quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15095: (Ex)citações (291): Os célebres MiG russos que o PAIGG nunca teve mas que foram uma ameaça percebida no final da guerra... (José Matos / Luís Gonçalves Vaz / Manuel Lomba)

1. Comentário de José Matos ao poste P15090 (*):

[José Matos, membro recente da nossa Tabanca Grande; investigador independente, especialista em história militar]


Olá Luís e restantes amigos

Agradeço os vossos comentários, que acrescentam sempre novos dados à discussão.

Começando pelo Augusto Silva Santos,  tem toda a razão no comentário que faz, de facto circularam informações entre a tropa quanto à possibilidade de um ataque aéreo a Bissalanca. Falava-se mesmo na possibilidade de esse ataque acontecer em janeiro de 1974. Como se viu, esses receios eram exagerados. O que descobri é que nem os cubanos, nem os guineanos, estavam interessados em atacar Bissalanca ou qualquer outro ponto na Guiné.

O comentário do Henrique Cerqueira também é interessante, pois as autoridades portuguesas pensavam mesmo que os guineanos tinham MiG 19 e até 21, quando na verdade não tinham nada disso, apenas o MiG 17. Também há alguma razão no comentário sobre a aselhice dos guineanos no uso dos MiG, basta dizer que praticamente só voavam com os cubanos e habitualmente a asa, tendo tudo o que dizia respeito à manutenção dos aviões numa lástima. Se não fossem os cubanos, os MiG nem levantavam.

O grau de operacionalidade dos MiG sempre foi baixo e só melhorou com os cubanos.

Quanto aos pilotos do PAIGC que o Luís refere, de facto estavam a ser treinados na URSS para pilotar MiG, mas com a independência voltaram à Guiné, sem aviões. Provavelmente a ideia, no tempo da guerra, seria usarem os MiG guineanos enquadrados pelos pilotos cubanos, no mesmo tipo de missões que os cubanos já faziam, ou seja, patrulha e vigilância da fronteira. Não estou a ver que os guineanos os deixassem usar os MiG para um ataque a posições na Guiné. Outra hipótese eram os russos forneceram dois ou três MiG para o PAIGC usar, mas não estou a ver isso a acontecer.

O relato do Marinho também é muito interessante, pois está de acordo com os avistamentos e mesmo detecções que a malta fazia na altura. O problema é que não sabemos se eram ou não helicópteros ao serviço do PAIGC, pelo menos não há informação nenhuma segura sobre isso. Quanto a incursão de um jacto também nada se sabe sobre a sua origem. Seria guineano? É possível, mas não me parece que tivesse intenções ofensivas.

Ab, José Matos

2. Comentário de Luís Gonçalves Vaz 
ao poste P15090 (*):

[Membro da nossa Tabanca Grande, filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG, 1973/74), e que tinha 13 anos e vivia em Bissau quando se deu o 25 de abril de 1974, que derrubou o regime do Estado Novo]


Caros Amigos:

Lembro-me muito bem que em finais do ano de 1973, eu próprio (com 13 anos) e um irmão mais velho com 15 anos,  construimos um "abrigo antiaéreo" em pleno quintal da casa onde vivíamos,  na Base Militar de Santa Luzia, com abastecimentos e tudo ....... 

Enfim era sem dúvida um entretimento de jovens adolescentes, mas fruto também do "clima psicológico" da altura e dos tais "boatos" sobre um eventual ataque aéreo a Bissau que se esperava a qualquer altura.

Em plenas férias escolares do Natal de 1973, os "boatos de um ataque aéreo" intensificaram-se ao ponto da minha mãe, que na altura era professora na Escola Comercial em Bissau, ter entrado em casa com uma colega professora, toda preocupada que se esperava o "dito ataque" a qualquer momento! 

Eu não altura não me preocupei muito, pois como já referi, tinha um abrigo antiaéreo (por mim construido e pelo meu mano mais velho) e nesse mesmo dia resolvi melhorá-lo. 

De facto nós sabíamos que se realmente houvesse "o dito ataque aéreo", as instalações do QG de Santa Luzia seriam logo dos primeiros alvos a atingir, para conseguirem comprometer todo o tipo de logística das diversas operações militares em curso na altura ...

Lembro-me muito bem que nesse Natal de 1973, o meu falecido Pai (CEM/CTIG) saiu cedo de casa (logo a seguir à ceia de Natal que foi realizada muito cedo) para se deslocar para o QG onde passou toda a noite a desempenhar as suas funções, já que nessa noite os militares estiveram de Pprevenção... Seria fruto desses "boatos" ou de "informações mais credíveis" dos Serviços de Inteligência Militar ? Não sei,  só me lembro destes factos!

Grande Abraço
Luís Gonçalves Vaz


Guiné > Arquipélago dos Bijagós > lha de Buibaque > "A esposa do coronel Henrique Gonçalves Vaz, os três filhos mais novos e o capitão Pombo, na pista de Bubaque na Páscoa de 1974... Fotografia de Henrique G. Vaz. [O Luís é o da esquerda].

Foto (e legenda): © Luís Gonçalves Vaz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]



3.  Comentário de Manuel Luís Lomba (*) [ex-fur mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66; autor do livro "Guerra da Guiné: a batalha de Cufar Nalu". Faria, Barcelos, Terras de Faria, Lda: 2012, 314 pp. [Capa, imagem à direita, em baixo]

Reitero as minhas saudações ao "mestre" José Matos, ora valioso activo corpóreo e incorpóreo da tertúlia Tabanca Grande.

Em 1981, com o B 707 Combi (passageiros e carga) da carreira TAP a percorrer a pista de Bissalanca, eu fixar-me nas metralhadoras enferrujadas jazidas nas valas ao longo dela e acabei a contemplar 4 MiG  negros na placa, qual palco de um Dakota, mais quatro ou cinco T 6 e DO, cobertos de pó e muito degradados, mas em que sobressaía a cruz de Cristo, tendo por pano de fundo um grande letreiro "Presas capturadas ao Inimigo".

Então "os meus olhos ficaram mar"...

Ao voltar ao aeroporto, no âmbito do exercício profissional, perguntei ao meu dedicado anfitrião, alto quadro do partido e do governo, esforçado em convocar o sentido de humor:
- Foram aqueles MiG que caçaram aqueles aviões tugas?
- Não, eles é que deixaram. Na guerra russos não deram aviões. Vieram depois da independência.(Para a generalidade dos guineenses, a independência era contada a partir da entrega das chaves de Bissau ao PAIGC, em 10 de Setembro de 1974 e não a independência do Boé, em Setembro de 1973).

Quanto à veracidade do corpo de pilotos guineenses, o testemunho do comandante Pombo constituirá suficiente meio de prova.

Com perguntas directas, em regra obtinha-se respostas líquidas ora de ardor revolucionário ora evasivas; mas a revelação pelos nossos interlocutores do seu verdadeiro conhecimento dos factos não resistia à "bebida gelado" franqueda - o verde branco Gatão ou Aveleda.

Relativamente à ameaça dos MiG  na guerra da Guiné, fiquei com a ideia e adquiri relativa certeza de que Sekou Touré não os aceitava "graciosamente" no seu território e a Rússia exigia parqueá-los em base nos dois terços do território libertado pelo PAIGC - Cufar ou Nova Lamego! - enquanto o ocupante, Portugal,  não desamparasse a sua loja, em  Bissau... Dialéctica interessante.

Como nossa inimiga, a Rússia não permitia que cooperante seu pusesse o pé por terra, mar ou ar na Guiné Portuguesa, sub-empreitava tal empresa aos seus dominados na Europa de Leste e a Cuba. 

Quanto aos nossos aliados, suecos, noruegueses, holandeses, filandeses, americanos - temos dito.
A Operação Mar Verde legou à História a coragem e valentia dos portugueses ao serviço da sua pátria e e a graduação da ousadia das suas elites investidas no mando. Se quem mandou fazer aquilo ousasse arriscar a cobertura de uma esquadrilha de F86 ou coisa parecida, poderia ter sido outra a História da catastrófica descolonização. (**)

Um abraço a todos os comentaristas.
Manuel Luís Lomba

_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 8 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15086: Sondagem: "No meu tempo já se falava da existência de aviões inimigos sob os céus da Guiné"... Primeiro comentário: "Quando estive no Depósito de Adidos, em Brá, na secção de justiça, em finais de novembro de 1973, lembro-me de chegarmos a receber informação para estarmos preparados para a eventualidade de um ataque aéreo"... (Augusto Silva Santos, ex-fur mil, CCAÇ 3306 / BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971

3 comentários:

Luís Graça disse...

Camaradas e amigos:

A verdade (histórica) constroi-se através do contraditório bem da triangulação de fontes... Está na altura de revisitar o poste P9584, de 8/3/2012, onde o nosso amigo Nelson Herbert, jornalista, de origem guineense e caboverdiana, quie se formou em comunicação socialç em Portugal e que vive nos EUA, nosso grã-tabanqueiro, transcreve algumas passagens do livro "Aristides Pereira, Nossa Historia, Minha Vida", do jornalista cabo-verdiano, José Vicente Lopes, lançado em Cabo Verde na altura.

Explica ele: "O livro (em estilo de entrevista àquele líder nacionalista) resulta de meses de conversa entre o autor e Aristides Pereira, versando por assim dizer praticamente todas as zonas, até há bem pouco, "sombras", da luta pela independência e pela afirmação da Guiné e Cabo Verde como estados soberanos... nomeadamente das contradições internas do PAIGC, do assassinato de Amílcar Cabral a ruptura do processo de Unidade entre os dois países."

Quanto aos MiG, eis o que terá dito o Aristides Pereira, e que vem no livro (vd. páginas 212/213):
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"JVL: - Ainda a propósito do 25 de Abril, vendo documentos portugueses dessa altura e até mesmo alguns depoimentos - caso do Salgueiro Maia, por exemplo - havia um grande temor: que o PAIGC conseguisse a aviação. Havia essa possibilidade?

Aristides Pereira: - Sim. Aliás na altura da proclamação da independência, já estavam estudantes nossos a formarem-se para pilotos de MIG e helicópteros. Tanto assim que, logo após a nossa entrada em Bissau, esses jovens regressaram e fizeram demonstrações (com Migs). Portanto já eram pilotos. Com a independência, mais tarde, esses pilotos foram desviados para a aviação civil".
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... Na altura este poste foi muito comentado: nada mais nada menos do que 58 comentários!... Não encontro referências na Net a esta obra, para além da que consta no nosso blogue.

O jornalista e escritor José Vicente Lopes, com quem já troquei mails por causa da morte do coamndante do PAIGC, Jaime Mota (1940-1974), tem pelo menos uma referência no nosso blogue:

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/Jos%C3%A9%20Vicente%20Lopes

Quanto ao poste do Nelson Herbert, aqui fica:

8 DE MARÇO DE 2012

Guiné 63/74 – P9584: (Ex)citações (176): Aristides Pereira e os MIGs - revelações ineditas (Nelson Herbert)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2012/03/guine-6374-p9584-excitacoes-176.html

Luís Graça disse...

Está na altura de perguntar ao comandante Pombo se conheceu algum piloto de MiG, guineense ou caboverdiano, do PAIGC, que tenha regressado da URSS e tenha feito demonstrações dessa aeronave depois da independência... O comandante Pombo é uma testemunha privilegiada dessa época, na qualidade de piloto do Falcon da presidência, sendo um homem e um profissional da inteira confiança de Luís Cabral e depois 'Nino' Vieira... Acho estranho que o Luís Cabral tenha ido buscar um "tuga" para pilotar o seu Falcon, quando tinha camaradas treinados na URSS para pilotar os MiG... Vou reencaminhar este comentário para a Maria João Rodrigues Pombo, que serve de "correio" entre a nossa Tabanca Grande e o pai...

É pena que o Aristides Pereira,infelizmente já falecido, não tenha dado nomes...Ou é pena que o José Vicente Lopes não lhe tenha perguntado... Assimn sendo, a informação é vaga e corre o risco, aos olhos de qualquer leitor desapaixonado e inteligente, de se confundir com mera propaganda... O quem é mau para a história de todos nós... A única guerra que travamos agora é a da verdade, da reconcialiação, da paz e do futuro...

Anónimo disse...

Luís,
Há pilotos de MIGs em Bissau sim, eu conheço dois.
O último MIG, que eu saiba que levantou voo… foi nos últimos dias da guerra de 7 Junho em 1999. Andou a baixa altitude sobre Bissau. Eu estava lá.
Há muitas histórias que se contam em Bissau sobre estes aviões:
Guerra com o Senegal, sobre o petróleo no mar de Casamansa.
Espera do Samora Machel.
O que aterrou no mato, nos arredores de Bissorã, sei onde foi.
O que dizem que aterrou na estrada de Nhacra, etc.
Eles existiam…
P.R.