quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P14995: Os nossos seres, saberes e lazeres (110): Un viaggio nel sud Italia (1): De Roma para Salerno (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Julho de 2015:

Queridos amigos,
Era um sonho antigo, por razões de trabalho ou por lazer puro, cirandei ao longo dos anos entre Veneza e Milão, Florença e Pisa, Roma e outras espetacularidades conhecidas e apetecidas.
Gostava de dar uma saltada ao Sul, chegou o tempo propício. Uns pozinhos de Roma, uma fornalha que nenhuma água aplacava. E depois Salerno, escolhida para epicentro das incursões de sonhos da juventude, caso de Pompeia e não resisti à curiosidade mundana de ir até à Costa Amalfitana.
Como muitos de vós, li na juventude O Livro de San Michel, de Axel Munthe, fiquei sempre com curiosidade em confirmar aquelas belezas de Capri e arredores. Não me deslumbraram, com a suprema exceção da catedral de Amalfi.
Adiante falaremos.

Um abraço do
Mário


Un viaggio nel sud Italia (1)

Beja Santos

De Roma para Salerno

Visitei Roma pela primeira vez em 1985, vinha de uma missão da FAO em S. Paulo, Brasil, por ali andei quatro meses e meio com um projeto de educação alimentar, superentendia um chileno formado em Harvard, o prof. Hugo Amigo. Aqui arribei em 20 de Dezembro, e o encarregado do projeto submetia-me diariamente a sessões de trabalho, com base no meu relatório. Saía cedo do hotel e entrava no edifício da FAO, entre as Termas de Caracala e o Circo Máximo, tinha direito a estas vistas à hora de almoço. A 22 à noite, pedi para ir fazer compras, regressava a Portugal a 24. Um tanto à má-fila, concederam o dia seguinte, traria ainda trabalho para Portugal, era a moeda de troca. Naquele tempo S. Pedro estava aberta todo o dia mas os Museus Vaticanos tinham horário de funcionamento entre as 8h30 e as 14h. Comecei o dia na Capela Sistina, nunca me arrependia da escolha, passei todo lampeiro pelas obras de Rafael e tantas tentações por todas aquelas salas. Depois fui a S. Pedro, a tensão em que vivera todos aqueles meses com relatórios diários, reuniões intermináveis e o obrigatório trabalho de casa fizeram-me explodir em lágrimas frente ao túmulo de S. Pedro, foi uma cena de tal ordem que vieram perguntar se eu precisava de um médico.

Desta feita, a jornada centra-se em outros sonhos da juventude, Pompeia, a Magna Grécia, quero conhecer Nápoles, depois ir até Tivoli e depois Assis, e vaguear em Roma até apanhar o voo da Ryanair. Os alojamentos são proibitivos, andei à procura do mais chunga com comentários de haver higiene no habitáculo. E depois de muito consultar, Salerno era a cidade que oferecia melhores preços para ir a Pompeia, visitar a Costa Amalfitana e Nápoles. E assim se decidiu. E a 24 de Junho à noite, com um calor insuportável cheguei à Via Palestro, perto da estação terminal. Logo de manhã, atirei-me aos meus deveres.


Impressiona-me a arquitetura romana, quando se formou em Itália, no século XIX, havia que mostrar a estirpe e fazer uma cidade imperial, em 1911 os italianos conquistaram a ferro e fogo a Etiópia. As casas parecem palácios e olhar para as grandes portadas não é perda de tempo, há para ali escultura de grande valor. Ali perto da Piazza dei Cinquecento encontrei estes motivos escultóricos, comecei logo a trabalhar, veio um segurança aos gritos, as fotografias eram proibidas, tratava-se de um tribunal, pus um sorriso amarelo, esta já cá canta, Roma dá-me o que eu gosto.


Aqui está um bocadinho da fila em que me meti, duas horas de andar vagaroso, com uma garrafa de litro e meio, o calor já desabrochou, tirei muitas fotografias neste andar penitente, só vos mostro e esplendor de uma parte da colunata de Bernini, recentemente restaurada, o céu é enganador, parece translúcido com aqueles farrapos de nuvens, mas dardeja uma temperatura insuportável.


Para chegar aqui, junto da minha escultura preferida de Michelangelo, levei os encontrões da praxe, e fiquei embatucado pois esta beleza excede-me, também ela é enganadora. Circulam imensos vídeos sobre a Pietá, percebe-se que esta escultura é poliédrica, pluridimensional, para perceber como Cristo está morto e parece levitar, e este ângulo da imagem não permite ver sua Mãe no maior sofrimento deste mundo, até parece resignada. Custa sair dali. Michelangelo terá sido um homem de fé e mais do que o génio do artista o que eu lhe agradeço é a forma como comunica o sentido de dar a vida pelos outros, o núcleo da mensagem deste mármore de Carrara.



Quando se circula por S. Pedro com uma câmara tão rudimentar como a minha não vale a pena supor que é possível captar cúpulas, o baldaquino de Bernini. E não me entusiasma andar a fotografar papas, mesmo o meu querido João XXIII, embalsamado e iluminado. Assim, andei lampeiro à procura de detalhes do barroco opulento, fiquei-me por estes dois, acho-os de primeira água. Percorrido o maior templo cristão ao cimo da terra, vim gozar das delícias que a praça oferece, e não são poucas.


Apostei, veja-se a minha ingenuidade, que era possível fotografar a fonte a escorripichar para dentro do tanque. E que alegria tive quando vi que a imagem premiara tanta crença, tanta fé. Saio do Vaticano, quero um pouco de Roma, só ao fim da tarde é que parto para Salerno.



A câmara voltou a trair-me, ficaram impróprias para consumo imagens de castelos, fachadas, vestígios da Roma Imperial. Ficou incólume esta ponte sobre o Tibre e esta fonte na Piazza di Spagna, a sede atormenta-me, o calor não abranda, o melhor é almoçar, apanhar o metro e ir buscar os trastes ao albergue. O comboio parte à hora, menos três horas depois sou despejado em Salerno, pouco sei da cidade, por aqui desembarcaram os americanos em 43 depois de despejarem umas bombas, à frente da cidade estende-se o golfo com o mesmo nome.



Registei no meu canhenho que aquela igreja, mesmo à saída da agre ferroviária, se chamava igreja do Sagrado Coração de Jesus. Atraíram-me as esculturas em bronze da porta principal, tirei imagens mas estraguei-as, é um dos meus dons de amador. Por ali cirandei, gostei deste púlpito que tem reminiscências dos trabalhos da família Della Robbia, e fiquei emudecido com este sacrário, também moderno, parece um trovejar de ouro dentre um obscuro altar lateral. E ponho-me a caminho dentro do casco histórico, o quarto agora faz parte de um bed and breakfast, é simpático e tem ar condicionado. À saída dou com um jovem que é de Macedo de Cavaleiros e se diplomou na Covilhã em Economia da Energia, vem fazer aqui uma conferência. Lá fomos jantar um menu económico, estou a cabecear de cansaço e não prevejo as surpresas da manhã seguinte.



Limpo e pequeno-almoçado, a fazer fé no documento sobre as belezas arquitetónicas de Salerno, vou conhecer a sua catedral, dedicado à Virgem Maria e a S. Mateus. Já estamos no Mediterrânio Central, aqui o diálogo entre civilizações é uma constante. Gosto da cor da pedra e do vistoso que permite toda esta série de reminiscências bizantinas. E este imenso átrio de onde parece levantar-se esta espetacular torre sineira é a imagem que nunca mais me sairá da memória.



O Museu Diocesano de Salerno, acoplado à catedral, tem duas raridades de fama mundial. Primeiro, uma coleção de marfins (que se aproxima das 70 peças) que constitui o conjunto mais completo da cristandade medieval, pensa-se que do século XIII. São tão belos que os poucos que restam encontram-se no Louvre, no Museu Metropolitano, no Hermitage, em Berlim, Budapeste e Hamburgo. Só para ver estas peças justifica-se vir a Salerno. São temas do velho e novo testamento, o que aqui se mostra é a expulsão de Adão e Eva do paraíso, presumivelmente os dois a trabalhar e depois a Natividade e o anúncio dos pastores. Mas há mais, o museu conserva 11 folhas de pergaminho iluminadas do Exultet (o pregão da Páscoa) que datam de princípios do século XIII e que ilustram a oração que se recita na noite de Sábado de Aleluia. Consolado com tanta beleza, misturo-me com a pequena multidão que se passeia pelo casco histórico. Sente-se a maresia, mas apetece estar à sombra, tomar o pulso a esta pequena cidade que conheceu os horrores da II Guerra Mundial, mesmo na baixa intensidade.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14973: Os nossos seres, saberes e lazeres (109): Tomar à la minuta (11): Vinde, Divino Espírito, aqui estão os tabuleiros da nossa fé (Mário Beja Santos)

3 comentários:

José da Palma Vargues disse...

Em 1997, fui a Itália em trabalho.Estava ligado a uma empresa de pronto a vestir.Neste caso fui com a minha sócia,para trazer uma representação de lamgeries e perfumes.Foram quatro dias fantásticos.Os nossos anfitriões levaram-nos a bons restaurantes, mas tiveram a lembrança de num Domingo nos levar a passear.E vi que os italianos têm uma hábito de passear em família a ver os monumentos.Coisa que aqui não temos esse hábito.É mais para os turistas.Também vim a saber que a Itália protege muito os seus momumentos.Dinheiro bem gasto não tenha dúvida.
Gostei muito das suas imagens, dos munomentos, pois a Itália, não podemos esquecer do grande Império Romana e como Roma era adorada.Também gostei de ver o gosto que as pessoas têm de á noite írem comer o seu galado.Mais uma maneira de convívio familiar e não só.
Um abraço
José Vargues/Ex 1ºCabo Escriturário nº609/64 CCS/Batalhão 733/1964-1966

Antº Rosinha disse...

Pois é BS, tinhamos procuração para levar essa cultura romana para a Guiné.

Fizemos o que nos mandaram, e aquela gente apreciou tanto e gabámos tanto essa cultura, que hoje a Itália está sendo invadida por «turistas curiosos» africanos.

José da Palma Vargues disse...

E já agora, por falar de turistas curiosos "africanos" e não só.Pois temos que esperar o pior.Na medida em que esses povos,da África,Síria,etc, vão sabendo o que há na Europa e o estilo de vida de alguns, porque infelizmente nem todos viven sem necessidades, pois não nos podemos esquecer do que vimos na Guiné. Não faço ideia do rendimento per cápita daquelas pessoas,qualquer dia não conseguimos suster aquela gente.Eu em Farim estava instalado num quarto, com mais três camaradas e tinhamos um fascina nativo e eu é que lhe pagava.Já não me lembro, mas daria 50 pesos mensais.Eu perguntava-lhe se chegava.Ele respondia que não. Mas quanto querias.Ele respondia,possoal miste uma casa cheia de pesos, para comprar tudo o que precisava.