sábado, 29 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15054: Estórias cabralianas (88): A bebé de Missirá (Jorge Cabral)

1. Mais uma estória do "alfero" Cabral que, na outra incarnação, foi alf mil art, Jorge Cabreal, de seu nome, cmdt do Pel Caç Nat 63, Guiné, zona leste, setor L1 (Bambadinca), tendo comandado destacamentos  como  Fá Mandinga e Missirá, 1969/71... 

Especialista em direito penal, professor do ensino superior universitário, reformado, o "alfero" Cabar é  o notável, ternurento, inconfundível, inimitável,  talentoso, genial autor desta série, "estórias cabralianas", que há muito procuram a editora que ele merece...  Ninguém, como ele, para escrever uam história curta, "short story", de três ou quatro parágrafos, capaz de nos fazer sorrir, emocionar, amolecer, rir, chorar... Ele é o mestre do fino humor de caserna que se cultivava na Guiné, no tempo em que os tugas ainda andavam por lá a defender os pergaminhos dos seus avoengos de quinhentos...

É aqui, no nosso blogue, no blogue da Tabanca Grande, que ele tem os seus melhores (e maiores) leitores e fãs desde pelo menos 2006 ...  Estas "estórias do outro lado da guerra" (88,  com esta última!) já há muito que mereciam ser reunidas em livro... E, quando o forem, vamos fazer um "grande ronco"!... Até lá, boa saúde, bons encontros, alfero!.. (LG)

2. Estórias cabralianas (88) > A bebé de Missirá

por Jorge Cabral


Só no início de julho de 1969, quando o Pelotão se preparava para ir para Fá é que descobri que além dos vinte e quatro soldados africanos, contava com as respectivas mulheres, filhos, cabras e galinhas…

Instalados, o quartel virou tabanca, animada com as brincadeiras das crianças e os risos das mulheres. Todos os soldados fulas eram casados e alguns com mais de uma mulher, pelo que existiam sempre grávidas e partos. 

Em fevereiro de 1970, com a chegada dos Comandos Africanos, a animação acabou, pois as famílias tiveram de sair, indo para uma pequena tabanca, que ficava muito perto.

Quando em setembro marchámos para Missirá,  a alegria foi geral. Cambámos o Geba em Bambadinca, com a ajuda de uma Lancha da Marinha,  atravessámos a pé a bolanha de Finete em algazarra e alcançámos o nosso destino. Às mulheres dos soldados acresciam agora as dos mílicias e da população civil. Não exagero se disser que nasciam pelo menos uns dez bebés por mês. Quando o parto estava a correr mal chamavam o Alfero, que algumas vezes e de noite, teve de levar mãe e filho para Bambadinca.

Como sabem não passo pelo Rossio, sem ir dar um dedo de conversa aos guineenses que por lá permanecem .Da última vez, encontrei o filho do chefe de tabanca de Fá Mandinga e quando perguntei a três mulheres grandes onde tinham nascido, uma avisou que eu de certo não conhecia .Ela havia nascido em Missirá, filha de um soldado chamado Daíro. E quando? Em março de 1971. 

Então não é que este velhote se comoveu ?!…E desandou, para não o verem chorar. Foi já na rua da Betesga, que se lembrou que não perguntara o nome à mulher. Mas para quê um nome? É a Bebé de Missirá.

Jorge Cabral 

 _____________ 


(...) Em Missirá, jantávamos cedo. Éramos apenas onze brancos e rápidamente despachávamos o pé de porco com arroz ou a cavala com batatas. Depois ficávamos à mesa conversando. Alguns mais resistentes permaneciam noite dentro. Um deles era o novo cozinheiro, o Espanhol, soldado básico, que mancava. (...)

9 comentários:

José Marcelino Martins disse...

Comentar o "quê" e para "quê".
Quem passou pela Guiné, sabe.
Sabe "dimais",

JD disse...

Comentários para quê? ´
É mais uma estória cabraliana, sintética, sem floreios ou efeitos especiais, mas com o toque geográfico que nos transporta às aldeias da região, e aos mais sensíveis, ainda faz ouvir a algazarra juvenil ao ritmo do pilão que prepara o almoço.
Um abraço para o alfero
JD

Antº Rosinha disse...

depois disto, só ouvindo os Olhos Negros da Guiné por Tereza Salgueiro, ou Cuca Roseta.

Luís Graça disse...

Camaradas, temos de trazer o "alfero" Cabral até ao palco, para ver se ele perde a vergonha e aceita publicar o livrinho de "estórias cabralianas"... Ala, moço, que se faz tarde!

Cherno disse...

Jorge Cabral,

Afinal, a mulher grande nao era assim tao grande, nao eh?

Cherno AB

Anónimo disse...

Que comentar?
É a genuidade do texto e a genealidade do contador. É verdade que poucos são os que conseguem, como este "alfero", dizer tanto com tão pouca escrita.
Para quando o livro, é verdade, mas ele diz sempre, para quê? Quem é que se interessa sem sermos nós?
Não sei se outros escritores têm este pensamento, mas se assim fosse nunca teríamos conhecido as obras de Camilo, Eça, Pessoa e tantos outros que, sem tanto nome, fazem as delícias de qualquer leitor.
Para o Amigo Jorge Cabral o meu grande abraço.
BS

Carlos Vinhal disse...

Livro! Livro! Livro! Livro! Livri! Livro!.....

Carlos Vinhal
Leça da Palmeira

Manuel Luís Lomba disse...

"Alfero" e estimável camarada Cabral:
Livro! Livro! Livro! - clama o Carlos. Vale a pena? Vale! A sua alma não é pequena. Olha para o exemplo editorial de vários camaradas, eu inclusive (bem ou mal). Redigi, alinhei, paginei, revi provas e publiquei a expensas minhas. Começaram a pedir um para ali, outro para acolá, outros para mais além - e quase esgotaram. Chegado aqui, se fumasse, o prejuízo tangível e intangível seria exponencialmente superior!
Ah, o Carlos Vinhal, o Beja Santos, o Luís Graça e a malta da Tabanca Grande ajudaram!
Abraço
Manuel Luís Lomba



Hélder Valério disse...

"Então não é que este velhote se comoveu ?!…E desandou, para não o verem chorar"

Realço esta passagem para sublinhar a intrínseca natureza humana do nosso "alfero", para mostrar que, afinal, não é tão insensível quanto alguns poderiam pensar.

Por outro lado, a história em si mesma, mostra-nos a passagem do tempo.
Todos sabemos isso. Todos vemos e sentimos isso, mas muitas vezes, parece que agimos sem ter isso em conta.
As bébes cresceram. E, às vezes, pensamos que não.... talvez porque não se queira que o tempo passe....
Quanto à questão de "escrever para quem?, escrever para quê?" já foram dadas as respostas, de forma consistente, por comentadores anteriores.
Força, Jorge! Quem ainda se consegue emocionar é porque está vivo!

Abraço
Hélder S.