sexta-feira, 19 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14772: Filhos do vento (37): Nos trilhos de crianças nos tempos da guerra colonial (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem. 

Nos trilhos de crianças nos tempos da guerra colonial
“Filhos do Vento” 

Obrigado Catarina Gomes! 

Falamos a mesma linguagem. A linguagem jornalista, aquela que nos foi e é peculiar nos tempos que ocorrem e no preciso momento de informar. O contexto, o nosso, é uníssono. Sabemos de como tratar o assunto. Sabemos, também, o impacto da informação junto a um público que anseia a justeza de comunicação. 

Vi reportagem na SIC sobre o encontro de um pai, passados 40 anos, com um filho que deixou em Angola. Revi, simultaneamente, a minha ousadia quando um belo, repito, belo dia, desmitifiquei preconceitos sociais e “histórias da carochinha” contadas entretanto por caminhos ínvios de antigos camaradas que sempre mantiveram tabu sobre as nossas presenças num palco de guerra que nos foi substancialmente cruel. 

“Filhos do Vento” foi uma temática que tentei passar para a opinião pública sabendo de antemão o desconforto que a narrativa pudesse eventualmente trazer no conceito social. Porém, avancei despido de preconceitos que o tema tinha, com certeza, motivos adjacentes que poderiam guindar-se a níveis superiores e elevar bem alto o absolutismo de realidades que nós, antigos combatentes, deixámos em pleno palco de guerra. 

Confortam-me os depoimentos de homens que assumem essas realidades. Constatei a última sondagem feita no nosso blogue sobre uma temática que tem levantado celeumas. Claro que acredito fielmente nas convicções dos antigos camaradas. Todavia, nem todos foram santos. Houve, também, pequenos “diabos à solta” cujas diabruras sexuais foram motivos evidentes que em momentos de eufóricos êxtases carnais fecundaram seres que viveram angustia de jamais conhecerem os verdadeiros progenitores. O pai que se perdeu numa devastada penumbra. 

E foi justamente na base deste pressuposto em saber separar as águas que antiga guerra colonial nos impôs, que desafiei desbravar o “cabo das tormentas” e colocar na ribalta os “Filhos do Vento”, cujo atrevimentos me confere aureolas de lisonjeiras verticalidades que o tempo acabaria por confirmar. 

O desígnio ocorreu-me, talvez levianamente, admito, reconhecendo, por outro lado, a influência que o nosso blogue – Luís Graça & Camaradas da Guiné - confere no contexto nacional e internacional. Aliás, é líquido que revejamos o excelente trabalho feito pela jornalista de “O PÚBLICO”, Catarina Gomes, que tem trazido até nós excelentes momentos de reportagem sobre crianças, hoje homens e mulheres, que por lá ficaram e que sempre ansiaram conhecer o homens que esteve na origem da sua vinda ao mundo dos mortais. 

Creio que abri um caminho, outrora quiçá impensável, para um reencontro de afetos familiares que pareciam perdidos no tempo. 

Com o dever cumprido este antigo combatente na Guiné, alentejano assumido e nascido em Aldeia Nova São Bento, tendo na cidade de Beja a sua terra de adoção, partirá um dia para a tal viagem sem regresso transportando consigo uma mala de eternas recordações onde à superfície emerge o profícuo reconhecimento de uma história que não fora a minha ousadia morreria, quiçá, no limbo do esquecimento. 

E é neste desafiar de memórias que remeto os camaradas para esporádicas revisões que, a espaços, contemplam lembranças de um passado que jamais deveremos olvidar. 

O palco do conflito armado nas antigas colónias – Angola, Moçambique e Guiné – trouxe inequívocos resquícios de um passado que outrora mexeu com a nossa sensibilidade humana, mormente quando as nossas idades joviais traçavam planos onde o sexo emergia à tona das nossas mentes. 

Conheço há muito o mundo do jornalismo e aproveito, uma vez mais, para enaltecer o trabalho desenvolvido pela Catarina Gomes no que concerne ao seu trabalho sobre o desígnio “Filhos do Vento”, em concreto, uma temática que eu em boa hora trouxe a público. 

O meu agradecimento é, obviamente, extensivo ao nosso camarada e amigo Luís Graça pela oportunidade dada.


Um abraço camaradas, 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

18 DE JUNHO DE 2015 > Guiné 63/74 - P14764: Filhos do vento (36): SIC, Jornal da Noite, hoje, 4ª feira, 18, 20h00-21h30; e revista do jornal "Público", domingo, 21: "Tivemos a felicidade de acompanhar o António Bento, que esteve em Angola entre 1973 e 1975, e era furriel, e ir com ele ao encontro do filho que ele nunca conheceu, deixou a mulher com quem viveu durante um ano grávida" (Catarina Gomes, jornalista)  

1 comentário:

Hélder Valério disse...

Caro camarada José Saúde

Tens todo o mérito de ter levantado a questão.
O 'nome' , do "vento", do pó", etc., pouco importa.

Já muito se escreveu sobre o tema, muito de forma empolgada, mas a questão mantém-se de que, neste momento da vida, se houver alguma coisa a "assumir" é do foro pessoal e podemos ter alguma apreciação moral mas não podemos, nem devemos, impor nada a ninguém.

A reportagem e o escrito estão intrinsecamente correctos, sem demagogia.
E isso já é muito bom.

Abraço
Hélder S.