frontalidade a falar do Pai.
Tenho e li, confesso que em apressada 1ª leitura, o #Pai, tiveste medo?#. -Claro, digo eu. Fugi do tema dos filhos que os militares lá deixaram...não gosto de "filhos do vento"...mas é assunto que, se me fôr permitido quero escrever seguindo as questões que rte foram colocadas.

--Não esqueçam os tantos filhos de pai incógnito que o nosso país tem...etc

Abraço, T.

Luís Graça disse...

Torcato, obrigado por nos vires lembrar o grave problema social que, historicamnente, foram os "espoxtos", as crisnças abandonadas na "roda"...Aqui tens um excerto de um texto sobre as Misericórdias;

(...) Recuando até às origens, é de referir que o Compromisso primitivo da Misericórdia de Lisboa incluía já um notável conjunto de disposições com vista à: (i) realização dos seus fins; (ii) garantia da boa administração dos seus bens; e (iii) preservação do seu espírito original, cristão e humanista. De entre as formas de assistência que estão profundamente ligadas à história da SCML contava-se, desde 1543, o acolhimento e a educação de órfãos e de crianças abandonadas.

De facto, foi por carta régia de D. João III que foi transferida para a SCML, em 1543, o encargo de acolher as crianças abandonadas. Na altura era muito frequente (e socialmente aceite) o abandono de crianças em qualquer lugar público (igrejas, conventos, etc.), pelo que se criou a chamada Roda dos Meninos Expostos. Até 1543 estas crianças tinham ficado ao cuidado de amas, no âmbito de um serviço criado e gerido pelo Hospital Real de Todos-os-Santos.

É com o Marquês de Rio Maior, Provedor da SCML entre 1869 a 1888, que se encerra definitivamente a tristemente famosa e polémica Roda dos Meninos Expostos.

Para se ter uma ideia da situação das crianças em risco nessa época, basta referir que em 1862, a taxa de mortalidade infantil no nosso país era estimada em 220 por mil. Nos finais da década de 1880, só nas cidades de Lisboa e Porto faleciam, em média, 296 crianças até a um ano de idade, por cada mil nados-vivos (!). Por outro lado, o abandono de crianças não parava de aumentar, a avaliar pelas entradas de expostos na SCML: 1440, em 1781; 1617, em 1800; 1735, em 1826; 1909, em 1837; 2319, em 1845 (Graça, 1996). (...)