sábado, 10 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14137: Ser solidário (178): Assembleia Geral Ordinária e Almoço de Reis da Tabanca Pequena - Grupo de Amigos da Guiné-Bissau, dia 17 de Janeiro de 2015, nas instalações da Cantina da Refinaria da Galp, em Leça da Palmeira (José Teixeira)

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 9 de Janeiro de 2015:

Carlos, boa noite
Com votos de que o novo ano tenha começado da melhor maneira, solicito em nome da Tabanca Pequena, ONG, a colocação no blogue as informações sobre a Assembleia Geral da Associação.
Muito Grato
José Teixeira



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Nota do editor

Último poste da série de 28 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14091: Ser solidário (177): Saudação natalícia do presidente da direção nacional da Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA), comendador José Gaspar Arruda, e bilhete postal comemorativo doss 40 anos da ADFA

Guiné 63/74 - P14136: (In)citações (73): Vive la Liberté! Vive la France" (Francisco Baptista, ex-alf mil, inf, CCAÇ 2616, Buba, 1970/71, e CART 2732, Mansabá, 1971/72)]


Página de rosto do sítio "Charlie Hebdo", com data de hoje: "Eu sou Charlie" | "Porque o lápis  triunfará sempre sobre a da barbárie... Porque a liberdade é um direito universal... Porque vocês nos apoiam"... [Informação: Charlie Hedbo, o "jornal dos sobreviventes", voltara a sair,  4ª feira, dia 14 de janeiro]



1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista [, ex-alf mil inf, CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72)]

Data: 9 de janeiro de 2015 15:58

Assunto: CHARLIE HEBDO

A liberdade é um bem inestimável

A França, na revolução de 1789, ergueu essa bandeira bem alto a par da bandeira da igualdade e da fraternidade. Todas essas bandeiras têm sido desfraldadas por esse mundo desde os Estados Unidos , à Rússia e à China, para só falar dos grandes países, com êxitos desiguais.

Dentre os maus tratos que as bandeiras da igualdade e da fraternidade têm sofrido tanto a ocidente, como a oriente, tanto a norte como a sul, parecia que a bandeira da liberdade cada vez mais se erguia e mostrava a toda a humanidade. Liberdade! Liberdade, esse palavra mágica, que os combatentes das melhores causas, gritavam já gravemente feridos, como se fosse um nome das suas mães.

Enquanto houver estados islâmicos e estados demasiado islamizados que financiam as actividades terroristas dos primeiros continuará infelizmente haver mártires nos estados laicos do ocidente ou do
oriente.

É a hora de chorar a morte destes corajosos jornalistas e caricaturistas, pelo preço que pagaram pela sua coragem, sabendo como sabiam que estavam expostos à fúria dos fanáticos religiosos do Crescente.

Porque nesta hora seria uma falta de respeito à sua memória estar a especular sobre outros culpados das suas mortes além dos executantes e mandantes materiais e espirituais a minha análise e revolta não vai mais longe também porque a minha lealdade à verdade não mo permite.

Esta tempo é o desses heróis desarmados de Paris que desafiaram a morte, em campo aberto, todos os camaradas ex-combatentes da Guiné sabem como é difícil encontrar coragem para isso.

Nesta hora em que Paris, essa capital monumental e espiritual da Europa, sofre ainda o rescaldo, que poderá ser ainda mais trágico, do ataque ao Charlie Hebdo devemos dirigir os nossos pensamentos e
orações para todas essas vitimas inocentes e para essa grande capital cultural do mundo que sempre albergou emigrantes, trabalhadores, artistas e intelectuais de todo o Mundo.

Há alguns anos, poucos, li o livro "Samarcanda" do escritor libanês Amin Maalouf. Samarcanda, hoje uma cidade do Usbequistão, é uma cidade histórica, que ficava da nota da seda , portanto entre a
Europa e a China.

Gostei muito do livro pela forma poética e a delicadeza oriental que o escritor imprime às descrições e às personagens, à beleza e encanto das mulheres, mesmo quando resguardadas entre sete véus, à
hospitalidade dos povos do médio-oriente muitas vezes a contrastar com a ferocidade
com que tratavam os inimigos internos ou externos.

Nesse livro tomei conhecimento da "Ordem dos Assassinos", uma seita religiosa ismaelita, que criada e comandada por Hassan Ibn Sabbah, conhecido pelo Velho da Montanha, no século onze, praticava atentados seletivos e com muito êxito entre os opositores maometanos.

Essa seita terá ainda conquistado muito poder politico e territorial nos dois séculos seguintes no Irão e na Síria. Segundo a lenda, pois não há grande confirmação histórica, no século catorze, ter-se-á refugiado na Europa, com a proteção dos Templários, já em tempos aliados ou inimigos.

Ao falar desta seita procuro raízes e compreensão para toda esta desordem social e histórica que criam no nosso espírito estes atentados.

Nos últimos anos já tivemos os ataques às torres gémeas em Nova Yorque, o ataque ao comboio de Madrid, o ataque ao metro de Londres.

Tanta maldade, tantas vidas inocentes.

Na Ásia Menor, no Iraque, Síria , no Paquistão, no Afeganistão e outros países, os mortos sucedem-se aos milhares entre seitas e facções religiosas muçulmanas de cariz mais ou menos religioso, tribal
ou politico . São homens, mulheres, meninos, mais de cem meninos que há tão pouco tempo, os talibãs, esses bárbaros . mataram no Paquistão.

A "Ordem dos Assassinos", continua activa, tanto a oriente, como a ocidente, temos que ter coragem para enfrentá-la.

Vive la Liberté! Vive la France!

Um abraço a todos os camaradas
Francisco Baptista
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P14135: Parabéns a você (844): Bernardino Parreira, ex-Fur Mil Cav da CCAV 3365 e CCAÇ 16 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14131: Parabéns a você (843): Manuel Vaz, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 798 (Guiné, 1965/67)

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14134: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (93): Três Antónios, três pequenas histórias... Em honra do Cessna dos TAGP e do Comandante Pombo (António J. Pereira da Costa, António Santos, António Graça de Abreu)




Guiné > s/l > s/d > Imagem do Cessna, vermelho, pilotado pelo Comandante Pombo, dos Transportes Aéreos Civis da Guiné, em que o nosso camarada Álvaro Basto fez várias viagens enre o Xitole e Bissau, nos anos da sua comissão (1972/74).


Foto: © Álvaro Basto (2007). Todos os direitos reservados.

 1. Três pequenas histórias, contadas por Antónios, em honra do teco.teco, branco e vermelho dos TAGP - Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa e do comandante Pombo (*).



(i) António José Pereira da Costa

Aqui vai uma história do Cmdt Pombo.

Creio que em Fevereiro de 1973, o (na altura) Cap. Art Otelo Saraiva de Carvalho apareceu em Mansabá com uma jornalista sueca. A coluna do Batalhão trouxera-os até Mansabá onde almoçaram e eu teria de os ir entregar ao Batalhão de Farim, onde tomariam o avião dos TAGP.

A jornalista era uma velhinha magrinha e calçada com umas sabrinas de pano e que estava interessadíssima em ver hospitais e igrejas. Não tínhamos hospital, mas a nossa enfermaria era bastante boa. A igreja era sempre improvisada quando necessário.

Apesar de tudo, as coisas correram bem e eu creio que a senhora estava satisfeita. Organizámos a coluna e recorri a um jeep emprestado pelo administrador de Mansabá dado o estado físico da senhora, mas que... não tinha travões. Talvez porque estivéssemos atrasados, um pouco antes do K3 num troço recto e de bom piso da estrada, o Cmdt Pombo surgiu à vertical da coluna e no mesmo sentido. "Fez-se à pista" e aterrou à frente da primeira viatura. Deu a volta ao avião,  recolheu os dois VIP e, sem desligar o motor, descolou de novo em direcção a Bissau.


(ii) António Santos:


Eu também tive uma experiencia aérea civil, que pelo que entendo só pode ter acontecido com o Cmdt Pombo.

Estávamos em Ago73 e,  tendo férias marcadas para Lisboa com a data de embarque na TAP a aproximar-se,  dia 22, não havendo TPT [, transporte por terra,]  para Bissau por esses dias, a solução foi adquirir bilhete pelos TAGP.

Se não falho,  a coisa custou quase metade do pré cá do rapaz,400,  e talvez 3 ou 4 notas de 100 pesos.  Enfim, o seu valor não consigo precisar mas, anda lá perto.

Ora nesse dia (época das chuvas), a coisa estava feia, chuvia e abanava como a malta sabe como era, o CESNA abanava e não era pouco, Depois de passar o Xime,  o Cmdt meteu o avião por cima do Rio Geba porque a coisa junto às palmeiras também não dava. Mais um pouco e o CESNA passava a ser submarino. A coisa próximo de Bissau estava muito melhor e foi ver o transporte picar direito ao azul do céu.

E pouco depois estávamos em Bissau,  com os pés no chão e já a pensar em Lisboa.


(iii) António Graça de Abreu



Voei uma vez no CESNAna com o comandante Pombo. Aqui vai a descrição da viagem de Bissau para Catió, com escala em Empada, no meu Diário da Guiné,em Março de 1974.

"Vim na avioneta civil, o Cessna dos TAGP (Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa) e só havia cinco lugares, todos ocupados.

Ainda não tinha experimentado voar nestes aviões pequeninos, mais bonitos e confortáveis do que as DOs. De manhã, no Depósito de Adidos onde se trata das viagens dentro da Guiné, ouvi falar num avião civil fretado pelo exército para transportar oficiais com destino a Empada e Catió. Agarrei-me logo. De Catió a Cufar podia fazer os dez quilómetros por estrada.

Saímos de Bissau, voámos sobre Tite e a região do Quínara, atravessámos o rio Grande de Buba direitinhos a Empada, um aquartelamento importante já no sul da Guiné. Descemos em Empada, onde saíram dois alferes e entrou o meu coronel (o páraquedista, João José Curado Leitão) que estava na povoação numa espécie de visita de inspecção.

Fiquei admirado com a forma como voam os aviões civis. Já havia constatado que não tomam aquelas precauções todas contra os mísseis terra-ar do PAIGC, ou seja voar a mais de dois mil metros ou a “rapar”, logo acima do solo, ou subir e descer em parafuso sobre as pistas de aviação. Foi a vez de experimentar pelos céus do sul da Guiné um voo quase normal, embora estivéssemos perfeitamente ao alcance dos mísseis IN, tanto mais que sobrevoámos à descarada zonas onde os guerrilheiros se movimentam à vontade.

Deve ser verdade, eles não atacam aviões civis e a avioneta, vermelha e branca é facilmente identificável cá de baixo. Se nos tivessem mandado abaixo seria um grande “ronco”, éramos quatro alferes e, de Empada para Catió, ainda um coronel, o meu chefe. Estas avionetas civis continuam a voar quase como nos bons velhos tempos e como o Cessna vinha relativamente baixo, distinguiam-se nitidamente os trilhos utilizados pela população e pelos guerrilheiros nas áreas que controlam. Semi-escondidas nas florestas, adivinhavam-se umas tantas aldeias."

2. Alguns comentários aqui deixados no nosso blogue sobre o comandante Pombo [vd. também o blogue dos Especialistas da Baase Aérea 12 Bissau):

(i) "O Comandante Pombo foi durante os primeiros 5 ou 6 anos da Independência da Guiné, piloto e um dos responsáveis da TAGB, transportes aéreos da Guiné.Bissau" (Septuagenário, 6/1/2008).

(ii)  "Estive na Guiné em 1960/63 e o Zé Pombo foi o amigo dos bons e maus momentos, fomos mantendo contacto até 1963, intermitente e mais certo, até 1968. Ainda hoje o considero um grande amigo, mas gostaria que um dia, antes que seja demasiado tarde, me permita dizer quanto apreciei a sua amizade, o seu companheirismo. É bem fácil, no Skype ou no Facebook! Ana Bela (30/11/2013).

(iii) Sim, há notícias dele, da parte de uma filha e de um filho, no blogue dos Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74... Nome completo: José Luis Pombo Rodrigues, ten pilav reformado (...,) "Ele foi viver para o Brasil (Maricá) perto do Rio,em agosto de 2010. Estou a ver se vou lá ter com ele brevemente pois morro de saudades. Tinha sido operado no hospital da Força aérea ao fémur e fez fisioterapia e voltou a andar. Já está reformado. Esteve muitos anos no antigo Zaire em Kinshasa a trabalhar como piloto da companhia Sicotra Aviation(Avião de carga).Conhece o grande amigo dele, o general Avelar de Sousa? Estive com ele há umas semanas num almoço de confraternização da polícia. Vá dando notícias. Vou seguindo o blogue que me parece excelente!" (...) (Luís Graça, 25/2/2014)

(v) "Quero também aqui homenagear o Pilot.Pombo que foi mais de uma vez fazer evacuações a Gadamael..pilotava um pequeno Cessna..julgo eu..que tinha instrumentos de navegação nocturna e que era logicamente pago pelo serviços que fazia, mas isso não lhe retira mérito" (C. Martins, 29/4/2012),

(vi) "Era muito apreciado pelo governo de Luís Cabral. Fazia viagens num avião dos TAGB, para Dakar e Caboverde. O avião do TAGB e o comandante Pombo ainda sobreviveram a Luís Cabral (1980) e trabalhou com o governo de Nino Vieira algum tempo. (...) "Em Bissau havia um mono-motor que fazia viajens para Bubaque mas era tão velho e a manutenção era tão duvidosa, que se dizia que só com o Pombo é que aquilo funcionava. E de facto, mais tarde aquele teco-teco pregou um grande susto a uns turistas que aterraram numa bolanha de arroz, foi só o susto e parece-me que o fim do aparelho." (Antº Rosinha, 7/5/2014).

(vii) "Também gostaria de saber notícias do Sr. Comandante José Luis Pombo, pois tive o privilégio de o conhecer e de viajar com ele. Fiz duas viagens entre Bissau e Bubaque, no Arquipélago dos Bijagós, na altura da Páscoa de 1974. Lembro-me que entre Bubaque e Bissau, tivemos de viajar "rente ao mar" por razões de "segurança de voo" , e deixou-me pilotar (era uma avioneta dos TAGP com dois comandos), apenas não aterrei no Aeroporto! seria bonito .... Lembro-me também que a torre de controlo mandou-nos aterrar primeiro, para um Boeing da TAP levantar, que por acaso levava a equipa do Porto, que tinha ido jogar a Bissau na altura da Páscoa do ano de 1974. Tenho uma fotografia com ele, tirada pelo meu pai, junto ao avião, na linda pista de conchas de Bubaque. A forma como ele se fazia à pista, era única e identificava-o logo. Mando de aqui um grande abraço e cumprimentos para este ilustre comandante aviador, conhecido na altura, como "Capitão Pombo". (Luís Gonçalves Vaz, 7/5/2014).

(viii) "Folgo muito em saber que o Comandante Pombo ainda se encontra entre nós... Um dia foi fazer uma evacuação a Gadamael..já ao anoitecer..a FAP estava impedida por ordem do COM.CHEFE..só pediu que iluminássemos a pista..o que se fez com umas "rodilhas" impregnadas de petróleo em garrafas... Comandante Pombo, um "herói mítico" da Guiné, toda a gente falava dele com admiração".
(C.Martins, 9/5/2014)

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Notas do editor:

(*) 8  de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14129: O nosso livro de visitas (181): Parabéns, comandante Pombo, ex-piloto dos TAGP e dos TAGB (Maria João Pombo Rodrigues)

(**)  Último poste da série >  31 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14101: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (91): O Alfarrabista Eduardo Martinho, amigo de Mário Beja Santos, foi Furriel Miliciano do Pel Rec da CCS do BART 2861, logo camarada do nosso tertuliano Furriel Enfermeiro, Ribatejano e Fadista Armando Pires

Guiné 63/74 - P14133: Convívios (648): O primeiro Encontro de 2015 da Magnífica Tabanca da Linha é já no próximo dia 22 de Janeiro no sítio e com a ementa do costume (José Manuel Matos Dinis)



1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71 e actual amanuense da Magnífica Tabanca da Linha), com data de 8 de Janeiro de 2015:

Carlos, meu bom amigo
Se é verdade que os amigos são para as ocasiões, prepara-te, pois chegou a ocasião de prestares um grande auxílio à Magnífica. De facto, o senhor Cmdt Rosales, que escapou sem apoquentações aos pesados exercícios natalícios, já se apoquentava com a minha falta de atenção ao decorrer do tempo, e telefonou-me, muito educadamente, com preocupações sobre a minha saúde, a minha alegria, e a de todos os meus no rescaldo das festas de Natal e da passagem do ano, telefonou-me, exactamente quando eu digitava o número dele com a mesma preocupação: a de prover aos magníficos da Linha, o tradicional encontro lambareiro, onde se avaliam as barriguinhas, e trocam-se impressões sobre análises clínicas, consultas ortopédicas, e outras temáticas que preenchem os espaços de interesses por onde evoluem os veteranos mais reformados.

Assim, aprazou-se que hoje, S. Ex.ª passaria por minha casa entre as 14 e as 15 horas, para nos deslocarmos a Oitavos. Três ou quatro minutos depois das 14H00 era eu a telefonar-lhe, e S. Ex.ª a responder que estava a entrar para a sua magnífica e luzidia viatura de uma conceituada marca japonesa (a minha também é japonesa, mas já conta quase duas décadas, e tem sofrido um bocadinho pela acomodação de uma razoável quantidade de equídeos, de que não faço uso por via da desqualificação dos meus olhinhos, embora, garanto, ainda passa dos duzentos com facilidade), que ele conduz com extremos de cuidado, tanto relativamente à máquina, como em relação ao código. Um exemplo de civismo.

Combinámos tomar o café num local à minha beira, onde nos encontraríamos. O Pedro, que lá trabalha, ao ver-me a entrar, logo tirou um cafezorro, daqueles que eu gosto pela quantidade, como pelo palato, uma selecção de uma proveniência alentejana. Também produz vinho, mas é caro. No entanto, quando passarem por Campo Maior, recomendo vivamente que visitem a adega, como as vinhas adjacentes, dois bons exemplos de empreendedorismo. Abri o porta-moedas em cima do balcão, tomei a bica, rocei a atenção por um noticiário televisivo que transmitia as últimas de França, olhei de viés para uma boazona que ia apostar no euro-milhões, confirmei que o tempo estava magnífico de luz e de temperatura, cocei os testículos para ocupar o tempo, e... de repente, tranquilo, com ar bonacheirão, S. Ex.ª entrou com um sorrizinho suficiente: - Então, já tomaste o café? Quis saber. Que sim, respondi. Tinha deixado a viatura a uma distância razoável para não incomodar a normal circulação de pessoas e bens, conforme estabelecem os tratados comunitários e o nosso código da estrada. Calmo, que S. Ex.ª é muito calmo, calmamente, conduziu-me através das lindas ruas de Cascais, num intervalo do cosmopolitismo, o que me permitiu apreciar as linhas de algumas arquitecturas, a verdura dos jardins, os ramos das árvores em prece para o céu, e, novamente, algumas silhuetas do belo sexo que circulavam graças a Deus.
Sem que tivesse decorrido muito tempo, chegámos a Oitavos, e ainda brilhava o sol no seu esplendor, enquanto a atmosfera era serena a aconchegar o ambiente. Lá em baixo, o mar azul reflectia a luz em reflexos vivos e suaves.

Quando abrimos a porta, preparava-se para sair o senhor Ricardo, gerente e responsável por alguns bons momentos que temos passado. Depois dos cumprimentos da praxe sentámo-nos a uma mesa junto a um grande vidro da janela virada ao sol, o que conferia excelente ambiente. Escolhemos o dia 22 de Janeiro e a mesma ementa: marisco com bianda, partindo do princípio de que, em equipa vencedora não se mexe (1). Conversámos sobre pingas e doces, para reafirmarmos que a propósito de tintos e brancos, queremos permanecer fiéis às marcas usufruídas, respectivamente, do Douro e de Palmela.
Convencionada esta fase importante e essencial da negociação, passámos à abordagem selectiva da sobremesa, que ficou decidido consubstanciar-se em salada de frutas e uma opção de tarte. Como de costume, porque não ocorreu falarmos, contamos com uns queijos, e derivados carnívoros para entradas.

S. Ex.ª visivelmente satisfeito e a pedir mais alguma coisa, perguntou-me se queria ir a algum lado, e encheu o peito de ar e auto-confiança, quando a alturas da Casa da Guia, parou antes de uma passagem para peões, que passou a ser utilizada por uma ainda jovem senhora de óculos escuros, que a meio abrandou a marcha, e brindou o passageiro condutor com um olhar fixo e emoldurado por um belo sorriso. Ainda continuou a sedução, enquanto a viatura de S. Ex.ª permanecia no seu (dela) alcance visual.
Ora digam V. Exªs. não dá gosto cumprir uma missão nas circunstâncias descritas?

Recordo que no último encontro, estiveram presentes mais de sessenta mastiganres. Agora, está assegurado que até noventa, a casa não vai abaixo, e sobra espaço. Portanto, como de costume, no conhecido local que deriva da estrada do Guincho para Oitavos, pelas 12H30 do próximo dia 22, quinta-feira, terá lugar o ansiado encontro de magníficos, e tratem de proceder à rápida inscrição - até ao dia 19, pois há ameaças de comparecer para cima de um batalhão. Já agora, divulguem por todos os que beberam água da bolanha. E não se esqueçam, cada um/a, de se fazerem acompanhar por 15 euros, para pagamento do usufruto da vista circundante.

Os telefones do costume:
Rosales - 914 421 882; o amanuense Dinis - 913 673 067.

(1) em http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt na rubrica da Magnífica Tabanca da Linha há referências simpáticas sobre a ementa, bem como no blogue dos sexmachine incorporated oh yé!
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14092: Convívios (647): A Tabanca de Bedanda na sede nacional da ADFA, em Lisboa, Av Padre Cruz, no passado dia 18, a convite do Fernando de Jesus Sousa, autor de "Quatro Rios e um Destino” (Chiado Editora, 2014)

Guiné 63/74 - P14132: Notas de leitura (668): “Honório Pereira Barreto”, escrita pelo médico Jaime Walter, e editada em 1947 pelo Centro de Estudos da Guiné Portuguesa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Janeiro de 2015:

Queridos amigos,
Poderia compreender-se nos anos subsequentes à independência da Guiné-Bissau o silenciamento à volta de Honório Pereira Barreto, sem atinar com o estudo das mentalidades ele era apodado de negreiro e colaboracionista com as autoridades coloniais. Continua a teimar-se em aceitar a lição da História, Honório Barreto foi educado em Lisboa e acolheu o sentimento pátrio, foi incansável a fazer acordos, a comprar do seu próprio bolso território para a Guiné, a barafustar contra as intromissões francesas e britânicas, cobiçando um território completamente esquecido por Lisboa.
Não há condicionais em História, mas é inquestionável que foi este governador que lançou as bases deste território onde combatemos e que é hoje a Guiné-Bissau.
Conhecer o pensamento e ação de Honório Pereira Barreto é uma questão fundamental para a cultura luso-guineense.

Um abraço do
Mário


Honório Pereira Barreto, por Jaime Walter

Beja Santos

Nativo da Guiné, Honório Pereira Barreto(*) nasceu em Cacheu em 24 de Abril de 1813, filho de João Pereira Barreto, sargento-mor de Cacheu, e Rosa de Carvalho Alvarenga, senhora de cor. Foi enviado em criança para ser educado em Lisboa, com destinado à Universidade de Coimbra, mas em 1829, por morte do pai, foi obrigado a regressar a Cacheu para assumir a direção da casa comercial que herdara. Assim se inicia a biografia “Honório Pereira Barreto”, escrita pelo médico Jaime Walter, e editada em 1947 pelo Centro de Estudos da Guiné Portuguesa. Regressa à Guiné, “e foi grande a desilusão que sentiu, quando verificou o estado em que se encontrava Cacheu e toda a Guiné”. Em 1832, teve lugar uma nova organização administrativa do território português, que passou a ser dividida em províncias, subdivididas em comarcas e estas em conselhos, governadas por prefeitos, subprefeitos e provedores. A comarca da Guiné, que pertencia à província de Cabo Verde, passara a possuir uma subprefeitura em Bissau e uma provedoria em Cacheu. Em 1834, com vinte e um anos de idade, Barreto foi nomeado provedor de Cacheu. Derrotou os indígenas sublevados e estabeleceu acordos de paz. Assiste às primeiras tentativas francesas de usurpação do Casamansa. Calculando que as ambições francesas incidissem sobre o território de Bolor, ratificou em nome da Rainha a cedência do território a Portugal. Vai alertando as autoridades mas parece que ninguém o quer ouvir, e um dia vai escrever um dolorido desabafo: “Quer por ser rapaz, como me disse o antigo governador de Cacheu, quer por eu ser negro, e não merecer consideração, quer por outra coisa que não posso apreciar, nunca obtive resposta”. Os franceses pretendiam abocanhar um ponto denominado Gomé, e Barreto atua comprando o terreno e arvorando a bandeira nacional. Em 1836, é nomeado pela primeira vez governador da Guiné, lugar que não chegou a tomar posse por ter sido demitido o governador-geral que o nomeara. É depois nomeado encarregado do governo e inicia diligências diplomáticas junto das autoridades inglesas para travar as ambições francesas no Casamansa. Os franceses não desarmam e em Março de 1837 sobem o rio de Casamansa e estabelecem em Selho uma feitoria. Barreto protesta junto do governador francês do Senegal, sem resultados. Em Abril seguinte Barreto é nomeado Governador de Bissau e Cacheu bem como Tenente-Coronel Comandante do Batalhão de Voluntários Caçadores Africanos de Cacheu e Ziguinchor. Em Dezembro desse ano, vemo-lo em Bolama a ratificar a posse da ilha. Em 1838, compra o Ilhéu do Rei e uma parte do rio Geba, compra feita em nome da nação portuguesa mas paga pelo seu bolso.

Em Dezembro de 1838, vai começar a questão de Bolama, quando o comandante Arthur Kellet, do brigue de guerra Brisk aí desembarcou cometendo atropelos de toda a natureza. No ano seguinte, Barreto deixa de exercer funções governativas, volta aos seus negócios. É neste período que ele vê com desgosto que na Câmara dos Senadores terem feito comentários insanos sobre a Guiné, irá reagir escrevendo a Memória sobre o Estado Atual da Senegâmbia Portuguesa. Escreve Jaime Walter acerca do documento: “É um modelo de verdade e patriotismo. Marca a forte personalidade de Honório Barreto, o desassombro da sua linguagem e das suas atitudes, diz-nos o que pode numa alma viril o culto da verdade ao serviço de uma causa essencialmente patriótica”.

Honório Barreto, vendo apertar-se o cerco estrangeiro ao que resta de Senegâmbia portuguesa, faz convenções com chefes indígenas e oferece os contratos à Coroa. E a Coroa agradece, condecorando-o com a Comenda da Ordem de Cristo. Em 1846, perante a revolta dos grumetes de Farim, ele organiza uma expedição e desbarata os insurretos. É agraciado com o Grau de Cavaleiro da Ordem da Torre e Espada.

Em 1853, celebrou uma convenção com os régulos de Bolor e quando estala uma rebelião no presídio de Geba é ele quem vai pacificá-la. Os navios franceses e ingleses estão cada vez mais presentes nos Bijagós, os franceses perturbavam a vida de Ziguinchor e os ingleses cercavam Bolama. É desse tempo que vem uma anedota descrita por vários autores, passada entre Barreto e o comandante de um vapor inglês:
“O comandante do vapor inglês mandou pedir ao governador uma audiência, que prontamente lha concedeu. Preparava-se o governador para receber tão alto personagem, pega do binóculo, assesta-o no bote que trazia para terra a comitiva inglesa, mas vendo que no lugar de honra vinha um inglês vestido de chambre muito repimpado, que naturalmente seria o comandante, fez o nosso governador, que não era homem para meias medidas, recorrer a um expediente que ficou para a história.
Mandou retirar as sentinelas, pôs-se muito à vontade e de camisa por fora das calças, esperou ao cimo da escada o recém-chegado.
- Desejava falar com o Senhor Governador. 
- Mas quem é o Senhor? 
- Eu sou o comandante inglês que lhe mandei pedir audiência. 
- Queira entrar, eu sou o governador. 
- Mas nesse trajo? 
- Para um comandante vestido de chambre, um governador vestido assim. 
Escusado é dizer que o comandante entupiu e foi vestir-se de grande uniforme”.

Barreto nunca perde a iniciativa política, domina revoltas, funda colónias, oferece territórios ao país. Mas o seu estado de saúde agrava-se de dia para dia, faleceu no dia 26 de Abril de 1859. Na sessão de abertura da Junta Geral do Distrito da Província de Cabo Verde, a 15 de Maio de 1859, o governador fez o elogio de Honório, usou sentidas palavras:
“A morte do honrado, inteligente e patriota desinteressado, Honório Pereira Barreto, Governador da Guiné, que muito temos a lastimar, não foi efeito de causas extraordinárias. A falta do único homem que conhecia profundamente a Guiné, que estendia a sua influência para o interior e na costa, a grande distância, instruído, e sempre pronto no serviço do seu país, é uma perda irreparável”.


O estudo de Jaime Walter é enriquecido por documentos alusivos, destaco a carta que enviou em 5 de Junho de 1839 ao Governador-Geral em Cabo Verde, a propósito dos desmandos do tenente Arthur Kellet, comandante do Brisk, em Bolama:
“Se eles se julgavam com direito a ela, deviam requerer ao Governador de Bissau, e mostrar-lhe que era sua, para este me dar parte; porém, mandar um tenente da marinha em estado embriaguez vergonhosa assolar e roubar a ilha de Bolama, pressionar soldados portugueses, quebrar-lhe as armas; cortar o pau da bandeira, rasgar a bandeira nacional portuguesa, cuspi-la e calcá-la aos pés, é só próprio de um gentio bárbaro; estou certo que nenhum outro militar de qualquer outra nação da Europa, da América, África ou Ásia é capaz de tanta infâmia e tanta insolência como a que praticou este tenente inglês com aqueles mesmos a quem pediu vinho para se embriagar.
É um insulto feito não só por estar toda a guarnição daquele brigue em indigna embriaguez, mas muito de propósito para nos desacreditarem com as nações gentílicas da Guiné: se esta nação é nossa aliada, eu não sei que mais possa fazer os nossos inimigos”.
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 5 de Janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14118: Notas de leitura (665): “Memória sobre o estado atual da Senegâmbia portuguesa, causas da sua decadência e meios de a fazer prosperar”, por Honório Pereira Barreto (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 8 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14130: Notas de leitura (667): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (2): Portugal é uma monarquia sem monárquicos

Guiné 63/74 - P14131: Parabéns a você (843): Manuel Vaz, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 798 (Guiné, 1965/67)

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Nota do editor

Último poste da série de 7 de Janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14125: Parabéns a você (842): Mário Lourenço, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CCAV 2639 (Guiné, 1969/71)

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14130: Notas de leitura (667): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (2): Portugal é uma monarquia sem monárquicos

 


1. Em mensagem do dia 4 de Janeiro de 2015, o nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO) (ex- Fur Mil da CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), enviou-nos, do seu último livro, Família Coelho,(*) este apontamento com o título "Portugal é uma monarquia sem monárquicos".


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Notas do editor

(*) Vd. poste de 2 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14110: Notas de leitura (664): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (1): "O Avô Porraditas"

Último poste da série de 7 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14127: Notas de leitura (666): Do livro "O Corredor da Morte", de Mário Vitorino Gaspar, "As Minas, as armadilhas, os fornilhos e outros"

Guiné 63/74 - P14129: O nosso livro de visitas (182): Parabéns, comandante Pombo, ex-piloto dos TAGP e dos TAGB (Maria João Pombo Rodrigues)






Fotos: © Maria João Pombo Rodrigues. (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG]

1. Mensagem da nossa leitora Maria João Pombo Rodrigues. com data de 2 do corrente (*):


Boa tarde,
 

Estava a pesquisar na Net e vim dar a este blogue. O meu nome é Maria João Pombo. Vi umas fotos do meu pai José Luis Pombo Rodrigues [, que foi piloto e comandante dos TAGP - Transportes Aéreos da Giiné Portuguesa, e depois dos TAGB - Transportes Aéreos da Guiné-Bissau, ainda uma meia d
zuia de anos a seguir à independência].(**)

Aproveito para enviar umas fotos recentes do meu pai que agora está em Lisboa. Muito obrigada pela partilha, fiquei muito orgulhosa. 

Bom ano e bem haja!!
Maria João
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Notas do editor:

Último livro de visitas > 9 de dezsembro de  2014 > Guiné 63/74 - P13998: O nosso livro de visitas (180): António Santos Dias, ex-Fur Mil da CTransp 9040/72 (Guiné, 1974)

(**) Vd. postes de:

9 de maio de  2014 > Guiné 63/74 - P13117: Memória dos lugares (265): Bubaque... e o comandante Pombo, dos TAGP, na Páscoa de 1974 (Luís Gonçalves Vaz)

7 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13110: Em busca de... (243): Comandante José [Luis] Pombo [Rodrigues], dos antigos Transportes Aéreos Civis, que operavam no CTIG... (Rui Vieira Coelho, ex-alf médico, BCAÇ 3872 e BCAÇ 4518, Galomaro, 1973/74)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14128: Memórias de Copá (3): Janeiro de 1974 (António Rodrigues, ex-sold cond auto, 1ª CCAV / BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 11973/74)

1. O nosso camarada António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto da 1ª CCAV do BCAV 8323 (Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 1973/74) enviou-nos o seguinte texto. 

COPÁ – JANEIRO DE 1974

A minha 1ª CCAV / BCAV 8323 tinha as suas forças aquarteladas em Bajocunda e Copá. 

Este texto sobre os acontecimentos em Copá no início de Janeiro de 1974 foi retirado das minhas memórias da Guerra na Guiné. 
 
Chegámos ao dia 3 de Janeiro de 1974 e foi um dia mais ou menos calmo como de costume, embora durante a tarde enquanto jogávamos futebol na pista de aviação em Copá, se ouvissem fortes rebentamentos na direcção de Canquelifá, que soubemos depois estava a ser violentamente flagelado com armas pesadas, mas tal era ainda nessa altura o nosso àvontade, que, apesar de ouvirmos tantos rebentamentos e tão próximo de nós mantivemo-nos a jogar à bola no exterior do arame farpado e realmente até ao fim do dia nada de anormal nos aconteceu. Deitamo-nos como de costume cerca das 20h30 ou 21h00, embora ficasse como era normal um homem de sentinela em cada abrigo.

O nosso baptimo de fogo

Eram 23h30 em ponto do dia 3 de Janeiro de 1974, quando o Manuel Vicente Antunes que àquela hora fazia reforço no meu abrigo, gritou, ao mesmo tempo que ouviamos um rebentamento, que saíssemos da cama porque havia perigo, mas não foi necessário o grito do sentinela, pelo menos para mim que ao ouvir o rebentamento saltei imediatamente da cama e vim para ao pé da vala ver o que se passava.

Quase no mesmo momento todos os meus camaradas de abrigo estavam fora da cama e a nossa primeira reacção àquele rebentamento e aos outros que se lhe seguiram, é que seriam rebentamentos do obús 10,5, arma da nossa artilharia instalada em Canquelifá e que estavam a bater a zona depois de terem sido atacados durante a tarde. 



Entretanto, um dos meus camaradas de abrigo foi ao posto de transmissões saber o que na realidade se passava e na verdade de Canquelifá não havia notícias, mas o Alferes que comandava o pelotão de Africanos que já tinha mais experiência do que nós disse-lhe: "Vai avisar os teus camaradas que se previnam que este fogo é de armas inimigas"; e assim estávamos realmente pela primeira vez a ser atacados por armas inimigas e a enfrentar a realidade daquela guerra. Era este o nosso baptismo de fogo. 



As primeiras granadas passavam por cima de Copá e iam rebentar aí a uns 2 Km de distância, entre Copá e Bajocunda, elas vinham bastante alternadas, atiravam 3 morteiradas, deixavam passar dez minutos e voltavam a atirar outras três e assim sucessivamente. Entretanto perante o que estava a acontecer, lembrei-me dum conselho que me tinha dado o Amândio Noversa com a experiência que ele já tinha e que era o seguinte: “Sempre que oiças um rebentamento seja ele de que arma for, atira-te para o chão e tenta abrigar-te porque isso pode valer-te a vida”.



E eu ao lembrar-me disso, fiz precisamente o que devia, meti-me dentro da vala a aguardar o que viria a acontecer, entretanto os rebentamentos continuavam de 10 em 10 minutos e cada vez a aproximarem-se mais do nosso aquartelamento o que nos dava a impressão de o fogo estar a ser comandado por rádio. Enquanto isto acontecia, os restantes meus camaradas que se mantinham fora da vala diziam: "O Rodrigues é um cagão, tem medo a isto só está bem no buraco", palavras não eram ditas e eis que ali junto a nós cai a primeira granada, (pois que elas se tinham vindo a aproximar lentamente) e, ao rebentar, os estilhaços bateram com violência no telhado de chapa do nosso abrigo, foi então que os meus camaradas se abrigaram também na vala convencidos do perigo em que estávamos, e diziam uns: "Ai N.ª Srª de Fátima"; outros, "Ai minha Mãezinha"; e depois diziam todos, o "O Rodrigues sempre tinha razão em se ter protegido porque isto está feio".



Entretanto as bombas continuavam a cair, é curioso que a dada altura duas em cada três granadas caiam ali próximas, mas não rebentavam, entravam na terra a uma profundidade cerca de 5 metros e então dizíamos nós uns para os outros, "Amanhã não vão faltar aí granadas inteiras", dizíamos isto porque era de noite e apenas as ouvíamos cair, mas elas perfuravam a terra e desapareciam pelo chão dentro. 


A dada altura, ainda deste primeiro ataque, as granadas começaram a cair com maior intensidade sobre o abrigo ou posto onde eu me encontrava, a nossa falta de experiência disse-nos naquele momento que devíamos abandonar o posto e irmos para outro menos apoquentado, porque na verdade o abrigo 7 era naquela noite o que estava a ser mais atingido e por isso não hesitamos em nos mudarmos todos para o abrigo 1 que ficava ali mesmo ao lado e ali ficamos à espera do que iria acontecer, uma vez que não dispunhamos de armas com que pudéssemos responder, a arma mais forte que tinhamos era um morteiro 81 cujo alcance máximo, segundo me recordo,  era cerca de 5 Km e a distância a que estava o inimigo era superior, por isso a nossa resposta limitou-se a um ou dois disparos de morteiros. 

O PAIGC continuava entretanto a disparar de 10 em 10 minutos sobre Copá, pelo que só se resolveram a parar eram duas horas da madrugada do dia seguinte, precisamente no momento em que o luar desapareceu, foi aí que o primeiro ataque a Copá desde que lá chegamos terminou. Viemos a saber mais tarde que o destacamento de Copá sempre foi um dos que ao longo da guerra sofreu regularmente fortes flagelações, aliás não era difícil qualquer um de nós encontrar provas mais do que evidentes do que tinha lá acontecido muitas vezes. 

Os Guerrilheiros dispararam nessa noite, sobre Copá, 58 granadas,  mais de metade das quais caíram fora do aquartelamento. 

Felizmente naquela noite não houve problemas de maior, nem sequer o mais leve ferimento, mas a ideia que nos ficou foi que o barulho que fizemos durante a noite da passagem de ano serviu ao inimigo para ponto de referência, que aproveitou para apontar as armas a Copá e depois acabou de acertar, através de rádio, próximo do local. 

Mas o ataque desse dia foi apenas um pequeno aviso, passaram-se os dias 4, 5 e 6 com relativa calma, para o dia 7 marcou-se novamente a coluna que dias antes tinha sido interrompida, mas nesse dia veio mesmo a realizar-se, só que, chegada a meio do percurso (Massacunda Maunde) foi atacada por uma forte emboscada feita nesse local pelo PAIGC. 

Eram cerca das 9.30h da manhã, estava eu e os homens que nesse dia estavam de serviço à água junto ao poço onde tirávamos a água em Copá, a dado momento ouvimos um forte rebentamento na direcção de Massacunda, logo seguido de um enorme tiroteio, lembramo-nos logo que seria a nossa coluna que estava a ser emboscada, ficamos um pouco suspensos e logo um furriel nos chamou e disse que largássemos a água porque tinhamos que ir em socorro dos nossos camaradas. Nós assim fizemos, eu peguei no carro imediatamente e regressamos para dentro do arame farpado, formou-se o pelotão que arrancou imediatamente para o local, em Copá ficamos apenas 5 ou 6 homens mais ou menos,  um por cada abrigo, pois ainda tínhamos connosco mais alguns soldados Africanos.


7 de Janeiro de 1974: o dia mais infernal por que já passei

Na mesma altura em que saiu o pelotão, partiu também para outra zona do mato, nos arredores de Copá na direcção da fronteira com o Senegal, um Africano civil que era nosso informador, que passadas algumas horas chegava com más notícias, disse-nos ele que ali próximo o PAIGC estava estacionado com várias viaturas carregadas de munições para atacar Copá, o que na verdade se veio a concretizar nesse mesmo dia.

Na verdade esse dia 7 de Janeiro de 1974 foi para a minha companhia e particularmente para o pelotão destacado em Copá, o dia mais infernal que lá passamos e que, eu já mais esquecerei. 

Entretanto do local da emboscada chegava-nos via rádio a notícia mais concreta do que tinha acontecido, dois mortos – o Soldado Rui Silveira Patrício e o 1.º Cabo António Aguiar Ribeiro [1], os primeiros mortos do meu Batalhão.

Os dois faziam parte do 3.º Grupo de Combate da 1.ª CCAV/BCAV 8323, que eu recordo com muita saudade, havia também quase todo o pelotão que fazia segurança à coluna bastante ferido, nomeadamente, o Alferes Santos que o comandava e outro homem com uma perna partida, um outro que acabou por perder uma vista e ainda hoje tem o corpo cravado de estilhaços, para além de duas viaturas Berliet destruídas: a primeira porque accionou a mina anti-carro e o condutor Sousa foi cuspido pelo ar e caiu ao chão, ficou com as partes superiores das pernas pisadas, porque bateu com elas no volante ao ser cuspido e arranhou uma perna ao cair, a sua carga era parte do pessoal que fazia segurança;  a segunda ia carregada de munições de G3 e granadas de morteiro 81 e 60, na cabine desta viatura seguia o Soldado Condutor Abílio Correia Sabino Magalhães e o Rui Patrício mais o Aguiar Ribeiro.

O Correia saltou abaixo sem problemas, mas nesse mesmo momento os outros dois camaradas já tinham sido atingidos com um tiro, o Rui Patrício ainda desceu da viatura e disse ao Correia que ia morrer, o que aconteceu naquele preciso momento, o Aguiar Ribeiro já ferido abrigou-se debaixo da Berliet que entretanto começou a explodir as munições que trazia tendo ficado reduzida a um monte de ferros espalhados pela picada, o que deu origem a que o Aguiar Ribeiro morresse completamente calcinado pelo fogo, pois que para além das munições começarem a explodir, o PAIGC ainda continuou a atacar durante bastante tempo, tendo usado Minas Anti-Carro e Anti-Pessoais, RPG2, RPG7 Morteiros e armas automáticas. 

Para além dos mortos e feridos e das referidas viaturas, destruíram o dinheiro que seguia nessa coluna para pagamento do anterior mês de Dezembro a todos os militares Europeus e Africanos que se encontravam em Copá, foi ainda destruído todo o correio destinado a Copá, que incluía os postais de Boas Festas e lembranças dos nossos Familiares que, dadas as circunstâncias não chegaram a tempo do Natal e tendo sido ali destruídas não pudemos recebê-las. 

Para socorro dos camaradas que sofreram a emboscada, para além do Grupo de Combate de Copá, partiu de Bajocunda mais um Grupo de Combate da 1.ª CCAV / BCAV 8323 e de Pirada,  comandados pelo próprio Comandante de Batalhão, partiram mais 2 Grupos de Combate da 3.ª CCAV / BCAV. 


Estas forças de socorro levantaram 6 minas antipessoais e destruíram 1, levantaram uma Anti-carro, tendo recolhido a Bajocunda e a Copá respectivamente pelas 20h00.


Guiné > Zona leste > Pirada > Copá > 1.ª CCAV/ BCAV 8323 (1973/74) > Berliet destruída pro mina A/C na emboscada de 7 de janeiro de 1974 na picada Copá-Bajocunda. Foto de António Rodrigues. Cortesia do blogue da Associação dos Combatentes do Concelho de Arganil.
Foto: © António Rodrigues. (2013). Todos os direitos reservados.


Ataque a Copá no mesmo dia durante várias horas (das 17h00 às 22h20), ficando a guarnição reduzida a 29 homens

Mas nesse dia as coisas más não tinham terminado, aí, às cinco horas da tarde desse mesmo dia, com apenas pouco mais de um homem em cada posto (porque o restante do pelotão ainda se encontrava no local da emboscada) concretizavam-se as informações que tinhamos recebido de manhã e Copá às dezassete horas em ponto começava a ser atacado de novo pela artilharia do PAIGC.

Os poucos que ali nos encontravamos metemo-nos nas valas de G3 na mão à espera do que desse e viesse, pois mais uma vez não tinhamos armas com capacidade de lhes darmos resposta e com dois homens em cada posto lá fomos aguentando o fogo de morteiros 120 e 82 que carregava sobre nós persistentemente, só cerca das 20H00 é que entrou o restante pelotão em Copá debaixo de fogo, quando a maioria da população aos gritos se punha em fuga das suas tabancas que ardiam infernalmente e fugiam em direcção à Republica do Senegal cuja fronteira ficava dali a 3 Kms. 



Juntamente com a população fugiram (desertaram) praticamente todos os militares Africanos que ali se encontravam em reforço da Guarnição, ficando apenas em Copá naquela noite, um Alferes e um furriel Europeus que comandavam esse Pelotão de Africanos, juntamente connosco o 4.º Grupo de Combate da 1.ª CCAV/BCAV 8323 num total de 29 homens. 



Devo dizer que nessa noite vivemos um autêntico ambiente infernal e de terror com tantas chamas à nossa volta, das tabancas e do milho, que ardiam como gasolina, para além do perigo que representava o calor das chamas próximas das nossas munições que podiam explodir em qualquer momento e nós debaixo de tanto fogo, chamas e bombas não sabia-mos onde protegê-las. 

Mas o ataque do PAIGC continuava, agora já noite e com as chamas a servirem-lhe de alvo, mas nós continuavamos sem capacidade de resposta, porque eles estavam a grande distância e as nossas munições eram muito poucas para se gastarem inutilmente, dispunhamos apenas de umas 18 a 20 granadas de morteiro 81, algumas de morteiro 60 e talvez pouco mais de uma dúzia de granadas de mão, que viriam a ser lançadas de dilagramas [2], mas a artilharia do PAIGC não parava o seu ataque e vimo-nos forçados a pedir auxílio a Bissau, que nos mandou um avião Dakota que começou a sobrevoar Copá eram 22h20 da noite, altura em que a artilharia do PAIGC parou com o fogo, tinham decorrido 5 horas e 20 minutos seguidos, que nós aguentamos debaixo de fogo intenso e violento. 

Entretanto os estilhaços das bombas tinham rebentado os fios da iluminação eléctrica, visto que tinhamos um gerador próprio e como era de noite o avião não tinha qualquer sinal para nos localizar, então através do rádio o piloto falou para o nosso posto de transmissão e perguntou qual a localização do inimigo, no que foi mais ou menos informado, depois o piloto pediu para lhe fazermos um sinal que consistia no seguinte: como junto das cantinas existiam sempre uns bidões com garrafas de cerveja vazias, utilizamos essas garrafas para fazer uma grande cruz no centro de Copá e enchemo-las com gasóleo, pusemos-lhes uma torcida de pano e acendemo-las de seguida e assim o piloto já nos podia detectar facilmente além de que, esse mesmo sinal lhe servia também de ponto de referência para a partir dali localizar o inimigo. 

Feito isto e já sem se ouvir o mais pequeno ruído do inimigo, (porque este, mal ouviu o ruído do avião calou-se imediatamente),  o piloto do Dakota tentou localizar o melhor possível a base do PAIGC naquela noite e quando entendeu que estava sobre ela começou a despejar bombas e manteve-se por ali durante cerca de mais de meia hora, espaço de tempo em que nos mantivemos relativamente calmos porque o fogo tinha parado. O avião regressou à base cerca das 23h00. O resultado do bombardeamento do avião deixou-me as maiores dúvidas, porque de noite todos os gatos são pardos. 

Mas o PAIGC, ao emboscar nesse mesmo dia de manhã a coluna que nos vinha abastecer de munições e ao atacar em massa Copá nesse dia à tarde apanhando-nos quase desarmados, tinha feito uma acção muito bem planeada e em grande escala, jogava forte na conquista de Copá nesse dia. 

Mas mais uma surpresa estava para acontecer, nessa mesma noite aconteceu uma coisa bastante curiosa para nós, o inimigo não satisfeito com o resultado do ataque que tinha terminado minutos antes, ou talvez pensando que estaríamos quase todos mortos, ao aperceber-se que ia ser bombardeado pelo nosso avião, em vez de se retirar para o interior do Senegal, que ficava ali muito próximo e donde provavelmente eles se tinham deslocado, usou uma táctica inesperada, como era noite escura e se podiam deslocar à vontade sem serem vistos pelo avião, saíram do local onde se encontravam e deslocaram-se para junto do nosso aquartelamento, pois sabiam que assim estavam em melhor segurança em relação ao avião, e mal o avião partiu e se foi embora, eram cerca das 23 horas, começamos a ouvir fortes ruídos de motores a trabalhar, dava-nos ideia de serem viaturas que se dirigiam a Copá e a sê-lo àquela hora, eram com certeza do inimigo. 

Entretanto quase todos os meus camaradas do Abrigo 7 se foram deitar, pois todos estávamos bastante cansados, mas eu ao ouvir todo aquele estranho ruído tinha um pressentimento de que as coisas ainda não tinham terminado nesse dia e então decidi ficar a pé e fazer companhia ao sentinela, até ver o que ia acontecer. 

Devo dizer que debaixo do bombardeamento que sofremos nessa tarde não sofremos o mais pequeno ferimento em ninguém, por isso tenho que acreditar que tínhamos Deus do nosso lado, até porque quando estávamos debaixo de fogo quase todos nós rezávamos uma oração, principalmente o terço a Nossa Senhora, eu sentia bem essa protecção a cada momento. São situações tão aflitivas e angustiantes, em que esperamos a morte a cada segundo que passa que, mesmo os não crentes se juntavam a quem rezava. 

Enquanto nessa noite de 7 de Janeiro de 1974, eu esperava pelo resto dos acontecimentos, o que fiz foi rezar mais uma oração a Deus Nosso Senhor, que nos protegesse a todos do que poderia ainda acontecer naquela noite, ainda por cima éramos tão poucos, com a deserção dos Africanos durante aquela tarde estavamos reduzidos a 29 no total. 

Novo ataque às 23h50 junto ao arame farpado,  com apoio de viatura blindadas e artilharia... Mas Copá resistiu!

E as viaturas encaminhavam-se a toda a força na direcção de Copá e cerca das 23 horas e 50 minutos tudo parou e o ruído deixou de se ouvir, (a falta de iluminação facilitou-lhes as manobras e a instalação à vontade de todo o seu dispositivo) e ficamos na expectativa à espera de mais um momento terrível daquela noite e o meu pressentimento veio a concretizar-se, era exactamente meia noite e dez minutos quando se ouviu o já típico rebentamento que dava início aos ataques do inimigo. 

Aí teve início mais uma hora e cinco minutos horrorosos, infernais e terríveis de enfrentar, aí o inimigo estava 10 metros à nossa frente e trazia uma táctica que estava muito bem montada, tinha junto ao arame farpado 3 secções, separadas alguns metros, o que lhe permitiu fazer fogo de armas ligeiras ininterruptamente durante 1 hora e 5 minutos, porque o fazia por secções e quando uma estivesse sem munições a outra estava já preparada para disparar e assim sucessivamente, mas para além destas secções de homens armados de metralhadoras tinham um auto-blindado (tipo ZIG Russo) junto a uma das secções a apoiá-la com os disparos do seu canhão e na retaguarda destas secções tinham toda a artilharia com que nos tinham atacado durante a tarde, esta encontrava-se a cerca de 1 Km também apoiada por outro auto-blindado do mesmo tipo. 

Mas agora a coisa mudava de figura, ainda estavamos todos vivos e de saúde e por isso, como estavamos frente ao inimigo, apesar das armas de que dispunhamos continuarem a ser de capacidade inferior às deles e um número reduzido de munições, iríamos aplicar o melhor das nossas forças para lhe darmos resposta adequada e tentar defender a nossa posição e principalmente a nossa integridade física.





Esquisso de Copá, comas posições das NT e do PAIGC. Autor: António Rodrigues

Uma das primeiras coisas que fizemos a mando de um Furriel, foi lançar uma granada de bazuca do tipo iluminante, que na realidade por uns momentos ilumina tudo por onde passa, o que nos permitiu ver claramente a posição do inimigo e nos ajudou a cumprir a nossa missão com a maior objectividade possível.

Começamos então a disparar na direcção adequada dilagramas, granadas de bazuca, de morteiro 81 e 60, além das metralhadoras Breda, HK-21 e G3, a luta era quase corpo a corpo e muito renhida e a secção que estava do lado norte, apoiada pelo blindado, este estava já a abrir uma entrada para penetrar no nosso aquartelamento, onde progrediu cerca de dez metros para dentro do arame e é aqui que o meu camarada Antunes, acompanhado do 1.º Cabo João Ribeiro, se enchem de coragem, pegam em meia dúzia de granadas de morteiro 60, saltam para fora da vala debaixo de fogo e atiram-nas todas, sobre-o blindado que tentava entrar e que o terá feito recuar, não sei se por acção dessas granadas que não teriam grande efeito sobre tal arma, mas o certo é que quem o comandava resolveu iniciar a retirada naquele momento, mas a confusão era enorme e não sabíamos bem o que se passava com o restante do nosso pessoal, a dado momento aproximou-se do nosso abrigo o Demba, (um soldado Africano do nosso exército que ia em fuga para o Senegal, era o ultimo deles a abandonar-nos) que nos disse que o Alferes Brás já estava preso e nós ficamos ainda mais baralhados e confusos e dissemos até uns para os outros, se calhar esta noite vamos ser feitos prisioneiros do PAIGC, mas felizmente o Alferes Brás ainda não estava preso (e nunca chegou a estar) confirmamos isso quando pouco depois ele gritou em voz alta como costumava fazer, perguntando lá do seu posto, “EI PESSOAL ESTÁ TUDO VIVO ?”

Era verdade, estavamos todos vivos e ninguém com a ajuda de Deus estava ferido, aguentamos o resto daquela hora infernal de tiros e granadas sobre as nossas cabeças, continuamos a defender-nos principalmente através de dilagramas e morteiro 81, este último teve papel importante nessa noite, cujo artilheiro o tirou do tripé (e cujo prato se partiu ao fim dos primeiros disparos) para o poder manobrar da melhor maneira (o próprio Alferes Manuel Brás ajudou a segurar no tubo já quente do morteiro com ajuda de uns panos para não queimar as mãos) e foi esse morteiro 81 que veio a causar os maiores problemas ao inimigo, que ao fim de 1 hora e 5 minutos, teve que retirar, possivelmente com alguns mortos. [3]

Em Copá ficavam enormes incêndios com tudo a arder em grandes chamas e nós os militares e população tinhamos vivido horas amargas e terríveis nesse dia e noite de 7 de Janeiro de 1974 que jamais eu poderei esquecer. 

O PAIGC, esse, não conseguiu os objectivos a que se tinha proposto, ao cortar-nos de manhã o abastecimento a Copá e ao atacar-nos à tarde em massa, o seu plano em parte tinha falhado. 

Era 1 hora e 15 minutos do dia 8 de Janeiro de 1974 quando o tiroteio acabou e pudemos então descansar um pouco. No dia seguinte de manhã, fomos passar reconhecimento fora do arame farpado e verificamos melhor o que na realidade tínhamos provocado ao inimigo, vimos a entrada que realmente o blindado abriu no arame farpado e numa das secções, junto ao poço de água da pista de aviação, teriam tombado pelo menos dois homens, visto que aí haviam duas postas de sangue separadas por um metro de distância e tinham colados alguns dos muitos invólucros das muitas munições que já tinham disparado (tinham o aspecto de uma Pisa).

A meio da distância entre os dois e cerca de um metro atrás, rebentou uma granada do nosso morteiro 81, o que com certeza terá ferido os homens daquela secção e eles tombaram sobre os invólucros que tinham à sua volta, mas encontramos ainda um carregador e caixas de munições da KALASHNIKOV, maços de tabaco e bonés, mas haviam mais sinais, o blindado que apoiava a artilharia lá mais atrás, tinha vindo socorrer os feridos de que atrás falei, mas como nós insistimos a fazer fogo com as nossas armas, mesmo sabendo que eles estavam em retirada, esse blindado não conseguiu chegar perto dos feridos, pelo que estes foram levados de rastos até ao carro, mas vendo-se atrapalhados não conseguiram meter os feridos logo no carro, pelo que este começou a retirar de marcha atrás sobre o mesmo rodado, enquanto o carreiro que os corpos de rastos marcavam continuava a par do rodado, até que conseguiram carregá-los. 

Entretanto durante todo esse fogo nenhum dos nossos homens ficou ferido,  graças a Deus. 

A todos os possíveis leitores do relato deste episódio da Guerra na Guiné, abraço com amizade e peço desculpa pela pobreza da minha escrita porque, de facto este não é o meu mister mas penso que me faço entender. 
____________________________

[1] O Soldado Rui Silveira Patrício era natural de Stª. Margarida – Conceição do Concelho da Covilhã (encontra-se sepultado no Cemitério Concelhio no talhão dos Combatentes) … O 1º. Cabo António Aguiar Ribeiro era natural de Orca, Concelho do Fundão (encontra-se sepultado no Cemitério de Martianas na freguesia natal) 

[2] Granadas de mão lançadas pela Espingarda Automática G3 com munição própria.

[3] Em 2009 soube por um jornalista que se deslocou em 2007 a Copá na Guiné e falou com ex-guerrilheiros, que lhes disseram que, nessa noite entre outros, lhes matamos o comandante da operação.

Foto 1 - Junto ao poço de Copá 

Foto 2 - Junto ao poço de Copá 

Foto 3 - Junto ao poço de Copá

Um abraço,
António Rodrigues
Sold Cond Auto da 1ª CCAV / BCAV 8323 (1973/74)

Mini-guião: © Colecção de Carlos Coutinho (2012). Direitos reservados. 

[Subtítulos da responsabilidade do editor]
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P14127: Notas de leitura (666): Do livro "O Corredor da Morte", de Mário Vitorino Gaspar, "As Minas, as armadilhas, os fornilhos e outros"

 


1. Em mensagem do dia 31 de Dezembro de 2014, o nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), enviou-nos, do seu livro "O Corredor da Morte", o capítulo 14, intitulado As Minas, as armadilhas, os fornilhos e outros.




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Nota do editor

Último poste da série de 5 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14118: Notas de leitura (665): “Memória sobre o estado atual da Senegâmbia portuguesa, causas da sua decadência e meios de a fazer prosperar”, por Honório Pereira Barreto (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14126: (Ex)citações (258): A prosperidade de Bafatá não se deveu tanto ao "patacão da guerra" como ao negócio da mancarra (Cherno Baldé)

1. Comentário do Cherno Baldé ao poste P14120 (*)

Caros amigos,

Provavelmente o factor Guerra e a presenca de 3 ou mais batalhões da tropa metropolitana e local na zona leste terá impulsionado a actividade comercial, mas na verdade Bafatá já era uma cidade com forte dinâmica de crescimento antes desta.

Como disse o Luís Graça, a economia acaba por ser o factor determinante do movimento e/ou assentamento humano. Acho que no caso de Bafatá a indústria do amendoim (mancarra) - produção, descasque e transporte via fluvial - constituíam a força motriz da sua expansão. Não é por acaso que ainda existe a marca de óleo "Fula".

Não tenho estatísticas em mão, mas acho que a contribuição monetária da tropa seria menos importante do que se pode pensar, se atendermos a que a maior parte do dinheiro recebido pela tropa era enviado de volta para casa. (**)

Um abraço amigo,

Cherno Baldé
5 de janeiro de 2015 às 17:52


2. Nota do editor LG:

"Fula" é uma marca de óleo, registada, do Grupo Sovena. "É a marca líder no mercado português de óleos vegetais", e está "presente nos lares portugueses há cinquenta anos,"

(Logo da marca "Fula", à direita,
reproduzido aqui com a devida vénia...).

A marca tem inclusive um sítio próprio na Net: www.fula.pt (, além de uma página no Facebook).

Recorde-se aqui duas figuras que, como empresários, vão ter um grande peso na história  da economia do território guineense na primeira metade do séc. XX: refiro-me, por um lado, ao António Silva Gouveia, representante da colónia da Guiné na Cãmara dos  Deputados (1ª legislatura, 1911-15),  fundador da Casa Gouveia [ou Casa Gouvêa],  que nos primeiros  anos do século passado dominava o comércio local e o mercado das oleaginosas (amendoim e coconote), através de um rede de lojas e agentes que já cobriam o território, a seguir à campanha de pacificação de Teixeira Pinto (1913/15) e implementação, em 1914, de uma administração republicana descentralizada ...

Outra figura, figura à história da economia colonial da Guiné,  é a do industrial Alfredo da Silva, fundador do grupo CUF (, cuja origem remonta a 1865). Em 1919, é criada uma empresa de transportes que vai ser decisiva não só para o futuro da CUF como o da própria economia da Guiné: trata-se da Sociedade Geral de Indústria Comércio e Transportes Lda, conhecida pela sigla SG, e em cujos navios muitos de nós viajámos para a Guiné (o Alfredo da Silva,  o Ana Mafalda, por exemplo;  em 1972 a SG fundiu-se com a Companhia Nacional de Navegação (que já detinha navios como o Índia e o Timor, que também foram navios T/T).

Ainda antes de entrar no ramo dos transportes marítimos, em 1922, a Sociedade Geral (SG) começa a adquirir (ou a fazer parte de) o capital de outras empresas que estão na mira do Alfredo da Silva, importantes para a sua estratégia de expansão do grupo, e nomeadamente no ramo das industrias oleaginosas. Uma dessas empresas é a Casa Gouveia na Guiné;  a António Silva Gouveia, Lda. passa a ser é uma sociedade que tem como sócios o António Silva Gouveia e a Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, Lda.

As oleaginosas da Guiné (amendoim,  coconote, gergelim) passam a ser transformadas em óleos comestíveis nas fábricas da CUF, no  Barreiro, depois de  transportadas para a metrópole através dos barcos da SG. É nessa altura, em finais dos anos 20/princípios dos anos 30,  que nasceu o famoso óleo "Fula",  de há muito presente nas cozinhas portuguesas.

Recorde-se que em 1929 a CUF obtém o reconhecimento alimentar do óleo de amendoim (ou mendubim, como então se dizia). E esta decisão vai ter grande impacto não só na olivicultura nacional  (pressionando o preço do azeite)  como na economia da Guiné, que passa a ser o principal fornecedor de matéria-prima, o amendoim. A CUF detém o monopólio da exportação do amendoim (com casca ou sem casca) da Guiné, até à independência da Guiné-Bissau.

Eis mais alguns números sobre a  "mancarra" ((Knapic, 1964. pp.24/25):

(i) Entre 1930 e 1960 há um aumento gradual da produção e exportação: a. média de 1931-35 foi de 22853 t e 15203 contos; a de 1955-60 de 34196 t e 113438 contos" ;

 (ii) nos anos 60, é o principal produto de exportação da Guiné: representa 76% do total das exportações  (em 1964), percentagem que decresce para 61% em 1965;

(iii) em data que não sabemos precisar, mas no início da década de 1960,  construiu-se a primeira fábrica de extração de óleo para abastecimento local, sendo o resto exportado;

(iv) em 1965, a Guiné já exporta óleo de amendoim: 41 t (631 contos)...

(v) em meados da década de 1960, a área cultivada pelos produtores de mancarra atingia os 100 mil hectares, ou seja, um 1/4 do total da área cultivada da província!,,,.

(vi) a produção rondava as 65 mil toneladas; a produtividade era baixa: 600 kg / ha (2 mil kg /ha em casos excecionais);

(vii) em 1965, uma tonelada de amendoim exportado valia 4,2 contos (cerca de 21 euros na moeda atual) (Vd. Quadro 1).

A cultura da mancarra era feita: (i) em regime de rotação; (ii)  sem seleção de sementes; (iii) sem recurso a adubos ou estrume; (iv) proporcionando fracos rendimentos aos produtores; e (v) exigindo grande esforço nas várias fases do ciclo de produção (sementeira, monda, colheita, protecção contra os babuínos...).

As principais regiões de produção eram as do leste da Guiné (Farim, Bafatá, Gabu) onde os solos são mais leves e a precipitação menor.

No entanto, esta cultura era já considerada na época como muito lesiva do ambiente, pelo uso intensivo dos solos, a redução do pousio, as queimadas... Tradicionalmente os camponeses da região praticavam um sistema de rotação mancarra - cereal - pousio, considerado pouco eficaz. Acrescente-se ainda o sistema de comercialização, penalizando fortemente os produtores. Mas o mesmo se pode dizer hoje da cultura do caju que é uma séria ameaça para a segurança alimentar do povo guineense. (Hoje uma tonelada de caju podem valer ao produtor guineense 400 euros; o que mal dá para comprar 10/12 sacos de 50 kg de arroz, base da alimentação da população).


Ano
Mil toneladas
Mil
contos
Contos por tonelada
1960
24,0
78,8
3,27
1961
40,0
126,3
3,17
1962
38,7
133,3
3,44
1963
36,6
124,7
3,41
1964
34,0
119,2
3,50
1965
15,2
64,3
4,23

Quadro 1 - Exportação do amendoim (1960-1965)
(Knapic, 1966 / adapt por LG)


E já que falamos de segurança alimentar, temos que falar do arroz... Desde 1930 que a Guiné exportava arroz, Embora a quantidade (em toneladas), baixasse com o tempo,  aumentava todavia  o seu   valor (em contos). A média de 1931-35 foi de 3285 t e 1500 contos (0,456 contos por tonelada ) contra 1398 t e 4283 contos no período de 1956-60 (3 contos por tonelada).

Praticamente todo o arroz exportado destinava-se a Cabo Verde, na década de 1960. Com o início da guerra, a Guiné passou a ter de importar arroz (Quadro 2), tal como ainda hoje, infelizmente.

Ano
Contos
Aumento  em relação
a 1962 (%)
1962
8963
-
1963
11786
31,5
1964
29868
332, 4


Quadro 2  - Importação de arroz em contos (1962-1964) 
(Knapic, 1966 / adapt por LG)


Fonte: Adapt. de Dragomir Knapic - Geografia económica de Portugal: Guiné. Lisboa: Instituto Comercial de Lisboa, 1996, 44 pp., policopiado.

Observ - O autor desta brochura, Dragomir Knapic, de origem eslovena, era professor, no Instituto Comercial de Lisboa,  muito estimado pelos seus alunos... Era cunhado do nosso camarada Mário Beja Santos (Foi ele quem ofereceu esta brochura à biblioteca da Tabanca Grande). O livrinho tem informações preciosas sobre a Guiné dos anos 60: (i) condições naturais; (ii) população; (iii) agricultura; (iv) pesca e indústria; e (v) comércio e circulação.

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