quarta-feira, 1 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14819: Os nossos seres, saberes e lazeres (103): Tomar à la minuta (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 2 de Junho de 2015:

Queridos amigos,
O Convento de Cristo tem um polo magnético, atrai e nunca repele. Domina a cidade, é o ADN da Reconquista, do fervor das cruzadas, o alfobre da Ordem de Cristo, indo por aí fora chegamos mesmo à industrialização. E há igualmente a história que se omite ou que se encara como uma acidentalidade: as suas belas quintas, o romanço do Nabão, as capelas, o lugar de encruzilhada. E há também outra evidência, o fervor do Espírito Santo, que se irá manifestar em Julho na grandiosidade desse rio místico que dá pelo nome da Festa dos Tabuleiros.

Um abraço do
Mário


Tomar à la minuta (6)

Beja Santos


Não acredito que exista no mundo uma rotunda tão fluorescente, flamejante, mística e grandiosa como esta. E não é só a rotunda e os seus apelos aos guerreiros da Ordem do Templo que aqui vinham buscar tónus e ardor para a missão que os esperava, algures no Próximo Oriente. E depois é envolvente, a mais estranha simbiose de retábulos dourados, de prodígios da figura flamenga, nunca se viu tão desmesurada convocação do Antigo e do Novo Testamento. É por isso que vou e venho, regresso e parto, com bonomia e vivacidade, sei que há muito a aprender, até gente admiradora da cabala aqui vem fazer as suas preces, à procura de mensagens encriptadas templárias. E o que seria a vida sem este furor misterioso dos segredos templários?


Bom, nesta imagem nada há de transcendente, há mesmo para ali um escusado negrume. É só para vos mostrar como os artistas de D. João III quiseram entaipar os delírios manuelinos, não serve qualquer prédica de moral, mas fico triste como foi possível, sei lá se por pretexto religioso, por zanga de filho contra o pai, este atentado de lesa-cultura, emparedara a beleza do altissonante manuelino.


Isto de ser turista encartado tem as suas vantagens, adquire-se um bilhete sénior e é um regabofe, entra-se e sai-se sempre na mira de apanhar detalhes com luz suficiente. Foi o caso destas lápides, a construção do convento não escapou à regra das reciclagens e confesso que gosto do resultado, é assim em toda a parte do mundo. Já vi uma imponente casa senhorial inglesa construída com pedras pilhadas de abadias medievais, o efeito é surpreendente, lembra certas igrejas de Roma e os aproveitamentos dos templos imperiais. Não faz mal, a gente aprende a ler a História ao contrário, às vezes dá jeito.



À entrada do convento temos esta imagem belíssima, vibro com as cores do panejamento do Pai Celeste e a ternura com que suporta o seu Filho Unigénito. Vou deambulando, vejo túmulos em série, alguns deles encravados em nichos, o resultado é espetacular. Quem não sabe é como quem não vê, é o meu caso mas que gosto gosto, e muito. E não se discute mais.


O que aqui me atrai é o ângulo da charola, parece que se embebe à torre cimeira, e depois há o verde, a Primavera tem o dom de gerar estas luminescências, estes sombreados, até parece que a charola ganha tons púrpura, ao sol do meio-dia, fica uma charola afogueada.




E pronto, voltei à charola, agora sim tenho a luz que preciso para me deslumbrar com este arco mandado fazer pelo Rei Venturoso, é um forrobodó de cores, a seguir temos pintura da muito boa, não só a charola foi restaurada como se limpou toda a arte envolvente, esta capela parece que tem lingotes de ouro, fico enternecido com as dimensões do altar e o equilíbrio que lhe dá a imagem. Questiono se esta disposição vem assim do passado, não importa, o que estou a ver e a emoção estética é que prevalecem.


Do lado de fora está a janela do capítulo, enganei-me na hora para captar a boa luz, peço desculpa, mas há acidentes que ajudam a ver melhor aquelas nervuras que parecem puzzle e que aumentam, por ilusão ótica, a altura da sala do Capítulo. É um bonito acasalamento entre a sobriedade e a espetacularidade de nervuras tão singelas.



Chegou a hora de nos despedirmos do Convento de Cristo, um espaço muito procurado por esotéricos e cabalistas. É uma formosura sem par, está aqui alguma da melhor pedra cinzelada que se pranta no nosso território, lindas galerias e claustros, veja-se este pormenor e pergunte-se o que seria deste monumento se estivesse aprimorado de uma ponta à outra. Agora o turista desanda para outras paragens, quer captar pormenores aquém e além deste vigor transcendental templário. É só uma questão de nos pormos a caminho. Tomar é inextinguível, é uma história interminável.

(Continua)
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Nota do editor

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