sábado, 27 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14802: Cancioneiro de Buba: "Oh! Xenhôr dos Matosinhos /, Oh! Xenhôra da Boa-Hora,/ Ensinai-nos os caminhos /P'ra desandarmos daqui p'ra fora!" ...(Manuel Traquina, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2382, Buba, 1968/70)



Manuel Traquina, ex-fur mil at inf,
CCAÇ 2382, Buba, 1968/70,

1. Diz o Manuel Traquina, alentejano, no poste  P7324 (*), que os seus 24 anos, passados em Buba, no dia 5 de junho de 1969, foram celebrados como deve ser e melhor regados com uísque do bom. 

Tinha já ele dois anos e meio de tropa e ainda lhe faltava mais um ano para a peluda, se lá chegasse com vida e saúde... Estava mais que farto... Estava "farto deles"... Estávamos todos "fartos deles",. camarada... 

"Eles" era muita gente, mas cada um lá sabía dos seus ódios de estimação...Nessa altura,. eu tinha apenas uma semana de Guiné, e já tinha chegado a Contuboel onde puseram a funcionar um pseudo centro de intrução militar... Éramos mais de 400, entre instrutores
e recrutas, a CART 2479 e a CCAÇ 2590 (reduzia a 60 gatos pingados)... Os nossos recrutas, do recrutamento local, eram mais de 3e deram origem às futuras CART 11 / CCAÇ11 e CCAÇ 12...


Ao fim de seis meses eu também já cantava o "Eles não sabem nem sonham / Que o sonho comanda a vida / E que sempre que um homem sonha / O mundo pula e avança / Como  bola colorida / Entre as mãos de uma criança".. O poema era do António Gedeão, lembram-se ?...

Não admira, por isso, que a canção favorita em Buba, por esses tempos, fosse o "senhor de Matosinhos", com o Cardoso da 15ª Companhia de Comandos, à viola, e o Gonçalves da CCS do Batalhão 2834, no acordeão...

Cantava esta e outras, ao fim de seis meses, já "apanhado do clima"... Não admira, por isso, que o "senhor de Matosinhos"  fosse uma das canções favoritas da malta da Guiné, cantarolada por muitos de nós, nas noites de álcool, camaradagem e solidão... Não só por ser brejeira e divertida mas também pelo seu refrão, a que dávamos um sentido e um tom, sarcásticos, de contestação à tropa e à guerra... Em Buba, em Bambadinca, em muitos outros sítios... Julgo que a maior parte da malta não sabia a letra completa, mas todos sabiamos ao menos o refrão, muitas vezes cantado à moda do norte:

Oh! Xenhôr dos Matosinhos,
Oh! Xenhôra da Boa-Hora,
Ensinai-nos os caminhos
P'ra desandarmos daqui p'ra fora.


2. Aqui fica a letra. recuperada de um sítio dos escoteiros, e reproduzida com a devida vénia... [Ar livre > Escotismo > Cancioneiro].

Li algures, mas ainda não pude confirmar, que o autor (da letra e da música) seria um tal Avelino Carneiro (1907-1961), natural de Telheiro, São Mamede de Infesta, Matosinhos, talentoso autor, amador, de alguns peças de teatro de revista (, a primeira das quais terá sido, em 1942, "O senhor de Matosinhos), levadas a cena no Porto mas também em Lisboa, no parque Mayer. 

Nada como a malta de Matosinhos para me esclarecer sobre este ponto... Por falta de tempo, não pesquisei mais nada sobre o "senhor de Matosinhos" que eu devo ter ouvido, pela primeira vez, na Guiné... E confesso que nem sequer sabia bem onde ficava Matosinhos... Só lá fui depois do 25 de abril, não à festa mas à terra, de gente boa, trabalhadora e hospitaleira... LG


Pom pom...

Da chidade da birgem, os dois,
Nós biemos há dias para cá,
A biagem foi bom mas depois
Ninguém biu o que a gente biu já.

Dizem que lá por Lisboa
A bida é boa, boa bai ela,
Mas só se bêem p'las ruas
Catraias nuas, ó lariló lé las.

Por isso como em Paranhos
Há paus tamanhos que é de 'spantar,
Na Baixa ou no Arrebalde
São de ramal os paus no ar.

Refrão

Oh! Xenhôr dos Matosinhos,
Oh! Xenhôra da Boa-Hora,
Ensinai-nos os caminhos
P'ra desandarmos daqui p'ra fora.

Pom pom . . .

Sant' Antoninho da Estrada,
Não digas nada, de tudo isto,
Quinté já sinto ingonias
Das porcarias que tenho bisto.

Ind' ontem ali na abenida,
Uma astrebida de perna à bela
Quis m' agarrar na mãozinha,
Mas, coitadinha, lebou com ela.

Refrão (...)



_____________

  Nota do editor:

(*) Vd poste de 23 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7324: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina (8): Dia de Aniversário

2 comentários:

Anónimo disse...



Camarada Manuel Traquina, eu estive 17 meses, em Buba na C.Caç. 2616, que terá rendido a tua. Fui somente em Março de 1970, render um camarada que tinha morrido.
Confesso que quando lá cheguei, já ouvia cantar as canções do Senhor de Matosinhos.
Por causas várias, que todos conhecemos, os meus camaradas, já estavam cansados e com muitas saudades de voltar às suas terras. Não compreendi logo, mas compreendi mais tarde as canções e os gritos dos "apanhados do clima" sobretudo quando eles regressaram e eu tive que ir mais 7 meses para Mansabá. Bons camaradas os da Cart. 2732, onde esteve o nosso grande camarada Carlos Vinhal, sempre presente, sempre activo, o Inácio Silva, tão simpático, quando eu me apresentei no blogue e que não encontro há tanto tempo, O Jorge Picado, que passou por lá, um veterano simpático e participativo. Tantos outros, recordo muitos sem os saber nomear. Agradeço a todos esses camaradas de Mansabá, para onde fui remetido, sem protestos meus, já farto da Guiné, mas com saudades de Buba e de Brunhoso, a minha terra natal, a hospitalidade e amizade com que fui recebido por todos e pensando bem a paciência que terão tido comigo.
Aos de Buba e aos de Mansabá, um grande abraço.

Francisco Baptista

Luís Graça disse...

Também se entoava em ASngola,, o "senhor de Matosinhos"... LG

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(...) Reparei na carga da última viatura. Trazia caixões. Todos do mesmo tamanho, tanto valia que o morto medisse um metro e noventa como um metro e sessenta. A talha era a mesma. Na escuridão da noite eram metidos, a toda a pressa na torre da Igreja.

Fiquei só, por uns instantes, sentado debaixo de uma enorme cruz de ferro, sobranceira ao cemitério, iluminada por um gerador eléctrico. Olhava a escuridão das matas, o perigo, as últimas queimadas amortecidas pelo cacimbo da noite, as hienas que passavam rentes ao cemitério, reclamando sangue humano.

Entretanto fui para os meus aposentos. Em cima do meu colchão pneumático, deitei-me com o camuflado empoeirado da viagem. A soldadesca movimentava-se sem destino. Ouvia vozes ébrias cantando: «Ó Senhor de Matosinhos, ó senhora da Boa Hora, ensinai-nos o caminho daqui para fora»... Eram os «velhinhos» que partiriam na madrugada seguinte!
Não adormecia. Estava vigilante. A cada passo enxugava as lágrimas com a ponta do dólman. Tinha pouco mais de vinte anos, estava longe da família e de alguns dos meus melhores amigos. (...)

Excerto (pág. 37) retirado de:

CENTRO DE INSTRUÇÃO DE COMANDOS | REGIÃO MILITAR DE ANGOLAn ! BELO HORIZONTE – CAMPO MILITAR DO GRAFANIL ! L U A N D A


Extractos do meu Diário de Guerra e (Paz)
ANTÓNIO ADRIANO DUARTE GAMA
Alf. Mil. “COMANDO”
CIC / RMA

AGRUPAMENTO SIROCO – 1971 ! AGRUPAMENTO RAIO – 1972 e 1973

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