sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15305: Inquérito "on line" (13): Os três Comandantes da Guiné (Mário Vitorino Gaspar)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), com data de 11 de Outubro de 2015:

E valerá a pena ser resistente, antes diria, combatente?

O tema 3 Comandantes, estando num período de 1967/68 foram dois:
- Arnaldo Schulz, que chegou em Maio de 1964 (ouvi falar dele…).

- O Spínola que chegou a Bissau em Agosto de 68. Muito simpático, educado ao descer do helicóptero, com o seu monóculo, de camuflado como combatente, tinha luvas e a varinha – devia parecer-se com aquele Senhor Oficial de Santarém, também de varinha ou ceptro que dizia na parada a um soldado após vislumbrar um fósforo no chão: “Tira-me este barrote daqui”! – pois o Spínola com essa chibata, quando o vi pela primeira vez, parecia-se muito com um Professor que tive na Primária – todos usavam – uma cana da índia que servia de apontador como para dar com ele na cabeça de um mal comportado.

Na primeira vez aparece um helicóptero e somos informados ser o Governador e Comandante das Forças Armadas da Guiné. Todos de férias numa magnífica terra africana, chinelos e calção de banho e, por que não, tronco nu?
Todo o mundo correu para os abrigos onde nada faltava desde um telhado de palmeiras, paredes de bidão com terra e mosquitos de volta do mosquiteiro e chão de terra batida. Mudar a vestimenta. Todos bem, só que com camuflados rasgados e rotos. Feita a segurança à pista lá está ele vestido como dito. Visto é diferente. A Companhia formada – não era Companhia por estar um Pelotão e uma Secção no destacamento de Ganturé – surge ele e a comitiva.

Do discurso recordo principalmente esta, após uns elogios à CART 1659:
- Vão todos vestirem-se como estavam quando o helicóptero sobrevoou Gadamael!

Todos surgiram, estilo Charlot, mas de calções, chinelos e cabeça ao vento. Foi então que afirmou:
- Não venho prometer nada, só mais sacrifícios e privações!

Um rebelde da Companhia disse:
- Mas fizemos o cais de Gadamael e disseram se conseguíssemos seriam 18 meses de Comissão!
- Meu filho mais carências e privações! – Ao mesmo tempo que batia ora com a chibata na mão ou endireitando o monóculo…

Colocaram-se em posição para irem ao destacamento, e foram. Houve qualquer problema com um elemento da comitiva que, julgo queria ir na viatura. E ele não gostou. Fui escrever aerogramas e cartas para a mesa enorme e forte – Messe de Sargentos – feita de caixas de munições – tudo do melhor. E as cadeiras? De baloiço, pois! Era uma Estância de Férias.

O tempo passara. Sinto algo se passa nas minhas costas e volto a cabeça e ponho-me de pé. Lá estava Spínola que me toca no ombro para me sentar. Olhou para o cozinheiro da Messe e ouviu-se num tom de voz paternal:
- Meu filho, estás muito magro! O que andas a fazer?

O Lima (nome do Cozinheiro da Messe), acrescentei:
- Por causa da irmã da canhota!

Ainda me fez umas perguntas. Simpático, não digo que não.

Voltou a Gadamael mais tarde, verificando estarem os camuflados todos velhos falou com o 1.º Sargento Barreira para pedir camuflados novos para Bissau. Julgo ter sido neste período muito difícil – inúmeras Operações e o PAIGC não atirava granadas com cavilhas do Lança-Roquetes. Caiu-me uma a poucos metros de mim no “Corredor da Morte”. Estratégia militar? E para com as populações civis? Nem a parte militar como a humana – considerando estarmos numa guerra – considero que os abandonos de aquartelamentos de Sangonhá e Cacoca (que estavam no final da comissão), como o aparecimento de Gandembel – em pleno “corredor da morte” – e com mais tarde abandono de Mejo, Ganturé e Gandembel para que te quero!

Com a simpatia de querer que a população fosse aproximando, centenas e centenas de naturais que viviam em Conacri, Gadamael cresce de dentro para fora e abrigos melhorados, outros arranjados e o caso de um abrigo-caserna, fui eu o arquitecto fica no interior e a defesa começa a fazer-se em valas. Guileje e Gadamael Porto ficam ali à mão de semear.

Regressei e passados uns anos encontrei o Spínola na esquina da Avenida de Roma com a Avenida EUA. Viu-me e estendeu a mão e cumprimentou-me.

NOTA: Carlos e Luís como vejo que os votantes dizem acreditarem no General Spínola, curiosamente penso o contrário dele, Quanto a Arnaldo Schulz penso não ser um bom militar.


O General Bettencourt Rodrigues, ouvi falar dele.
Curiosamente existia uma figura nas Companhias que era o Furriel Miliciano PSICO – estava lá mas não era mencionado na História da Unidade da CART 1659. Não sei se sucedia o mesmo em todas as Companhias que tiveram um Furriel Miliciano da PSICO.
Se pretenderem a minha opinião sobre Spínola, é só pedir (sabem à partida que só tenho de me referir àquele militar que conheci, e considero que não sabia a realidade da Guiné.
O troféu de trazerem muitos indivíduos de Conacri para o nosso lado foi péssimo.


Encontrei esta relíquia entre os destroços

Mário Vitorino Gaspar
Furriel Miliciano Atirador de Artilharia e MA
____________

Nota do editor

Último poste da série de 20 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15274: Inquérito "on line" (12): A Guerra da Guiné e os seus comandantes que, de derrota em derrota, propiciaram a vitória final ao PAIGC… (Manuel Luís Lomba)

2 comentários:

Luís Graça disse...

Mário, obrigado pelo teu depoimento sobre o "homem grande"... Também eu lhe bati a pala e deu-lhe um passou-bem... No Iinício do ano novo de 1971... Treze dias depois iria apanhar com um mina anticarro, ali perto, em Nhabijões, que me fodeu os ouvidos e mandou o meu amigo Marques dois anos para o hospital... Comecei a dar conta da minha progressiva surdez há coisa de um ano e tal... Numa turma de 35/40 mecos, já não consigo ouvir a malta das duas últimas filas... É tramado para um professor!...

Quanto ao "herr" Spínola, cada um de nós, que o conheceu, amou ou odiou, por esta ou aquela razão (, muitas vezes anedótica), tem o direito a ter a "sua opinião",como tu tens a tua e eu a minha...

Já lá está na terra da verdade... Daqui a 50 anos, os nossos vindouros terão uma ideia mais "objetiva", fria, distanciada, isenta de emoção, preconceito e paixão, sobre um dos nossos "heróis" do séc. XX... Quer se goste ou não dele, foi um dos portugueses que deixou a sua "peugada" na nossa história do séc. XX... Acho que temos sido injustos com Spínola, o seu lugar na história é outro, bem mais alto, que o de Schulz ou o de Bettencourt Rodrigues terão... Fraco consolo para quem já morreu... A verdade é que Spínola estava no sítio certo à hora certa, quando a "história" mudou... Ou apenas o "cenário da história", que importa ?!

Unknown disse...

Luis,já que falamos de surdez!
Apesar de sempre tentar lembrar,dos ensinamentos de Vendas Novas:sempre gritar na hora do disparo para criar uma contrapressão ,imagina as circunstâncias. Apesar de ter a vantagem de gritar fogo a plenos pulmões (quando possível) sempre tive consciência de ter o meu ouvido esquerdo afetado, aí acumulam-se as décadas...
Forte abraço.
VP