segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16584: Notas de leitura (888): Guiné-Bissau entre 1960 e 1990: um olhar de um oficial português (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Setembro de 2015:

Queridos amigos,
Trata-se de uma novidade, alguém que foi oficial da ação psicológica e que se pode pronunciar sobre esta atividade no tempo do General Schulz; acompanhou de perto os projetos de desenvolvimento económico e social da era Spínola e dá-nos uma síntese de que se procurava uma modernização de infraestruturas, uma aceleração na construção de estradas, melhorias na educação e na saúde, etc.
Pronuncia-se pois sobre os desaires das eras de Luís Cabral e Nino Vieira e observa que no essencial não se entenderam as expetativas do mundo rural, além de que a corrupção minou importantes projetos da ajuda internacional.
Para ler e pensar.

Um abraço do
Mário


Guiné-Bissau entre 1960 e 1990: um olhar de um oficial português

Beja Santos

Na revista Africana (editada pela Universidade Portucalense), n.º 10, de Março de 1992, apareceu um artigo intitulado “Guiné-Bissau – da década de 60 à atualidade”, o seu autor é José Abílio Lomba Martins, que foi oficial de ação psicológica do Gabinete Militar do Comando-Chefe da Guiné.

Inicia o seu trabalho referindo-se a um livro que fez época intitulado “Guinea-Bissau, politics, economics and society”, Frances Pinter, Londres, 1987, da autoria de Rosmary Galli e Joselyn Jones, estas duas investigadoras perante o insucesso das políticas económicas a partir da independência consideravam que para se encontrar respostas para determinadas questões suscetíveis de conduzir a uma avanço metodológico, era preciso esclarecer qual deveria ter sido o processamento mais adequado para o sucesso de um modelo de desenvolvimento socialista, quais as políticas e com que estruturas é que a população agrícola predominante se deveria ter inserido no processo de crescimento e, por último, qual a credibilidade resultante para o processo de desenvolvimento socialista após o recurso à ajuda externa capitalista.

Estas duas autoras, que estudaram aprofundadamente a evolução e económica e social da Guiné a seguir à independência e até meados da década de 1980, consideram que o governo criou barreiras para os agricultores, estabeleceu obstáculos ao crescimento da produção agrícola, ignorando as suas mais profundas aspirações. Ainda que com uma atenuante: “O PAIGC não cometeu o erro de proceder à coletivização em grande escala”. Todo este processo de indiferença perante o vital setor rural levou um declínio de todo o setor agrícola, isto apesar da intenção mil vezes expressa pelos dirigentes do PAIGC em dar prioridade ao desenvolvimento rural. Para as autoras, os dirigentes do PAIGC mais não fizeram de que fazer concentrar no aparelho estatal os melhores quadros que ficaram em Bissau, o PAIGC limitou-se a adotar um modelo de centralização do poder que só visava assegurar o controlo e a supervisão da economia. Os projetos financiados por múltiplas instâncias internacionais acabaram por ser devorados por 15 ministérios e a sua colossal máquina burocrática, que se revelou inoperante.

O PAIGC, sugestionado pelas economias socialistas, privilegiou o controlo do comércio, a regulação dos preços e o monopólio sobre o comércio externo. Porém, as empresas estatais vieram a sofrer do problema com má gestão, e regularidades de abastecimento e corrupção. De um modo geral, estes gestores envolveram-se em contrabando e desvios em grande escala, para proveito próprio. Num livro de que já aqui se fez recensão, o testemunho de Filinto Barros[1], publicado na Guiné-Bissau pouco antes de falecer, todo este desvario aparecia claramente denunciado.

Feito este registo, Lomba Martins explana largamente sobre os programas aprovados por Spínola para o fomento económico. Subentende-se que a sua inclusão neste artigo é para permitir ao leitor mais interessado se aperceber se houve algum aproveitamento das investigações feitas na última fase do período colonial.

Ao tempo da independência, a Guiné-Bissau não tinha unidades fabris, havia uma fábrica de cerveja e de refrigerantes e uma dúzia de fábricas de descasco de arroz e de mancarra. A agricultura era tipicamente de subsistência.

Muito cedo se anunciou o cutelo da dívida pública, e o seu crescimento foi exponencial. A partir de 1983, adotaram-se políticas de desvalorização do peso, aumentaram as produções de arroz e mancarra; de 1987 a 1989, foi decidido implantar um programa de ajustamento estrutural com base numa estratégia de médio e longo prazo. Também não resultou em pleno.

A então CEE dava apoio a um conjunto de projetos, em diferentes direções: caso da melhoria da estrada Bambadinca-Xitole-Quebo e ligações à República da Guiné; telecomunicações entre Banjul e Bissau e a ponte sobre o rio Campossa, entre Bafatá e Gabu. Também os acordos de cooperação entre Portugal e a Guiné-Bissau eram bastantes diferenciados, abrangiam a cooperação das Forças Armadas, o Centro do Quebo (investigação, formação, produção e comercialização frutícola e hortícola); Projeto do Cacheu, que incluía a participação portuguesa na construção de um museu e de uma biblioteca.

Uma outra dimensão do artigo de Lomba Martins é revelar que afinal Schulz tinha cuidado desde muito cedo uma estratégia para a ação psicológica adequada à situação revolucionária. Quando se pega nos trabalhos da era de Spínola, vem sempre ao de cima uma crítica profunda às incúrias e incompetências anteriores, havendo mesmo opiniões de que nada se fazia no campo da ação psicológica. Pois Lomba Martins, foi oficial de ação psicológica, refere que no tempo de Schulz, para além do reforço dos aquartelamentos, da proliferação de tabancas em autodefesa, da substituição da polícia administrativa por um número crescente de corpos de milícia e da formação de unidades de caçadores africanos, incluindo pequenos grupos de comandos africanos, como aliás o Virgínio Briote aqui tem largamente referido. Mas segundo Lomba Martins data de 1965 um plano de ação psicológica, a criação de um serviço da radiodifusão e imprensa bem como recomendações às autoridades civis para intensificar um melhor tratamento às populações africanas. E Lomba Martins exibe larga documentação produzida por si e pela sua equipa no tocante a panfletos que eram largados nas áreas de duplo controlo ou perto dos santuários do PAIGC.

Ficamos pois com a visão de alguém que depois de acompanhar diretamente os projetos de desenvolvimento económico, em pleno período da luta de emancipação, acompanhou a evolução socioeconómica da Guiné até ao início da década de 1990 e relata os desaires desde a independência até ao período que precede o multipartidarismo.

Spínola e Costa Gomes
Foto: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Luís Cabral
Foto: Fundação Mário Soares. Com a devida vénia

 Nino Vieira
____________

Notas do editor

[1] - Vd. poste 19 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9626: Notas de leitura (343): Testemunho, de Filinto Barros (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 7 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16572: Notas de leitura (887): “Paz e Guerra, Memórias da Guiné", pelo Coronel António Melo de Carvalho, edição de autor, 2015 (Mário Beja Santos)

3 comentários:

Anónimo disse...

Luis
Conheci o capitão José Abílio Lomba Martins, no Enxalé.
Estávamos em fins de Novembro de 1963 e um dia apareceu uma coluna da
da nossa Companhia que levava um Sr. capitão que se apresentou, como Lomba Martins,
professor na Academia Militar que queria conhecer a região e os métodos de contra-guerrilha que utilizávamos, bem como a minha técnica de fazer minas e armadilhas.
Ficou espantado com os resultados reais e efeitos das armadilhas, pois chegou a
acompanhar-me na sua elaboração e na sua montagem e verificou os efeitos devastadores no inimigo.
Na semana passada connosco, ficou tão entusiasmado que me pediu dois exemplares
de duas armadilhadas para levar para Lisboa, para ensinar na Academia, segundo me afirmou.
Mais tarde a 25 de Janeiro de 1964, apareceu a comandar a C.Caç 556, que nos substituiu (3º pelotão), no Enxalé
Nessa substituição, recordo que me apresentou, aos seus oficiais e sargentos
como alguém que era um operacional, conhecedor da guerra de guerrilha e contra-guerrilha, o que me deixou cheio de orgulho.
Acabou por dizer ao nosso Capitão Braga, que eu merecia um louvor, pois fazia mais estragos no inimigo do que muitas companhias. O que veio acontecer mais tarde.
Encontrei-o em Abril de 1965, em Bissau e ele apresentou-me a vários Oficiais sempre
em termos muitos elogiosos para a minha pessoa.
Um exemplo foi: uma noite o Nino Vieira comandou um ataque ao nosso aquartelamento com 150 guerrilheiros (homens e mulheres)que desde a 21 horas até às 4 horas da manhã, tentaram aproximar-se, por diversas picadas e estrada, mas caíram em mais de
dez armadilhas, onde tiveram mortos e feridos, e ao chegar ao arame farpado, apenas se atreveram a dar um tiro de pistola.
Retiram alguns dos mortos e feridos, mas outros ficaram escondidos pelo mato,
que nós recuperamos mais tarde durante o dia.
Foi assim que conheci o Sr. Capitão Lomba Martins
Ab
Alcidio Marinho
C. Caç 412- 3ª pelotão

Antº Rosinha disse...

As duas maiores diferenças entre a Guiné de Spínola/Salazar para o Luís Cabral/Suécia/URSS, mais sentidas pelo povo guineense foram as seguinte:

1ª- Antes só os brancos/colon tinham carro, e depois todos os ministros tinham Volvo.
E diziam os guineenses vaidosos para mim, colon, quando passava o ministro: Vês? "preto também sabe guiar".

2ª maior diferença- Não haver em BISSAU, alimentos para comprar desde o simples SAL e CEBOLA até ARROZ, durante o ano inteiro com pequenas intermitências.
E diziam os guineenses para mim, colon, quando do golpe de 14 de Novº: "vai acabar a independência? Vem aí o Spínola? Quando fores para Portugal levas o meu filho?"

Mas em Bissau, hoje, o povo vive mais tranquilo que em muitas outras capitais africanas.

Mas quando se fala nos problemas africanos como este desgoverno guineense, não é aos Luíses cabrais nem Ninos nem Bokassas, Mobutus, etc.que se deve atribuir a maior responsabilidade, nem à "colonização exemplar" nem à "descolonização exemplar".

A responsabilidade é das Nações Unidas, as Grandes potências, e no caso de Bissau, também da "magnânima" Suécia e todas as ONG's que alimentaram sempre com a sua presença e donativos o EGO daqueles insaciáveis e ignorantes títeres Ninos e Cabrais.

Mandela não quis ninguém na terra dele, nem ajudas nem cooperantes nem estranhos a ajudar.

Amílcar não viu isso nem o Mobutu, que também foi a ONU a lixar aquilo do Congo, que eu vi em 1960.

Depois fui ver em Bissau.

Estas leituras do BS, lembram-me coisas!

Cumprimentos





Anónimo disse...

António Rosinha ainda bem que há quem tenha memória e a transmita.Não poderia estar
mais de acordo com o que diz.E mais estava eu em cabinda quando tive conhecimento que as tropas da ONU no congo(Indianas do pacifista Neru)eram as primeiras a violar
mulheres.Enfim ajudas, não é?
Carlos Gaspar