quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16779: Os nossos seres, saberes e lazeres (188): De novo em Bruxelas e a pensar nas Ardenas (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 29 de Junho de 2016:

Queridos amigos,
Ainda não completamente refeito de uma memorável digressão aos países eslavos do Sul, correspondendo ao apelo insistente de amigos que apreciam a nossa companhia, estou de regresso a Bruxelas, e ainda na fase de organizar a agenda turística já sonho andar à cata de trastes em feiras de velharias, à cata de livros em livrarias de segunda mão.
Apanhei o Maio floral em todo o seu esplendor, é um tempo apertado em que este concerto polifónico está ao dispor de quem aprecia deambular por floretas e jardins.
Aqui fica o primeiro dia da chegada, uma sinfonia de begónias, lírios e malmequeres, antes e depois de um aprazível passeio pela floresta de Soignes com as suas catedrais de faias e carvalhos.

Um abraço do
Mário


De novo em Bruxelas e a pensar nas Ardenas (1)

Beja Santos

É o regresso a Bruxelas depois dos atentados terroristas em Zaventem e da estação de metro de Malbeek. O avião aterra, saímos, e nota-se à vista desarmada que há alterações de fundo, há contingentes militares, o grau de vigilância intensificou-se. Venho por uma semana em cheio, propus ao anfitrião um aproveitamento integral da Bruxelas floral, pois estamos em Maio, explodem por todos os cantos as florescências, das árvores aos arbustos. Chegado a uma casa que me é tão familiar, em Watermael-Boisfort, mesmo na fronteira da cidade com o Brabante flamengo, uma delicada mão feminina preparou as boas-vindas com este arranjo de fruta e flores, Felizmente que há luz para registar esta intensa demonstração de ternura.




Parti pela alva para aproveitar a parte da tarde, tive imensíssima sorte, mesmo com as vigilâncias de Zaventem. Come-se ligeiro e parte-se com o pé ligeiro para a floresta de Soignes, o tal pulmão verde situado a menos de 10 km do centro da cidade e que cobre mais de 10% de superfície regional. É mentira que vá de pé ligeiro, não há canto nem recanto que não suscite a atenção, são as azálias, as begónias, os castanheiros da Índia, as rosas multicolores, as árvores de fruto, é o segundo aceno de boas-vindas, acreditasse eu no panteísmo e diria que esta Bruxelas floral não tem sombra de dúvida que este estrangeiro que por aqui se passeia ama perdidamente a capital belga.



Estas duas imagens não estão aqui por acaso, é necessário chegar à floresta atravessando um extenso bulevar, chamado bulevar do Soberano. Mesmo a arquitetura moderna tem grossas paliçadas florais, é uma sensação bizarra de tanto trânsito, tanto cosmopolitismo e sentir-se abertamente que a escassos metros a floresta espreita. Contemplava o charco e via o vento trazer os pólenes na celebração do seu mistério, por caminhos que o olho humano não deteta esses pólenes fecundam, haverá germinações num outro tempo e não se sabe a que tal distância elas irão ocorrer. O que interessa é que também atapetam as águas. Impossível não captar esta concelebração da vida, a natureza em pleno movimento na aparente quietude da paisagem.


Logo à saída de casa me despertou a atenção este pespontar de rosas, grandes gotas de sangue, andou por ali o amestramento de jardineiro ou jardineira, aliás ao meu lado sussurravam comentários sobre as vantagens de cortar as rosas velhas para rebentarem novos botões. O que gosto na imagem é o vigor da natureza como se estivesse a bater à janela, é uma ode ao bom tempo, com o calor ameno celebra-se a canção da terra.



Também não se acasalam estas duas imagens por acaso. Na linha do casario que precede a travessia da artéria principal há casas cujos jardins nos recebem de branco imaculado, uma lembrança de neve fora de tempo, é tão intenso o caramanchão de branco que seria crime fugir à imagem. E agora estamos na floresta de Soignes, bendita a luz por estes raios de sol, bendito o tempo sem céus de chumbo, tão sorumbáticos, temos boas horas para palmilhar, passam cavaleiros, ciclistas, cães ofegantes, gente a correr e a marchar e há o potentado do silêncio nestas catedrais de faias e carvalhos. E bendito este dia de Maio, já entardece e não arrefece, vamos continuar.



No retorno a Watermael-Boisfort, agora já com os pés cansados, com uma passagem pela cervejaria, aqui se deixa as últimas saudações florais, parece milagre a presença desta paleta de cores, assiste-se a um privilégio que dura escassas semanas, parece que acertei no dia e na hora. Amanhã será diferente, haverá viagem de metro até ao centro da cidade, viajo com alguém que desconfia em permanência do tempo Nórdico e que neste exato momento até questiona, à boa moda britânica, se não deve passar mais tempo a aproveitar o apogeu floral. Mas não, amanhã começa-se o dia em Bruxelas capital, o primeiro monumento será uma igreja de nome Nossa Senhora do Bom Socorro, monumento barroco, por estar perto da Grand Place foi em grande parte destruída pelos bombardeamentos de 1695 do marechal Villeroy, às ordens de Luís XIV, e reconstruída no final do século XVII. Ninguém ignora que o Norte da Europa, católico ou protestante, se laiciza a passos gigantescos e os templos religiosos recebem turistas e cada vez menos crentes. Amanhã iremos visitar uma igreja vazia, felizmente que haverá música de fundo a tentar colmatar a ausência dos cânticos dos fiéis.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de Novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16776: Os nossos seres, saberes e lazeres (187): A medicina antes do 25 de Abril - Intervenção, no âmbito do 11.º Congresso da FNAM - Federação Nacional dos Médicos (Adão Cruz ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547)

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