sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15101: Notas de leitura (755): A revista Visão e a BD da guerra colonial (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Outubro de 2014:

Queridos amigos,
Foi graças ao Carlos Pedreño Ferreira que tive acesso a esta jóia da BD que se publicou em Portugal entre 1975 e 1976. Não escondia ser um projeto alternativo, alguns dos seus colaboradores eram ambientalistas antes do tempo, espadeirando contra as centrais nucleares, não esquecer que a opinião pública iria ser incendiada pelo projeto de Ferrel, morto no embrião.
Creio ter sido a primeira vez que a guerra colonial teve tratamento em BD. O pouco que se encontra na net sobre a revista “Visão” é de considerar a iniciativa como altamente meritória, foi um ponto de referência, talvez ingénua, assim passou à história.

Um abraço do
Mário


A revista Visão e a BD da guerra colonial

Beja Santos

Um esclarecimento prévio: a revista Visão de que vamos falar era um quinzenário surgido em Abril de 1975 e que se destinava a divulgar e promover uma nova banda desenhada portuguesa. Pretendiam os seus animadores aceitar o desafio para ultrapassar o derrotismo de que não era possível fazer e publicar banda desenhada em Portugal feita pelos portugueses. Escrevia-se mesmo em editorial: “Nós lançámo-nos na aventura da qualidade. Se já leste as histórias que publicamos neste 1º número reparaste com certeza que, quer no texto quer no desenho é lebre o que te estamos a dar e não gato mal disfarçado. A divulgação prioritária de autores portugueses é a nossa aventura. Fazer aparecer de repente argumentistas e desenhadores para suportar uma revista quinzenal num país onde se contam pelos dedos os autores de banda desenhada já publicados é um risco de vulto. No entanto, também o decidimos correr”. Anunciava-se como leitura no número seguinte a biografia de Amílcar Cabral. Aparecia uma BD intitulada “Matei-o a 24”, mostrando uma vítima de stress pós-traumático de guerra. No n.º 2 de “Visão” começava a publicação de Amílcar Cabral, trabalho de dois artistas cubanos argumento de Fidel Moralez e desenho de Vicente Sanchez, encetava-se assim a colaboração entre “Visão” e a Prensa Latina. Prosseguia a publicação de “Matei-o a 24”, seguramente o grafismo de maior qualidade até então dada a estampa de autores portugueses.

A revista era dirigida por Victor Mesquita e entre os seus colaboradores apareciam Machado da Graça, Artur Tomé e Mário Henrique Leiria. Estava instalada na avenida João Crisóstomo, n.º 79, 5º Esquerdo, Lisboa.

No n.º 7, primeira quinzena de Outubro de 1975, surge uma nova BD, “Angola 1971”, com inegável interesse. A cooperação com Cuba é uma constante e aos poucos apagam-se as referências à guerra colonial, outras guerras vão surgindo para delícia dos leitores. E um dia, após onze números publicados, extinguiu-se, não se sabe o que levou à dissolução do projeto, se as turbulências de 1975, se o preço da revista, se o desencontro dos leitores com o tipo de projeto alternativo em que se alcandorava a publicação. E dizemos projeto alternativo porque se fazia uma crítica severa à energia nuclear e claramente à sua rejeição em Portugal. Também alternativa ao acolher opiniões como as de Mário Henrique Leiria, um dos escritores mais irreverentes do seu tempo.

Aqui fica o registo de um projeto de vida efémera, mas foi provavelmente aqui que pela primeira vez se pôs a guerra colonial em BD, como se vai mostrar:





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Nota do editor

Último poste da série de 7 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15081: Notas de leitura (754): “Etnia, Estado e Relações de Poder na Guiné-Bissau”, por Carlos Lopes, Edições 70, 1982 (2) (Mário Beja Santos)

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