segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15136: Notas de leitura (759): "A Educação na República Democrática da Guiné-Bissau, Análise Setorial", editado, em 1986, pela Fundação Calouste Gulbenkian (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Outubro de 2014:

Queridos amigos,
Um relatório sobre a educação na Guiné-Bissau datada de 1985 vale pelo que vale. Há que reconhecer que os quatro autores, um deles que foi Primeiro-Ministro e é hoje figura proeminente das Nações Unidas, dois deles que foram ministros da educação, fizeram trabalho escorreito, não douraram a pílula, detetaram os principais estrangulamentos do sistema educativo e foram pragmáticos nas suas propostas quanto a linhas de orientação e estratégia.
Visitei escolas em Bissau reduzidas a escombros, os alunos levavam os bancos, as ardósias tinham que ser guardadas a sete-chaves no armazém para não conhecerem descaminho; e vi em Belel uma cubata modelo, com material elementar e um professor aprimorado, não com divas lágrimas com aquele quadro de dedicação, tirámos fotografia, é hoje património do blogue.
Se alguém, por motivos de estudo ou profissionais, precisar deste livro é só pedir.

Um abraço do
Mário


A Educação na República da Guiné-Bissau, 1985

Beja Santos

Editado em 1986 pela Fundação Calouste Gulbenkian, A Educação na República Democrática da Guiné-Bissau, Análise Setorial, é um relatório com conclusões de uma missão de estudo que se deslocou a este país em Março/Abril de 1985, constituída por António Guterres, Eduardo Marçal Grilo, Luís Lamas e Roberto Carneiro.

Os autores dão-nos o contexto socioeconómico da Guiné-Bissau, os dados referidos não andam distantes daqueles que aqui têm sido referidos para o período em apreço: desorganização de rede comercial, dramática falta de quadros capazes de enquadrarem uma política de desenvolvimento, falta de rigor, cujo exemplo mais gritante era o complexo Agroindustrial do Cumeré. Até à chegada do FMI, assistiu-se a uma degradação da situação financeira e cambial e a explosão do mercado paralelo. O desequilíbrio comercial conduziu a elevado défice da balança de transações correntes. A inversão no investimento deu-se a partir de 1982, passou a privilegiar a agricultura e as pescas e os setores sociais, como a educação, a saúde e a cultura. A partir de 1983 foi implementado um Programa de Estabilização Económica com forte desvalorização do peso, diminuição do poder de compra da população urbana e um significativo aumento dos preços ao produtor. Os resultados desta política foram considerados insatisfatórios e foram exigidos financiamentos adicionais para garantir as importações, vitais para o bem-estar da população.

Analisando os principais estrangulamentos do sistema educativo, os autores verificam uma baixa qualidade generalizada do sistema de ensino no país, destacando os fracos resultados obtidos em testes de português e matemática, as notórias dificuldades sentidas por bolseiros guineenses aquando da prossecução de estudos médios ou superiores no estrangeiro e baixa produtividade do sistema educativo. É notória a deficiente preparação do pessoal docente, alta concentração de professores profissionalizados na região de Bissau e as infraestruturas de formação de professores são reconhecidamente deficitárias. Apenas 11% da população fala português enquanto 44% se exprime em crioulo. O total de alunos no sistema de educação/formação não atinge 100 mil, a taxa de escolarização estava a degradar-se. A componente estratégica, ou a sua ausência, foi reconhecida pelos relatores: falta de perspetiva global de estudos quantitativos quanto às previsões das necessidades de mão-de-obra; inexistência de dados sobre situação e carreira dos diplomados do ensino técnico, etc. E comenta-se claramente: “Num país como a República da Guiné-Bissau onde a maioria da população exerce a sua atividade profissional no setor primário (agricultura, pecuária e pescas), a inexistências de esquemas de formação no domínio agrário particularmente ao nível dos 7.º, 8.º e 9.º anos de escolaridade, bem como a falta de componentes vocacionais nos 5.º e 6.º anos, constituem lacunas que no futuro poderão originar graves constrangimentos no processo de relançamento e desenvolvimento agropecuário”.

É abordado o parque das instalações educativas, refere-se que o equipamento no ensino básico elementar é caraterizado pela quase inexistência de material didático e quanto a mobiliário estima-se que mais de 85% não dispõem de lugar sentado, encontrando-se ainda o mobiliário existente em situação muito degradada. É também praticamente inexistente a manutenção e reparação dos edifícios.

Os relatores estudam o financiamento da educação e mostram-se favoráveis que se contenha a expansão do sistema em favor das melhorias de qualidade e produtividade. É após esta identificação de estrangulamentos que lançam uma perspetiva de médio prazo e a hierarquização de prioridades, com destaque para a racionalização dos meios, promoção da melhoria qualitativa do ensino básico e aumento de projeção do sistema de formação. Quanto à racionalização dos meios, enfatizam uma política de valorização dos recursos docentes, com total apoio da cooperação externa já que é esta que faz funcionar o sistema educativo. No tocante à melhoria qualitativa do ensino básico, consideram que tem um lugar nuclear a formação de professores, havendo que criar um mecanismo de seleção dos melhores e mais motivados, estabelecendo ações de superação e reciclagem orientando-as para a formação contínua. São observações que conjugam os manuais escolares, a revisão dos planos de estudo e conteúdos programáticos, etc. Passando para a maior projeção do sistema formativo, recomendam ações de formação destinadas a dotar o país dos quadros e da mão-de-obra qualificada necessárias ao processo de estabilização e desenvolvimento da economia guineense, o que pressupõe interação entre o plano, a educação e o emprego e recordam fatores críticos e apresentam medidas que possam substantivar a estratégia. Os fatores críticos quanto à racionalização dos meios prendem-se às restrições orçamentais, à falta de técnicos, à falta de operários especializados e de materiais de construção e as medidas passam por contenção orçamental nos anos seguintes, também com o objetivo de promover a formação de técnicos, a realização de estágios de pessoal nas empresas estrangeiras a construir no país, na construção de salas de aulas para substituir barracas, etc.

Os fatores críticos e as medidas propostas para a melhoria qualitativa do ensino básico atendem à deficiente preparação do pessoal docente, à degradação de instalações, inadequação dos programas e deficiências metodológicas, carência de materiais escolares, que deverão ter na sua contrapartida na elevação do nível de formação profissional, na reformulação dos programas, no aperfeiçoamento dos manuais escolares, entre outras. Por último quanto à projeção ou relevância do sistema da formação, os relatores recordam os fatores críticos com destaque para a falta de previsões das necessidades de mão-de-obra, fraco nível de ensino ministrado nos cursos de formação, inexistência de cursos no domínio agrário, etc., e sugerem medidas como sejam o reapetrechamento das oficinas do ensino técnico, elaboração de manuais, criação do ensino técnico agrário, definição de um plano e criação de condições para o lançamento de hortas escolares, lançamento de novos cursos (na primeira fase seria a construção civil, a eletromecânica e a administração), havendo que impulsionar uma comissão nacional de recursos humanos.

Este relatório aparece recheado de anexos com indicadores sociais, económicos e educativos, bem como um documento de trabalho sobre o sistema de formação técnico-profissional, planos de estudo dos cursos de aprendizagem e cursos de formação de professores de educação física e desporto. Igualmente importante se revelava o documento de trabalho sobre financiamento da educação e o documento de trabalho sobre custos de recuperação e expansão da rede escolar.

A qualquer confrade que gostar desta temática, em termos de história de educação, ou estiver ligado ao sistema educativo da Guiné-Bissau na atualidade, terei muito gosto em ceder este relatório, hoje uma peça rara.
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15124: Notas de leitura (758): “Organização económica e social dos Bijagós”, por Augusto J. Santos Lima e prefácio de Avelino Teixeira da Mota (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Mais um trabalho teu interessante BS.

Afinal até o nosso homem da ONU, tentou ajudar em 1985.

Deve ser um bom relatório, mas, e não quero exagerar, não creio que nesse tempo, 1985/6, o governo de Nino Vieira tivesse muita disposição para ler coisas de um tal português de nome Guterres.

Nesse tempo aquilo estava bem quente, e andava tudo muito preocupado em limpar uns elementos "perigosos".

Mas a propósito de educação, trabalhei na construção pela Soares da Costa, no Liceu financiado pela Holanda, no Bairro de Ajuda.

E até os meus porta-miras, de chinelo e barriga vazia, conheciam os problemas da educação.

Diziam eles enquanto iamos trabalhando, nessa obra: É um liceu bonito mas "Ká vale, ka tem quadro preto".

E enormes salas com quadros pretos nas paredes.

Não são esse quadros kamarada Rosinha, são quadros guineenses que fazem falta.

(parece um Relatório de memória de 1983)

Cumprimentos