terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15580: Memórias de Gabú (José Saúde) (59): Memórias que o tempo jamais ousará apagar



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.


Memórias que o tempo jamais ousará apagar

Recordando

Sou melancólico, confesso! Aliás, seremos eternos antigos combatentes cujas imagens jamais se diluirão num cosmos de todo extensíssimo e onde as memórias se cruzam com um tempo de guerra em território guineense.

Dessas imagens que teimam em trazermos à liça, surgem pequenos relatos que todos porventura conhecemos numa Guiné que marcou uma passagem da nossa juventude.

Enviados para as frentes de combate, o militar deparou-se com inevitáveis reproduções que ainda hoje teimam em fazer parte do seu puzzle onde a guerra se apresentou então como inevitável, não obstante o cunho da obrigatoriedade imposta a um jovem que sonhava com uma vida quiçá bélica.

Quem não se lembra daquelas crianças que transportavam os seus irmãos às costas e já com uma perfeita arte originária da sua tribo? Um pedaço de pano atado ao corpo e o pequenito, ou pequenita, lé seguia viagem num berço que ditava um inevitável conforto.

Ou dos célebres Unimog utilizados para diversas situações para que eram chamados? Recordando esses velhos tempos as lembranças teimam em permanecer intactas em egos que não se apagarão das nossas vidas como antigos combatentes de uma Guiné que marcará o nosso passado.

A foto que reproduzo é comum, julgo, a todos os camaradas que conheceram essa inquestionável verdade. Eu, antigo ranger, mas um tropa igual a tantos outros camaradas que ao meu lado palmilharam caminhos ínvios, alguns complicados, utilizo um momento de puro lazer para debitar uma pequena conversa com uma criança que na altura ter-me-á solicitado um pequeno pedido, admito.

Sendo eu uma pessoa onde o mundo das crianças sempre me cativou, aqueles ingénuos seres de uma Guiné em guerra transmitiam-me esperanças num futuro melhor para um território cujo cenário era de facto turbulento. 

Aguardar por um amanhã substancialmente melhor onde o sublime horizonte parecia ditar cenários indubitavelmente aceitáveis, ou seja, o fim da guerra para que essas crianças vivessem num universo de liberdade e onde o barulho do clamor das armas se calasse de vez, era, creio, o objetivo imediato.

O Unimog, essa velha máquina utilizada amiúde para transportar tropas que viviam debaixo de um clima que não dava tréguas, era um veículo versátil nos seus diversos estilos num terreno porventura adverso.

O ronco da imagem é tão-só uma pequena lembrança que teima em fazer parte integrante do meu baú como antigo combatente de uma Guiné onde a foto nos encaminha para reviver camaradas que jamais tive a oportunidade em contactar.

Aquela manhã ter-se-á tratado de uma visita à tabanca para uma compra, admito, de uma possível galinha, ou galinhas, ou de leitões que mais tarde fariam parte de uma refeição na messe de sargentos.

O guineense, homem que fará também parte das minhas memórias de Gabu e que “confortavelmente” se sentava no banco em madeira da “velha máquina” de guerra, é perfeitamente lógico que a minha recordação registe, apenas, a sua imagem.

Recordando nacos de uma comissão militar que me enviou para a guerra colonial, sendo o meu destino, tal como o teu camarada, o solo da Guiné. 



Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

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