sábado, 28 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16141: In Memoriam (258): Soldado Ilídio Fidalgo Rodrigues, o "Esgota Pipas" da CCAÇ 2382, morto por um estilhaço de um projéctil IN (Manuel Traquina, ex-Fur Mil)



1. Mensagem do nosso camarada Manuel Traquina (ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70), com data de 17 de Maio de 2016:


Ilídio Fidalgo Rodrigues

O Infeliz “ Esgota Pipas”

Na tropa, de um modo geral todos têm um alcunha, na maior parte das vezes são chamados por esse alcunha, ou pelo número que lhee foi atribuído. Em muitos casos é pelo seu verdadeiro nome, que são menos conhecidos.

Neste caso o soldado de nome (Ilídio?) Elídio Fidalgo Rodrigues, foi ele próprio que escolheu a sua alcunha, nem mais nem menos “Esgota pipas”. Foi esta a alcunha que ele próprio escolheu.

Efectivamente, recordámo-lo na Guiné, ele gostava de beber o seu copo, a sua cerveja, porém não se poderia dizer que fosse grande bebedor! Poderemos dizer que esta alcunha, era mais uma brincadeira que outra coisa.

Era um bom rapaz, natural da zona de Palmela, considerado a figura típica da Companhia 2382, e que passou a ser conhecido por todos, pela sua simplicidade humorística, a tropa para ele não contava, cada passo que dava era por “brincadeira”.

Talvez por ser simples de mais, no aquartelamento de Buba ele foi dispensado das saídas para o ”mato”, e assim ficou como ajudante de cozinha. Mas a Guerra na Guiné era assim e, só porque a sua actividade se resumia a trabalhos auxiliares dentro do aquartelamento, não quer dizer que não corresse riscos.
Assim aconteceu na fatídica noite de 14 do mês de Fevereiro de 1969, em que o aquartelamento sofreu um dos maiores ataques.

Ao fim da tarde o soldado Ilídio ocupava-se da limpeza do refeitório quando rebentou o ataque, como habitual correu a abrigar-se na vala que circundava o refeitório, porém o infortúnio acompanhou-o e, muito perto explodiu um projéctil em que alguns estilhaços lhe atingiram seriamente um órgão vital.
Evacuado na manhã seguinte, passados dias veio a falecer no Hospital Militar de Bissau, sem tempo sequer para mais uma “laracha” com os amigos.

(Do livro “Os Tempos de Guerra - De Abrantes à Guiné” de Manuel Batista Traquina)


 Fuselagem do projéctil do inimigo que terá causado morte ao Ilídio

Alguns membros do Núcleo da Liga dos Combatentes de Pinhal Novo e da CÇaç 2382 junto à campa do infeliz Ilídio no cemitério de Palmela, por ocasião do Almoço / Convívio da Companhia que se realizou no dia 7 de maio em Fernão Ferro.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16057: In Memoriam (257): José Eduardo dos Santos Alves, o "Leça" (1950-2016), ex-sold cond auto, CART 6250, Mampatá (1972/74): homenagem da Tabanca Grande

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16140: Nota de leitura (842): “Os Anos da Guerra, 1961/1975, Os portugueses em África, Crónica, Ficção e História”, organização de João de Melo, colaboração de Joaquim Vieira, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1988 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Agosto de 2015:

Queridos amigos,
O trabalho de investigação de João de Melo foi tão rigoroso e cuidado, que publicados estes dois volumes sobre a literatura das três frentes em 1988 a sua leitura continua a ser imprescindível, bem entendido para quem pretenda conhecer as primeiras décadas da literatura da guerra.
O jornalista e escritor Joaquim Vieira contextualiza os acontecimentos, seguem-se as antologias.
Deixamos para a próxima incursão a revelação de um conto de Álvaro de Guerra de altíssima qualidade, e até agora não divulgado entre nós, "O Tempo em Uane".

Um abraço do
Mário


Os Anos da Guerra, por João de Melo (2)

Beja Santos

“Os Anos da Guerra”, com organização de João de Melo, dois volumes, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1988, constitui o primeiro e até agora o mais significativo levantamento sobre a literatura da guerra colonial, nas suas três frentes. No primeiro volume, o escritor João de Melo passa em revista as principais etapas que conduziram os movimentos de libertação à luta armada, percorrem-se os itinerários da preparação militar e analisa-se a literatura de Angola. Este segundo volume integra as literaturas de Moçambique e da Guiné e diferentes olhares sobre e no regresso da guerra. Como sempre, Joaquim Vieira procede às introduções dos respetivos conflitos. No caso de Moçambique, refere que em 1964 a FRELIMO procurou lançar a insurreição em cinco distritos, descobrirá que não possuía forças suficientes e concentra-se em Cabo Delgado e Niassa, aproveita-se dos apoios situados na Tanzânia. A FRELIMO demorou a impor-se, sofreu divergências internas, tinha no seu seio duas grandes correntes, a pró-ocidental e a francamente pró-chinesa. O projeto de Cahora Bassa, no distrito de Tete alterou por completo o ruma da situação em Moçambique. Eduardo Mondlane foi assassinado nos escritórios da FRELIMO em Dar-es-Salam, Samora Machel sucede-lhe na presidência no ano seguinte e a ala mais moderada do partido é afastada, tendo-se alguns dos seus dirigentes entregue às autoridades coloniais. O período do Comandante-Chefe Kaúlza de Arriaga irá ficar assinalado pela operação Nó Górdio, proclama que a guerrilha está à beira do aniquilamento, numa altura em que a FRELIMO se concentra no distrito de Tete e ameaça a construção da barragem de Cahora Bassa. A guerra avança, o equipamento da FRELIMO melhora e em 11 de Abril é disparado o primeiro míssil Strella. Escreve Joaquim Vieira:
“O relatório do quartel-general da Região Militar de Moçambique, referente aos quatro primeiros meses de 1974, indica um acréscimo global da atividade da guerrilha, um pouco por toda a parte. Impressionado pela deterioração da situação, Costa Gomes decide afastar o Comandante-Chefe”.

Vários são os autores referenciados, mas a figura principal é necessariamente Carlos Vale Ferraz e o seu “Nó Cego”, aqui fica um estrato:
“Ao Passos pareceu-lhe distinguir silhuetas de palhotas, de gente entre os arbustos. Parou, avisou os soldados da sua equipa, o alferes e o capitão. Agachados, dispostos num rosário de contas ao longo do trilho, pressentindo a chegada do momento, retida a respiração, os homens, em equipas de cinco, foram-se desfiando em linha.
Prontos? Interrogaram os olhos antes de se lançarem ao assalto correndo e disparando sobre tudo o que bulisse, sombras e corpos. Atiravam as granadas de mão para o interior das palhotas como garotas assustando galinhas, rebentavam a pontapé as frágeis portas enquanto atravessavam o pequeno aldeamento, agarravam pelos panos os corpos dos negros que não tinam conseguido fugir.
- Encosta esse par de jarras aí a essa árvore para lhes retirar o retrato! – gritava o Pierre o para o Vergas, que passava arrastando um casal de negros velhos, ela, a cocuana, de tronco nu, as mamas descaídas quase até à cintura, a pele cinzenta escamada do calor e da sujidade, ele, curvado e dorido, as articulações deformadas.
O Vergas hesitou em entregá-los ao Pierre, sentia-se estranho, já não possuía as mesmas certezas dos primeiros meses de guerra, abriu a mão para os deixar entregues ao pequeno tripeiro e ficou de olhos parados vendo-o colocá-los a jeito antes de disparar uma rajada curta. Seguiu o descair lento deles até se enrolaram sobre a terra nos últimos estertores.
- Esta não! – rugiu o Passos, com uma negra jovem agarrada por um braço, para o Pierre a rir-se ainda com a G3 a fumegar, preparando-se para repetir a cena. 
– Esta vai pagar-mas doutra maneira! Puxou-a para trás de um arbusto enquanto os homens da companhia continuavam a disparar e a partir os potes de barro. Deitou-a sobre o capim seco, escutando deliciado os gritos e os tiros, arregaçou-lhe o pano da saia, abriu-lhe as pernas e enfiou-se nela. Resfolgou que nem um toiro cobridor.
A negra continua deitada depois de ele se levantar limpando-se antes de apertar as calças, os panos enrolados na cintura, os olhos parados, muito abertos, apenas os músculos tensos do pescoço erguiam ligeiramente a cabeça fixando inexpressiva, a cara dos soldados que se aproximavam.
- Vá, ó Transmissões de um cabrão, vá, agora tu! – berrava o furriel.
O Brandão, pálido como sempre, cuspiu e passou adiante. Foi o Freixo quem lhe tomou a vez, deitou a G3 ao lado do corpo e bombeou-se para cima e para baixo, rápido a despachar antes que outros viessem ou o capitão passasse por aquele canto escondido na periferia do aldeamento assaltado”.

E chegamos ao contexto da Guiné, Joaquim Vieira fala do significado comercial da colónia, da pujança da ofensiva rebelde, da desarticulação do território, da chegada de Spínola, da sua ofensiva psicológica e militar, são informações que todos nós já dispomos no blogue. A escolha de João de Melo para a literatura inclui nomes grados como Álvaro Guerra e José Martins Garcia. Começa logo por destacar o conto “O Tempo em Uane”, que veio incluído em Histórias Breves de Escritores Ribatejanos, antologia organizada por António Borga, Lisboa, 1968, mas que apareceu também numa antologia de literatura ultramarina organizada por Amândio César em 1966. É uma narrativa belíssima, merece destaque no próximo texto, nunca dela se falou aqui. Uma das razões fundamentais por que se deve procurar conhecer os textos que João de Melo escolheu para esta obra incontornável é a visão do depois da guerra a diferentes vozes e aí depõem escritores como Olga Gonçalves, António Lobo Antunes e Lídia Jorge, entre outros. “Os Anos da Guerra” incluem a bibliografia geral sobre a guerra colonial e a cronologia sobre as lutas de libertação, evidentemente tudo reportado a 1988. É ocioso dizer que muitíssima água correu depois sob as pontes.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16124: Nota de leitura (841): “Os Anos da Guerra, 1961/1975, Os portugueses em África, Crónica, Ficção e História”, organização de João de Melo, colaboração de Joaquim Vieira, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1988 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16139: Álbum fotográfico de Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089, ao tempo do BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73) - Parte I: Quartel de Teixeira Pinto




Foto nº 1



Foto nº 1 A


Foto nº 1 AA



Foto nº 1 AB


Foto nº 1 B


Foto nº 1 C




Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 3A


Foto nº 4



Foto nº 10

Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Janeiro / fevereiro de 72


Fotos (e legendas): © Francisco Gamelas (2016). Todos os direitos reservados [Ediçõa: LG]


Foto nº 55 > Francisoco Gamelas,
Capó, janriro de1972
1. Mensagem de Francisco Gamelas, ex-alf mil cav., cmdt do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73),  adido ao BCAÇ 3863 e novo membro da nossa Tabanca Grande [. foto à esquerda, em Capó, janeiro de 1972) (*):

Boa noite, Luís.

Junto envio o primeiro de oito pacotes com as fotos seleccionadas e com um ficheiro de legendas. As fotos vão numeradas de 1 a 55. São essencialmente fotos sem pessoas. Estas poderão ir, pelo menos algumas, depois de consultar as pessoas que lá estão. Acho que o lugar deste espólio é no vosso blogue. Aí poderão ser úteis.

Um grande abraço.
FG


2. Comentário do editor LG:


Obrigado, Francisco, pela tua generosidade... Sabemos que a tua/nossa Teixeira Pinto de 1971/73  já não existe, tal como não existe a Aveiro dos teus antepassados. Mas estas fotos, de boa qualidade e resolução (!), ajudar-nos-ão a reconstruir o "puzzle" esburacado da nossa memória...

Apenas 1 em cada 100 de nós, que passamos pela Guiné entre 1961/74, tem fotos destas, convertidas de "slides"... Portanto, é um espólio precioso, para mais legendadas a preceito... Vou abrir uma série do tipo Álbum fotográfico de Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73)...

Isto dar vai para uma dúzia de postes (ou mais de postes, com as outras que tens de "reserva", a sair com regularidade semanal)... Só dei uma vista de olhos muito por alto, mas todas as fotos, mesmo as mais pessoais, têm interesse documental, Antes de mais para nós, todos os camaradas que passaram por Teixeira Pinto (hoje, Canchungo), e que se vão relembrar deste ou daquele recanto, desta ou daquela cena, deste ou daquele rosto. E vão se lembrar com emoção...  Vão ter interesse, também para (, ou pelo menos suscitar a curiosidade de)  os nossos filhos e netos.

Terão interesse,  a seguir,  para os nossos camaradas guineenses, para os seus filhos e netos: desgraçadamente, os nossos amigos guinenses daquele tempo nem fotos têm... O nosso blogue é já, na Net,  o maior espólio da Guiné desse tempo (1961/74): temos cerca de 60 mil fotos. Não éramos privilegiados, mas tínhamos máquinas fotográficas (alguns de nós), patacão, sensibilidade sociocultural e sobretudo estávamos  a milhares de quilómetros de distância de casa...

Enfim, estas fotos têm um enorme interesse para os historiógrafos, os antropólogos, os sociólogos, os politólogos, o estudiosos da guerra,  e para todos aqueles que se interessam pela passagem do "homo sapiens sapiens" pelo planeta terra... Last but not the lest, por fim e não menos importante, é um espólio interessante  para a historiografia da presença portuguesa em Árica.

Francisco, ficamos-te muito gratos, e só desejamos que o teu exemplo seja seguido por muitos camaradas nossos  cujas fotos, "slides" e até filmes de 8 mm  correm o sério risco de ir parar ao caixote do lixo ou à feira da Ladra, quando a gente "bater a bota". Obrigado por nos teres dipsonibilizados esta meia centena de imagens digitalizadas do teu/nosso tempo de Guiné.

Um abraço amigo e fraterno, Luís

3. Legendas (LG)


Francisco Gamelas  (n. Aveiro,  1949).
Foto atual


Foto nº 1 > Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Fevereiro de 72 – Vista aérea de Teixeira Pinto/Canchungo


Se dividirmos a foto em quatro, teremos: Baixo direita  – Aquartelamento (Foto nº 1 A).

Metade da direita do aquartelamento (Foto nº 1 AB): oficina e por cima da oficina, ao meio, os gabinetes do comando e secretaria, e as comunicações. A linha de edifícios sobre a direita: instalações dos sargentos, refeitório e instalações dos oficiais.

Metade da esquerda do aquartelamento (Foto nº 1AA): instalações dos soldados, refeitório dos soldados e bar dos oficiais. Depois da última linha dos edifícios, por entre as árvores ainda se divisam as instalações do CAOP e, ao lado, as casernas dos comandos.

No final do caminho que vem da bolanha e entra pelo aquartelamento, fica a porta de armas.

Baixo esquerda – para baixo, caminho que vai dar à bolanha, que termina no cais (foto 10) e, sobre a esquerda, vê-se o início da pista de aterragem e o heliporto Foto nº 1 B).

Cima direita – Avenida de Teixeira Pinto, no final da qual fica o aldeamento do Canchungo (Foto nº 1 C).

Cima esquerda  (Foto nº 1): campos de cultivo


Foto n º 2 > Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Janeiro de 2 – Centro da parada e mastro da bandeira. Sobre a esquerda, entre a árvore e o mastro, divisam-se as instalações do CAOP 1, já perto da porta de armas.


Foto nº 3 > Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Março de 1973 – Quartos de oficiais. Da esquerda para a direita: alf mil comando Manuel Cruz; alf mil Alberto Teixeira, responsável pelas oficinas; alf  mil Francisco Gamelas, comandante do Pelotão de Reconhecimento Daimler 3089;  e o cap  mil Comando Rui Andrade, cmdt da 35ª CCmds.

Foto nº 4 > Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Janeiro de 1972 – Bloco com os gabinetes do comando e secretaria, seguido do bloco das transmissões.

Foto nº 55Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Junho de 1972 > – Em Capó, durante a vigilância aos trabalhos de desmatação das bermas da estrada. Esta foto pode ficar a ser a minha foto da Guiné para o blogue, em contraponto com a foto actual.



Capa do livro de Francisco Gamelas ("Outro olhar - Guiné 1971-1973. Aveiro, 2016, ed. de autor, 127 pp. + ilust.  P.reço de capa 12,50 €.  Os interessados pode encomendá-lo ao autor através do seu email pessoal franciscogamelas@sapo.pt.

 O design é da arquiteta Beatriz Ribau Pimenta. Tiragem: 150 exemplares. Impressão e acabamento: Grafigamelas, Lda, Esgueira, Aveiro.

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Nota do editor:

(*) Vd- pode de 19 de maio 2016 >  Guiné 63/74 - P16107: Tabanca Grande (487): Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt Pel Red Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73): vive em Aveiro e é o nosso grã-tabanqueiro nº 716

(...) Nota curricular > Francisco [António da Costa Vieira] Gamelas:

(i) nasceu em Aveiro (1949);

(ii) formou-se em eletrotecnia (Instituto Superior de Engenharia do Porto, 1969);

(iii) esteve na Guiné, em Teixeira Pinto, em 1971/73, como alf mil cav, a comandar o Pel Rec Daimler 3089, ao tempo do BCAÇ 3863 (onde foi médico o nosso camarada Mário Bravo) e do CAOP1 (a que pertenceu o nosso camarada António Graça de Abreu):

(iv) fez a sua carreira profissional na PT Inovação como quadro superior de telecomunicações;

(v) está reformado;

(vi) tem-se dedicado à escrita, à poesia e ao ensaio histórico-sociológico: "O apelido Gamelas: um património histórico e sociológico de Aveiro" (2009); "Lavradores do Vilar ou o casamento inter-pares como estratégia de sobrevivência" (2014), ambos publicados pela ADERAV - Associação para o Estudo e Defesa do Património Natural e Cultural da Região de Aveiro;

(vii) "Outro olhar - Guiné 1971-1971", publicado em 2016, é a sua "primeira incursão nas áreas da poesia e da crónica";

(vii) vive em Aveiro.

Guiné 63/74 - P16138: Parabéns a você (1086): António Manuel Salvador, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 4740 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 26 de Maio de 2016 Guiné 63/74 - P16135: Parabéns a você (1085): Carlos Alberto Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 617 (Guiné, 1964/66); Carlos Nery, ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 2382 (Guiné, 1968/70); Gabriel Gonçalves, ex-1.º Cabo Cripto da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71); Jorge Narciso, ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12 (Guiné, 1970/72) e João Santiago, Amigo Grã-Tabanqueiro

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16137: Convívios (751): XVII Encontro do pessoal da CCAÇ 2725 (Barro, 1970/72), dia 12 de Junho de 2016, em Vila Nova da Barquinha (Manuel Marques Coelho)

1. Em mensagem de hoje, 26 de Maio de 2016, o nosso camarada Manuel Marques Coelho da CCAÇ 2725 (Barro, 1970/72), solicita a divulgação do Convívio deste ano, da sua Unidade, a levar a efeito no próximo dia 12 de Junho próximo.


XVII CONVÍVIO DA CCAÇ 2725
BARRO, 1970/72

CONVITE

No próximo dia 12 de Junho, com início pelas 12H00 vai realizar-se o nosso XVII Convívio, no Almourol Restaurante, em Vila Nova da Barquinha/Santarém 

Os elementos da Companhia que pretenderem estar presentes, deverão informar-nos a sua intenção até ao próximo dia 7 de Junho, incluindo o número de familiares ou amigos que os acompanharão. 

As confirmações deverão ser enviadas para Manuel Coelho
telemóvel: 939 542 480
telefone: 266 403 766
email: manueljosemarquescoelho@gmail.com

Saudações Fraternas, 
Manuel Coelho
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16126: Convívios (750): 31º Encontro da CART 3494, 11 de Junho de 2016, Gaia (Sousa de Castro)

Guiné 63/74 - P16136: Em busca de... (265): José Moreira, ex-fur mil enf, CCAÇ 1438 (Buba e Quinhamel, 1965/67), volta a fazer um apelo dramático aos seus camaradas tanto açorianos como continentais, "de muita luta e sofrimento" (Armando Gonçalves, professor de história, Torre de Moncorvo)


Guiné > Região de Tombali > CCAÇ 1438 (Buba e Quinhamel, 1965/67) > Álbum fotográfico do "Manuel da Canada", o 1º cabo  Manuel das Neves, açoriano, no regresso de Cacine, depois de uma operação de seis dias na Mata do Cantanhez. Na mão direita, uma ração de combate (?). E apresenta-se descalço. Em primeiro plano, espingardas G-3 (julgamos tratar-se da versão original com punho e fuste de madeira, usadas ainda em 1965, no TO da Guiné). É o único camarada da CCAÇ 1438, infelizmente já falecido, de que temos fotografia.


Foto: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Todos os direitos reservados.




Guião da CCAÇ 1438 / BII 17 (Cortesia do nosso camarada Carlos Coutinho)



1. Mensagem do Armando Gonçalves, o nosso amigo, professor de História da Escola Secundária de Moncorvo dr Ramiro Salgado  (pai do nosso camarada Paulo Salgado),    que está a organizar uma exposição de homenagem aos mortos do seu concelho, na guerra colonial / guerra do ultramar:


Data: 24 de maio de 2016 às 16:28

Assunto: O Blogue e a sua importância

Luís Graça,

Dos contactos que tenho vindo a estabelecer há um senhor, de nome José Moreira, que foi furriel miliciano na Guiné entre 1965/67, que não me pôde ajudar pois não esteve no Funchal como eu julgava (procurava informações sobre António dos Santos Mano) mas sim nos Açores.

Ele encontra-se doente, teve um AVC e gostaria de entrar em contacto com os seus camaradas. Prontifiquei-me a ajudá-lo e falei-lhe do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Fiquei de lhe enviar contacto.

Pertenceu a uma companhia açoriana, a CCAÇ 1438 / BCAÇ 1861. Especialidade: enfermeiro. A sua companhia teve 4 mortos.

Aqui fica o email do José Moreira: zemoreira.scp@gmail.com

Um cordial abraço,

Armando Gonçalves

2. Comentário dos editor LG:

Armando, ficamos mais uma vez em dívida para consigo.

Recebi o seu mail aceitando o nosso convite para passar a integrar, como amigo, a nossa Tabanca Grande.  Como eu lhe expliquei, cerca de 10% dos nossos membros são familiares de camaradas nossos (filhos, viúvas, etc.), ou guineenses, ou "amigos da Guiné", ou estudiosos da guerra colonial... 

E registo com muito apreço a sua  resposta: "Muito me honra o seu convite. Terei todo o gosto em pertencer à Tabanca Grande como amigo de todos vós. Tenho recebido provas de consideração e amizade impressionantes,  muito acima do trabalho realizado. Há um espírito de solidariedade entre os veteranos, muito genuína, admirável. Na medida das minhas capacidades e possibilidades darei o meu contributo."

Armando, você já deu provas suficientes de que será um amigo, digno da Tabanca Grande e de todos nós, ex-combatentes no TO da Guiné, na guerra que nos coube em sorte, e que tirou a vida a alguns filhos de Torre de Moncorvo e a muitos outros transmontanos. Falta-nos uma foto sua, atual, de tipo passe, para formalizar a sua entrada na Tabanca Grande.

Por outro lado, o Armando  acaba de dar outra prova de que é um digno grã-tabanqueiro, ao fazer-nos chegar este apelo de um camarada nosso, que está doente e que anseia muito por encontrar camaradas da sua companhia e do seu batalhão.

Do batalhão é mais fácil, da companhia é mais difícil. De facto, o batalhão era o mesmo, o BCAÇ 1861, a que pertencia a CCAÇ 1439, do fur mil António dos Santos Mano e do alf mil João Crisóstomo. A CCS do BCAÇ 1861 (Buba, 1965/67) tem-se reunido anualmente. A CCAÇ 1439 , madeirense, também, e já  já tem encontro marcado para o próximo ano, em abril de 2017, e tem inclusive uma página no Facebook.

Já da CCAÇ 1438, de maioria açoriana, não temos tido notícias de quaisquer convívios... e a escassas referências que há na Net são do nosso blogue, ou de colaboradores nossos como o Carlos Cordeiro.

Já há dois anos atrás publicámos, aparentemente em vão, um apelo do filho do José Moreira, o Luís Miguel Moreira,  para o  ajudarmos "a realizar um dos sonhos do meu pai, rever ou falar com os seus companheiros de muita luta e sofrimento no ultramar" (*)

Em tempos também publicámos fotos de um camarada do José Moreira, ex-1º cabo Manuel das Neves, o "Manuel da Canada", açoriano da ilha do Pico, que infelizmente já morreu (**).

Pode ser que desta vez tenhamos mais sorte, e que alguém da CCAÇ 1438 nos possa ler e responder. (***).


3. Sobre a CCAÇ 1438(Buba e Quinhamel, 1956/67)

- Formada no BII 17 - Angra do Heroísmo;
- Cmdt: Cap Inf Eugénio Batista Neves;
- Partida: 18AGO65;
- Regresso: 18ABR67;
- Ficou inicialmente colocada em Bissau na dependência do BCAÇ 1857, tendo participado em várias operações;
- Em 15OUT65 foi colocada em Buba como subunidade de intervenção e reserva do BCAÇ 1861;
- Em 06OUT66 assumiu a responsabilidade do subsector de Quinhamel;
- Em 31MAR67 foi rendida e seguiu para Bissau, onde se manteve até ao regresso.

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(...) O meu pai esteve na Guiné entre 1965 e 1967 na Companhia 1438 (Furriel Miliciano José Moreira) em que surgem dois posts no vosso site sobre sendo uma companhia açoriana e está correcto mas faziam parte da mesma muitos continentais da metrópole.

O que me leva a enviar este email é que eu gostava que o meu pai, e visto ter perdido o contacto com praticamente todos os seus companheiros de armas, conseguisse rever ex-companheiros de tropa da Guiné. (...)

Sei que não será fácil [reatar os contactos] pois o grande contingente era dos Açores mas como têm muitos conhecimentos decidi escrever-vos no sentido de me tentarem ajudar a realizar um dos sonhos do meu pai, rever ou falar com os seus companheiros de muita luta e sofrimento no ultramar.

Obrigado. melhores cumprimentos.
Luís Miguel Moreira
luis.miguelscp@gmail.com
(913810322)


(**) Vd. poste de 5 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10482: Álbum fotográfico do ex-1º cabo Manuel das Neves, o "Manuel da Canada", açoriano da ilha do Pico (CCAÇ 1438, 1965/67): Guileje: "Foi aqui que eu rezava todos os dias 3 e 4 terços, o helicóptero é que nos deixava cair a ração de combate, ele não podia parar"


(***) Último poste da série > 22 de abril de 2016 > Guiné 63/74 -. P16002: Em busca de... (264): Memórias e fotos, nomeadamente, precisam-se dos camaradas de Torre de Moncorvo mortos no TO da Guiné, para homenagem que está a ser organizada pelo Agrupamento Escolar dr. Ramiro Salgado: António Augusto Gil, António dos Santos Mano, Francisco António Cordeiro, Luciano Augusto Paula, Manuel Joaquim Fernandes, Serafim Fernandes dos Santos e Victor Paulo Vasconcelos Lourenço (Armando Gonçalves, professor)

Guiné 63/74 - P16135: Parabéns a você (1085): Carlos Alberto Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 617 (Guiné, 1964/66); Carlos Nery, ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 2382 (Guiné, 1968/70); Gabriel Gonçalves, ex-1.º Cabo Cripto da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71); Jorge Narciso, ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12 (Guiné, 1970/72) e João Santiago, Amigo Grã-Tabanqueiro





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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Maio de 2016 Guiné 63/74 - P16128: Parabéns a você (1084): Rui Gonçalves Santos, ex-Alf Mil da 4.ª CCAÇ (Guiné, 1963/65)

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16134: (In)citações (91): "Um gajo não sabe o que foi a guerra colonial", diz Marcos Cruz, filho do Dr. Adão Cruz, um dos médicos do BCAÇ 1887 (Francisco Baptista, ex-Alf Mil)

1. Mensagem de 20 Maio de 2016, do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72):


A minha filha Joana, que na adolescência me fez perguntas insistentes sobre hipotéticos perigos que eu teria passado na guerra da Guiné e eu que lhe respondia sempre que somente ouvi por vezes o som de algumas canhonadas a rebentar a quilómetros de distância, e que de resto passei lá umas agradáveis férias tropicais.

Já na passagem para a idade adulta, quando por uma ou duas leituras que lhe dei a ler neste blogue se apercebeu que passei por algumas situações de relativo perigo e convivi de perto com a morte de alguns camaradas ou feridos graves, ficou zangada e furiosa comigo e pelo menos durante quase três anos nunca mais quis ler qualquer texto meu sobre o assunto.

Hoje já mais indulgente e compreensiva enviou-me este texto do seu amigo Marcos, filho do médico Adão Cruz, nosso camarada da Guiné, que eu achei muito interessante e expressivo e que me pareceu que merecia maior divulgação.

A Guiné, para nós, foi um misto de sensações, boas e más, algumas dolorosas com um luto muito prolongado e muito difíceis de verbalizar. Muitos esperaram longos anos para se conseguirem libertar do arame farpado, das matas e bolanhas, alguns morreram sem nunca o conseguirem.
Durante muitos anos depois do meu regresso, sendo até já a Joana adolescente, lembro-me de um sonho que se repetia por muitas noites. Sonhava que voltava de novo para a Guiné e reclamava junto das chefias militares porquê outra vez, se eu já lá tinha passado lá dois anos. Não obtinha quaisquer respostas e o sonho diluía-se em solidão e silêncio.

Este ano, falei neste sonho, a três ou quatro camaradas, num convívio recente e dois deles disseram-me que tiveram sonhos idênticos. Os nossos filhos, os nossos netos que muitas vezes adivinharam a nossa tristeza envolvida no nosso silêncio, nem sempre compreenderam que não queríamos passar para eles essa mancha negra, essa mágoa, provocada pela violência da guerra quando éramos jovens. Não fomos heróis, Tínhamos entre vinte e trinta anos e uma imensa vontade de viver e ficámos chocados ao ver que essa vida, que nessa idade nos parecia eterna, era tão efémera que acabava num estilhaço de granada, numa mina ou numa bala certeira.


2. Mensagem de Joana Baptista, enviada a seu pai:

O meu amigo Marcos, filho do médico Adão(1), escreveu isto:

"Um gajo não sabe o que foi a guerra colonial. O meu pai, Adão Cruz, fartou-se de me contar histórias da comissão de serviço dele na Guiné – umas mais felizes, como a de um puto chamado Marcos que terá motivado a escolha do meu nome, ou a de um bebé que ficou Adão Doutor em homenagem ao médico que lhe desenrascou o parto, e outras menos, como a de um amigo a quem ele não conseguiu tirar a ideia de se arriscar no mato, debaixo de tiros, para apanhar uma galinha e cozinhá-la à cafreal e que chegou, pela mão de outros militares, todo furado, ou a de um colega que lhe morreu nos braços – mas pouco mais pude fazer com elas do que imaginar, especular, fantasiar. 

É exactamente o que a minha filha faz. 

A tantos anos de distância, ela pergunta-me coisas a que não sei dar resposta, como se eu tivesse vivido aquilo. No próximo sábado, dia 21, avô e neta vão a um almoço-reunião do que resta da Companhia 1547, e eu estou para ver o que a baixinha traz de lá. Entretanto, escreve o meu pai: 
- “Muitos já partiram. Os que restam não vão apenas dar um abraço esporádico, mas garantir com a sua presença, a despeito das vidas de cada um terem seguido caminhos muito diversos, o abraço perene e permanente, sabe-se lá porquê, com que nos mantivemos ligados até hoje, ao fim de meio século. 

Eu próprio sinto que não é apenas um abraço de braços, mas um abraço de alma vivida com profunda intensidade, o abraço de uma parte da vida aprisionada dentro e fora do arame farpado, que de tal forma explodiu no futuro que ainda hoje nos reúne, para alguns com muita dificuldade. É verdade, faz 50 anos que desembarcámos do velho navio Uíge, no cais de Bissau, sob um calor escaldante, para uma aventura que custou a vida a muitos dos nossos saudosos colegas”.

Aqui fica uma fotografia dele, em boa companhia:"

Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil (?) Médico do BCAÇ 1887
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Notas do editor

(1) - O nosso camarada Domingos Santos, (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68), no seu poste de 15 de junho de 2013 Guiné 63/74 - P11706: Os nossos médicos (48): O BCAÇ 1887 (1966/68) tinham três médicos, mas a minha CCAÇ 1546 não chegou a ter nenhum em permanência... Um deles era o dr.João Gomes Pedro, mais tarde ilustre pediatra no Hospital de Santa Maria e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (Domingos Gonçalves), a certa altura escrevia:
[...]
(vi) Os três médicos pertencentes ao batalhão a que pertenci eram os seguintes: (a) Dr. João C. Gomes Pedro. Penso que na altura era, ainda, clínico geral. Foi, quando passou à vida civil, - e continua a ser -, um insígne professor de pediatra [no Hospital de Santa Maria e na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa]. Como pessoa, apenas posso referir que era um homem excepcional. (b) Os outros dois médicos chamavam-se: Carlos Alberto, um, e Adão, outro.
[...]

Último poste da série de 9 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16070: (In)citações (90): Colonização versus descolonização - fenómeno de aculturações inter-raciais (José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679)

Guiné 63/74 - P16133: O nosso livro de visitas (189): Morreu, em 17/4/2016, o meu pai, Cherno Sanhá, formado em Cuba, em engenharia de telecomunicações, filho do rei de Badora (Luís Causso Sanhá)

Guiné > Zona leste > Sem data nem local > Mamadu Bonco Sanhá, régulo de Badora, tenente de 2ª linha, comandante da companhia de milícia do Cuor.

Segundo informação do filho Cherno Sanhá, esta foto deve ser de finais de 1960 ou princípios de 1970, quando o tenente Mamadu foi condecorado com a cruz de guerra. Deveria ter uns 40 e poucos anos.

Foto: © Cherno Sanhá (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados,


1. Mensagem de Luís Causso Sanhá

Data: 12 de maio de 2016 às 16:31

Bom dia, Luís.
Meu nome é Luís Causso Sanha, eu sou o filho de Cherno Sanhá, estou escrevendo este e-mail para informá-lo da morte de meu pai em 2016/04/17.


 2. Mensagem de 15 do corrente, enviado ao Luís Causso Sanhá:

Cherno:

A morte do nosso pai, qualquer que seja a idade ou as circunstâncias, é sempre uma notícia dolorosa... Lamento muito que o seu pai acabe de falecer, há poucas semanas... Mas precisava que o Luís me ajude a identificá-lo.. Que idade tinha o seu pai?

Será que estamos a falar do filho do grande régulo que eu conheci, em Bambadinca, em 1969/71, o Mamadu Bonco Sanhá ? Se sim, tem aqui um link. (*)
Veja se me pode esclarecer a minha dúvida. Mas presume que seja a mesma pessoa, o filho do grande régulo de Badora. Nesse caso, você é neto.

Mantenhas, 
Luís Graça


3. Resposta de hoje do Luís Causso Sanhá:

Boa tarde, desculpe pelo atraso em responder seu e-mail. 
É o mesmo filho do rei de Badora, sim. (**)


4. Comentário do editor com resposta ao nosso leitor, neto do Mamadu Bonco Sanhá:

Olá, Cherno, obrigado pelo teu esclarecimento. 
O pai do teu pai era o régulo de Badora, o grande Mamadu Bonco Sanhá que eu conheci muito bem em Bambadinca, regulado de Badora, em 1969/71, comandante da companhia de milícia do Cuor, com o posto de tenente de 2.ª linha. Vê aqui as cinco ou seis referências que temos sobre ele, no nosso blogue.

O teu pai, Cherno Sanhá,  um dia contactou-nos por email e mandou-nos o seu número de telemóvel:
Cherno Sanhá > Telemóvel: (+245) 727 6999. Vivia, portanto, na Guiné-Bissau e,  a através de um amigo comum, o Cherno Baldé, soube que se tinha formado em Cuba, em 1983, em engenharia de telecomunicações, área onde trabalhava em Bissau, depois de ter passado pela rádio e ter vivido em Espanha.

Nunca cheguei a falar com ele ao telefone, trocámos apenas mensagens. Disse-me que era o filho mais velho, A última foi a desejar-nos votos de bom ano 2016, e a pedir o contacto do Mário Beja Santos, "grande amigo do meu pai, Régulo de Badora, Mamadu Bonco". Ele sabia que o Beja Santos tinha sido comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70). Ficou  de me mandar mais fotos do seu pai, Mamadu Bonco Sanhá, o que nunca chegou a acontecer, possivelmente por razões de saúde. Lamento muito a sua morte. A vida tem sido dura para com os nossos amigos guineenses. Vou dar a notícia, no blogue.

Mantenhas. "Un saludo" (Vejo que vives em Espanha ou num país de língua castelhana, "es verdad"? Mas, reparando melhor, usas o endereço de email do teu pai).


5. Mais informação sobre o Cherno Sanhá [, foto de 2016, à direita] e  o seu pai Mamadu Bonco Sanhá:

Em conversa com o Cherno Baldé (que teve a gentileza de me telefonar de Bissau, por volta de outubro de 2012, soube mais o seguinte acerca de Mamadu Bonco Sanhá e do seu filho Cherno Sanhá: 

(i) a residência oficial do tenente Mamadu era em Madina Bonco; 

(ii) muitos dos papéis dele perderam-se, ficaram nas mãos das mulheres, mas a foto deve ser de 1970 ou por aí; 

(iii) o Cherno Sanhá deve ter uns 20 irmãos; 

(iv) o tenente Mamadu nunca teve "50 mulheres", embora tivesse bastantes como régulo que era, mas algumas delas eram dos irmãos que faleceram antes dele; 

(v) o Umarau Baldé [, já falecido, da CCAÇ 12] não era filho do Mamadu Bonco Sanhá: 

(vi) o Cherno Sanhá, que tem 56 anos, fez a 4.ª classe em Bambadinca, foi aluno da profª Dona Violeta, residia em Bambadinca nessa altura, mas tinha nascido em Madina Bonco; 

(vii) fez o liceu em Bissau; 

(viii) formou-se em Cuba, em 1983, em engenharia de telecomunicações; 

(x) trabalhou na rádio nacional durante uns 3 anos; 

(xi) andou por Espanha na sequência da guerra civil em 1998/99; 

(xii) vivia  em Bissau, e trabalhava numa empresa de telecomunicações [, a Guinetel, se não erro]: 

(xii) conhecia alguns dos nossos grã-tabanqueiros de Bissau: o Pepito, o Patrício Ribeiro, o Cherno Baldé...
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Guiné 63/74 - P16132: Os nossos seres, saberes e lazeres (156): A pele de Tomar (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Fevereiro de 2016:


Queridos amigos,
Hoje deu-me para aqui, a justificar as diferentes harmonias entre a cidade e o campo, é uma realidade no casco histórico, o que já não acontece na cidade que se expandiu para lá do Nabão, em finais do anos 1940.
Tomar tem muito caráter no uso da pedra, nas sacadas das janelas e nos rendilhados do Convento de Cristo. Procuro juntar provas. Há mesmo um edifício do turismo que tem um cunho de palacete, entra-se como numa sala de castelo e quando se sobe para o andar das exposições fica-se com a sensação de que estamos dentro de formoso palácio.
Tento abonar que toda esta pele é um rico património que merece ser usado e abusado. A verdade é que os excursionistas daqui saem deslumbrados por tanta riqueza acumulada, não sem um travo de amargura por sinais gritantes de desleixo ou abandono.
Aqui fica o convite para virem acariciar a inesgotável pele de Tomar.

Um abraço do
Mário


A pele de Tomar (6)

Beja Santos

Começa digressão no Convento de Cristo, detenho-me em pormenores, encaro-os como muito valiosos. Ora vejam.



Visitar Tomar, tenho para mim, requer um estado de estado de espírito paradoxal: sentir que a cidade é bordejada pelo campo, que lhe talha um caráter meio citadino meio rural. Percorrer Tomar pressupõe abertura: para o grandioso do património monumental, para as vistas onde o verdejante dos campos sempre sobressai e convoca, até mesmo a comunicação urbana não é definitiva, pode muitíssimo bem acontecer que o nosso interlocutor quando se despedir parte para fora da cidade. Por isso me identifico tanto com uma frase que vem em "O Coro dos Defuntos", de António Tavares, Prémio Leya 2015, e penso em Tomar: “Na cidade, os espaços perdem-se por serem todos iguais. Ali, entre as ruelinhas de pedra rugosa, vive-se e observa-se o mundo em cada passada e percebe-se que a vida é feita deste gesto de andarilho que todos nascemos a saber fazer”. Então, subo ao Convento e fico a namoriscar alguns detalhes desta famosa pedra rósea por onde andaram escultores sublimes, é um lavrado da pedra de alguém que se enamorou pelo sítio, tanto ou mais como a encomenda que lhe fez o rei Venturoso, daí esta pedra não ter idade. Atenção, é uma arte exigente, pode gabar-se de exigir muita luz e peregrinação, a subir e a descer. Mas o produto final é um regalo para os olhos, é da melhor escultura do nosso Portugal.


Naquele primeiro andar estava o Comando do RI 15, até 1963, se não erro. Desculpem a petulância, a imagem é impressiva, as árvores parecem gritar, e talvez tenham razão, naquelas salas cumprimentaram-se, em jeito de despedida e em jeito de chegada, oficiais que partiram e que vieram da guerra, diferentes guerras. O chocante é que houve aqui um convento franciscano, maior mensagem de paz não podia haver. Hoje, este espaço é aprazível, tem um Museu dos Fósforos, trago aqui regularmente os meus amigos, e em frente artesãs delicadas fazem a sua arte de oleiras e ceramistas, que Deus as proteja.


Sai-se do Convento que já foi quartel e prantamo-nos na parede da igreja, sempre a honrar S. Francisco. É bem visível a urgência dos reparos, toda aquela humidade está a enfraquecer a construção. A parede em si nada tem a assinalar, são os contrafortes que dão a rijeza ao monumento que me impressionam, têm uma estranha delicadeza em construção tão austera. A hora não era muito boa para o que eu pretendia pôr em relevo e que se prende com o reparo deixado em cima, Tomar tem sempre a verdura a acenar-lhe, neste caso a Mata dos Sete Montes é uma vegetação de gala. Assim seja.


Quis o acaso ou fortuna que quando eu tinha sete anos vi nascer por inteiro a Avenida de Roma, em Lisboa, estávamos em 1952. Tudo impressionava: as linhas aerodinâmicas, as alturas, as sacadas, as portas maciças e um dado pormenor, as esculturas a encimar as portas, há mesmo um prédio que tem um trabalhador com um malho na mão, lembra a arquitetura dos tempos de Hitler e Estaline. Foi com muito agrado que descobriu uma escultorinha neste prédio, parece envergonhada, talvez enferrujada, é o símbolo de um tempo, aqui lhe deixo o meu agrado.


Nos anos 1930, em frente à Mata dos Sete Montes surgiu um belíssimo edifício heteroclítico que continua ao serviço do turismo. Alguém me disse que houve um presidente de câmara que repescou belas cantarias, tetos almofadados e outras preciosidades, e daí a sensação que persiste quando aqui venho obter informações ou ver uma exposição. Naquele dia abria a exposição da artista Romy Castro, o relato fica para depois. Pedi licença e, catrapus, captei um teto como não deve haver outro em oficinas de turismo em Portugal. Sei que há tetos muito belos em Tomar, ali bem perto na entrada do Instituto Politécnico é tudo um desfrute para o olhar.


É um dos meus esquinados favoritos, no centro da cidade, foi no princípio do dia, já havia cheiros de Primavera, um calor inusitado para as 10h30 da manhã, e aquela pedra terrosa parece que se desloca e aparta da alvura das paredes. O que me desgosta é a mistura de fios que desfeia a singularidade do património. Será que não havia outra solução para pôr estes cabos?


Quando por aqui passo, enamoro-me com as proporções entre largura e altura, mesmo aquela falta de pedra no lintel dá um ar de graça, parece uma Idade Média renovada, graciosa, e aquela roseira tudo humaniza, as plantas facilitam-nos o aprazimento do lugar, é o elemento simbólico do jardim que guardamos no olhar.



Sim, eu sei, são duas maneiras de viver, são dois prédios bem distintos, o primeiro tem mais ancestralidade, o que eu gosto do jogo de cores, prodigioso, um autêntico mano-a-mano entre a tinta e a pedra, é uma fachada cheia de classe. Mas gosto muito desta janela, aquele pormenor de a atirar para as alturas, aquela sacada que não tem mais nem menos do que precisa, e que se associa naturalmente ao conjunto. Chama-se a isto caráter, identidade, sopro criativo, gosto de viver, o conforto não se cinge ao que está intramuros, estas paredes falam, são o sinal permanente de que alguém assim construiu com um toque de personalidade, e comunicou satisfação de poder abrir a janela como se se abrisse para o mundo. Quem assim pensar até é capaz de ter razão, Tomar, nos seus momentos faustos, foi uma encruzilhada de muitos cruzados, foi uma janela que se abriu para o mundo, e não é por acaso que conserva a mais linda janela do nosso rincão, a do Capítulo.


Não vale a pena iludir o leitor, um portão aberto para dali chegar a uma varanda e deleitar a vista sobre jardim ou pomar, me encanta e assim remato a viagem garantindo que são estes jardins frondosos, este gosto pelo arvoredo, pelo colorido dos canteiros, o Nabão que por ali bordeja, as matas, o belo Mouchão e o seu murmurejar atravessando pontes, é isso que me encanta, não viver entre florestas de cimento mas de poisos humanos, naturalmente combinados entre o passado e o presente. É por isso que quando olhamos a cidade daquele balcão junto à igreja de Santa Maria dos Olivais temos a sensação que o património se acamou com a natureza, contemplando aquele fio de água que depois vai dar a Lisboa, por portas e travessas.

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior da série de 18 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16103: Os nossos seres, saberes e lazeres (155): A pele de Tomar (5) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16131: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte III: A vida na mina Munguanhe 2

Terceira crónica enviada a 18 do corrente;

Olá Luís, boa noite!
Aqui vai a parte 3 das memórias da Diamang. Espero que estejam do teu agrado, pelo menos revelam episódios autênticos, ainda que susceptíveis de interpretações bárbaras. É que ter feito a tropa na Guiné era muito diferente de trabalhar atrás do sol posto nas longínquas terras do leste de Angola.

Com um abraço
JD


[ O José Manuel Matos Dinis, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, nosso grã-tabanqueiro e adjunto do régulo da Magnífica Tabanca da Linha, Jorge Rosales, depois do seu regresso a casa, a Cascais, em janeiro de 1972, vindo da Guiné, rumou até Angola, em maio de 1972, para ir viver e trabalhar na Lunda, na melhor empresa angolana na época, a famosa Diamang - Companhia de Diamantes de Angola, com sede no Lundo. Aqui casou (por procuração), aqui viveu e trabalhou, aqui nasceu o seu primeiro filho... Desafiámo-lo justamente a falar da sua experiência angolana em meia dúzia de crónicas memorialísticas. Ele aceitou galhardamente o desafio.]


1. As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte III: A vida na mina Munguanhe 2
.
A mina de que me tornei responsável, e que já descrevi em pinceladas rápidas, era o Munguanhe-2, uma colina explorada sob o método clássico, com o desmonte de cascalho por padejamento, linhas para vagonetas que transportavam o cascalho para uma lavaria de "pans". Os meios mecânicos empregues eram escassos, e a rentabilidade ficava muito longe das minas mais rentáveis. Imagino que se mantinha este modelo de exploração, porque, apesar da escassa produção diamantífera, era mínimo o desperdício e não deixava de ser rentável. Agora não me ocorre o valor médio da produção diária, que talvez não excedesse os 20 quilates em pequenas gemas.

Alguns dias depois já identificava parte do pessoal pelos nomes. E uma ocasião tive uma atitude que lhes caiu muito bem. Faltou um elemento que me parecia bom trabalhador, e durante a chamada que antecedia o inicio dos trabalhos, o Muriandambo, capataz principal, referiu que aquele elemento tinha a mulher muito doente. Pedi que alguém me indicasse a aldeia onde morava, e lá fui em busca da doente. Eram pessoas humildes que aceitavam com resignação a doença, mas vi que tinha uma grande chaga na perna, e soube que teria sido vista pelo feiticeiro. Com ajuda entrou para o carro, e levei-a ao posto médico. Na ausência do Julien Martan (fonética afrancesada de Júlio Martins), ausente na ocasião, pedi a um auxiliar para ver a doente com a maior brevidade. Limpou-a, desinfectou-a, entregou-lhe alguma medicação, e recomendou que lá voltasse mais tarde. Levei a senhora de volta à aldeia, e voltei à mina para reiniciar a tarefa do diária. Lembro-me de que tive boas notícia dela.

Outra ocorrência:
no dia de pagamento de salários, pagamento que se efectuava no refeitório onde o Tomás se deslocava acompanhado de uma espécie de burra com o dinheiro, observei que alguns metros adiante, ainda na área da mina, estavam uns tipos desconhecidos. Indaguei quem eram, e logo soube que se tratava dos credores de algum pessoal, que lá iam receber o produto da venda de aguardente. Dirigi-me a eles e disse que não os queria ali, que fizessem a cobrança nas aldeias. Saíram sem ripostar, mas no fim do dia o Muriandambo demorou a contar-me que esses homens preparavam ali perto os destilados, e que alguns homens gastavam logo uma boa parte dos salários, o que gerava grandes perturbações com o pessoal, pois as mulheres, perante a escassez de dinheiro, fugiam de casa, e eles faltavam alguns dias ao trabalho para as resgatarem. Assim, constatei que os consumidores do "marufo" ficavam duplamente prejudicados, pois gastavam boa parte do salário na compra da bebida, e deixavam de receber o correspondente aos dias em falta. Isto, sem contar com as relações afectadas. Ainda me referiu que ficavam mal vistos na aldeia por causa das dificuldades resultantes do consumo da bebida. Notei, portanto, algum preconceito ou ressentimento contra os elementos socialmente menos bem comportados. 

Em outra ocasião faltaram dois elementos no dia do pagamento, e guardei os salários de cada um em envelope. O André Pihia, um rapaz ainda jovem e que mostrava competência e era capita da lavaria, assistiu a tudo, e à guarda dos envelopes numa gaveta da secretária, e teve uma tentação maldosa. Depois do serviço arrombou a janela e furtou os envelopes. No dia imediato, quando cheguei e constatei a situação, logo inquiri o Zé Manel, que me deu a informação do sucedido e ficou ao meu dispor para me indicar o caminho da aldeia. Levava comigo uma faca de mato, para alguma eventualidade. O André não ofereceu qualquer resistência, entrou no carro, e levei-o ao Cambulo, para trabalhar na administração o necessário para repor os valores roubados. A razão tinha sido a mais ingénua que possamos imaginar: comprou cerveja e deu uma festa para os vizinhos. Assim, à novo-rico.

Tomei, então, a decisão de ir ao Cambulo, que era a sede do concelho, e pedi à polícia para tomar conta dos destiladores, o que veio a acontecer, embora, agora, não possa afirmar se tudo ocorreu com bons ou maus resultados, mas houve destruição ou apreensão das destilarias. Pelo menos a cobrança à boca de cena deixou de acontecer. 



Angola, Lunda, Diamang, c. 1972/74 >  A nossa cozinheira: repare-se no penteado e nas mutilações de enfeite.

Fotos (e legenda): © José Manuel Matos Dinis (2016). Todos os direitos reservados.

No refeitório também me informava se o pessoal gostava das refeições servidas, na base da carne e do peixe seco estufados em óleo de palma, que acompanhavam batata, batata-doce, ou milho, e constatei que eram pratos do agrado geral. Também observei que alguns trabalhadores cobriam numa folha larga de um arbusto o conduto que lhes calhara em sorte, e levavam para partilha da família. Dei indicação à cozinheira para aumentar a quantidade aplicada, e ao Muriandambo para alternadamente distribuir a sobra do rancho pelos trabalhadores, de modo a que não houvesse prejudicados. Passei a requisitar mais uns quilos de alimentos, e não me levantaram problemas. Nas áreas exploradas e de terras removidas, incentivei ao plantio de batata-doce e milho para melhoria dos consumos domésticos.

A vida na mina corria-me com prazer, e por vezes ainda arranjava alguns minutos para me sentar à beira rio e observar a natureza, sobretudo a vida dos bicos-de-lacre, pássaros pretos com o bico da cor do lacre, que havia em quantidade, esvoaçavam bastante e cantavam com alegria permanente. Mas uma ou outra vez, com a ajuda do Zé Manel, o guarda nocturno, aprendi a caçar um jovem crocodilo que vivia no canal, e caía numa laçada colocada no fim de uma frágil paliçada, onde era atraído com um peixe ou um bocado de carne. Depois deixava-se ficar sem tentar deitar a baixo as canas que o "prendiam". Era muito novo, e de comprimento teria apenas cerca de um metro ou um metro e vinte. Obviamente, tirávamos o laço de corda, e o bichinho quase se habituou àquela rotina que lhe garantia alimento e repouso ao sol. Por uma ou outra vez vi a repetição da cena, o que seria impossível quando encorpasse.

O Pereira da Silva era quem me dava apoio técnico, quando necessário, mas algo raramente. Porém, houve uma ocasião em que me senti atrapalhado, quando não preparei a defesa com drenagem adequada à expansão da exploração, e as intensas chuvas fluíram para uma zona mais baixa e longínqua, junto de uma roda-de-canto, onde as vagonetas curvavam para as novas áreas de "cortes" que iam entrar em exploração. Foi problemático, e o recurso às duas bombas hidráulicas não se mostrava suficiente pelo tempo que levavam a empurrar a água lamacenta para um diferente nível de encontro com o canal. Houve voluntários para entrarem na água e manobrarem as vagonetas com água pela cintura, o que se tornava penoso e perigoso. Felizmente não aconteceu qualquer acidente, que poderia materializar-se no corte de dedos do pé, ou outra coisa mais inesperada. 

Para todos aqueles que referem a preguiça dos africanos, deixo aqui este exemplo de como era o contrário que normalmente acontecia, pois diariamente havia trabalhos de pá, pica e barra-mina para desmonte de terra, que não eram pera-doce, tanto sob o grande calor africano, como sob efeitos das magníficas tempestades locais e o peso dos volumes deslocados
.
Depois do horário de trabalho, quando chegava a Cassanguidi, onde estava a viver na Casa de Trânsito, estacionava o carro entre esta e a casa do Pessoal. Mal me apeava, chamavam-me para partilhar algum petisco e beber uma cerveja. Uma ocasião, ou porque éramos mais do que os habituais, ou porque estaríamos com mais apetite do que era habitual, o petisco estava a acabar, quando o Pereira da Silva teve uma ideia para salvar a situação. Chamou-me, para ir à sua casa buscar umas bifanas que estavam temperadas e no frigorífico. 
– Eu, porquê eu? Porque é que não vais lá buscar as bifanas? – perguntei-lhe. 
– Porque se eu lá for, a Manuela (a mulher do Pereira da Silva era a professora D. Manuela) não vai deixar-me sair, e como ela confia em ti, és a solução para prolongarmos o petisco. 

Convencido, fui a casa daquele simpático casal e, de facto, a Manuela, embora indignada e preocupada com algum excesso do marido, entregou-me as bifanas e recomendou que o marido zarpasse em meia-hora. Assim, cumpri as duas missões, sem outra responsabilidade com o cumprimento da combinação por parte dele, para além da comunicação que lhe fiz. 

Outra vez, ainda na sequência do relato de outras convivências, foi combinado sairmos à noite para caçar. Alguém trouxe um Land-Rover, um farol, e lá fomos, talvez com uma ou duas caçadeiras. abalámos por uma picada. Também farolinei, mas a única peça que avistámos foi o que nos pareceu um gato selvagem. Demos meia-volta e acabámos a comer um qualquer petisco antes do agravamento da noite. 

Um ou dois dias depois fui abordado pelo Mascarenhas, um caçador indómito e com fama justificada, que disse ter observado o meu gosto pela caça, pelo que estava a propor uma saída para o Canzar, onde pretendia caçar. Precisava de mim, para prevenir qualquer acidente e não ficar isolado nas lonjuras do mato. Para os menos lembrados, recordo que na época não havia telemóveis e não havia disponibilidade de rádios. Desculpei-me com o argumento verdadeiro de que não era caçador.

A passagem dos dias naquela área angolana fica mais ou menos documentada, pois havia hábitos repetitivos, e até dos álbuns fotográficos, dizia-se, que estavam cheios de retratos de comezainas e piqueniques. Aos domingos, a malta solteira tinha por costume encher uma mala térmica, carregar um saco de carvão, e uma quantidade sempre generosa de carnes e cervejas, para abalarmos em direcção a um local engraçado (um refeitório de mina, ou uma queda de água), onde se preparava a refeição, bebiam-se uns copos, e depois, uns sonecavam, outros jogavam cartas, e todos ouviam com mais ou menos atenção, a transmissão de um jogo de futebol do campeonato metropolitano. 

Eu faltava a estes encontros com alguma frequência, para deslocar-me ao Dundo, onde, aos sábados de tarde e à noite, havia farra entre a malta solteira. Nos domingos tomava o banho matinal, e apresentava-me em casa de quem me convidava para o almoço e jantar, e passava as tardes em cavaqueira com os donos da casa e os visitantes que recebessem.

Este ramerrame era-me agradável, e com o passar dos dias, convencia-me de que a África seria sempre a minha casa. Durante as tardes de domingo no Dundo sentia-se a normal tranquilidade de uma vida económica e social pacífica, onde eram comentadas diversas iniciativas de acordo com as potencialidades e o cada vez maior progresso que as populações experimentavam e exigiam. 

A guerra, que praticamente não se sentia, nem sequer era abordada. Era o desenvolvimento social e económico que mais interessava à comunidade de privilegiados e dirigentes, para além do nascente interesse pela actividade da Bolsa de Lisboa. Abrira uma dependência bancária em Portugália, e os funcionários percorriam os diferentes caminhos da Diamang para captação de recursos, com vista à constituição de depósitos à ordem e a prazo, bem como de outros produtos de dívida que, no conjunto, eram importantes instrumentos para o desenvolvimento da economia angolana.

Mas um dia passei por um percalço completamente inesperado. Um dia fui chamado ao grupo para receber um telefonema do Puto [Portugal]. Em minha substituição ficou um mecânico, que praticamente não saiu do escritório. Mas,  pouco depois de ter saído, o sub-chefe do grupo terá visitado a mina, e pareceu ter falado ao pessoal da exploração em modos normalíssimos para um nortenho do Puto, mas ofensivos para eles. 

Demorei duas horas desde que saí até ao meu regresso. Ainda falei durante uns cinco minutos com quem me substituíra sentado no escritório. Quando ele saiu dirigi-me à lavaria, e sofri o primeiro choque: a metragem com indicação das vagonetas ali transportadas não evoluíra praticamente desde que eu saíra. O problema era da exploração, informaram-me. Constatei que a lavaria continuava a trabalhar com material da reserva. Ao aproximar-me do declive do inicio da linha até aos cortes, reparei que não havia qualquer vagoneta no percurso. Explorava-se o corte mais próximo, e quando nele entrei, vi com grande admiração, o pessoal deitado ao sol, ou em amenas conversas, e as vagonetas fora da linha e viradas sobre o cascalho. 

Imediatamente vi o "filme"do homem do norte, e a decisão reactiva de fazerem uma greve com o desplante de ali terem ficado à espera do almoço. Num clique pensei sobre a quebra da disciplina, ou era reprimida imediatamente, ou poderia degenerar em futuras acções de protesto com o risco de se tornarem incontroláveis. Eu já sabia na época que os trabalhadores rurais eram muito ingénuos, mas que no geral aceitavam a penalização dos seus actos irreflectidos ou mauzinhos. Como também me corre o sangue nas veias, tive uma reacção que, provavelmente, ninguém esperaria, e subitamente, a xutos e pontapés, murros e pedradas, corri pelo meio deles numa acção de distribuição que deviam ter pensado que estava possuído pelo diabo.

Ao jantar, o Maia perguntou-me o que se passara na mina, pois ia lá falar-me e ficou assustado com as correrias desordenadas à frente do jipe. A título de segredo pessoal que garantiu, contei-lhe o que ocorrera, e só me restava esperar pelo dia seguinte para avaliar do efeito produzido. De manhã cedo, pela hora da chamada, e antes do horário de trabalho, o espaço sob o telheiro da lavaria estava cheio de gente para a habitual conferência de assiduidade. Chamei um por um, olhava-os, e no final não havia faltas, com excepção do Mualufuma Casaco a quem, por conselho do administrador do Cambulo, paguei 15 dias de ausência ao trabalho. Mandei-os para as tarefas sem mais palavras. 

O dia correu como normalmente, e sobre o episódio da véspera não houve mais conversas, mas devem ter intuído que não vacilava pela boa ordem na execução e desenvolvimento dos trabalhos. Quando recebi o correio com os mapas da verificação da véspera, o teor do material explorado era semelhante ao que vinha sendo registado, e não me preocupei. 

Esta narrativa podia tê-la omitido, mas acho-a importante, na medida em que na época as circunstâncias angolanas poderiam sugerir algo como prova provada da violência colonialista. O que pretendo é que se possa saber como o relacionamento poderia assemelhar-se ao de uma escola do ensino primário do nosso tempo e à assunção de responsabilidades por todos os intervenientes de um processo laboral. Alguma coisa pode ter mexido naquelas mentes, talvez com idêntica correspondência relativamente aos correctivos dados pelo professores nas escolas, de que muitos de nós reconhecemos o merecimento. Em boa verdade, não houve de nenhuma parte qualquer expressão de ressentimento, e os dias prosseguiram com canções que ritmavam o esforço que cada um, e todos em conjunto desenvolviam.

Por um desses dias o Chefe do Grupo encontrou-me no regresso a casa, e depois dos simpáticos cumprimentos próprios de um homem de bem com a vida, adiantou que o Director-Técnico tinha visitado a mina. Admirei-me, e questionei porque não mandaram chamar-me. Que o Director teria preferido assim, apesar da visão apenas parcial. Quando o interroguei sobre a impressão daquele Director-Técnico, pessoa de renome firmado na longa experiência e nas decisões técnicas que tomava, respondeu que tinha manifestado agrado com o que vira, e eu senti ter passado por um primeiro e importante exame profissional.

No próximo episódio farei uma incursão sobre algumas "estórias" de camanga, em correspondência ao desejo do estimado "cólon" Rosinha.


[Sugestões para ilustração fotográfica: Diamang: um espaço virtual dedicado à Diamang e à Lunda  >  Minas e lavarias da Companhia de Diamantes de Angola ]

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Nota do editor:

Postes anteriores da série > 

6 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16055: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte I: de Cascais até à Portugália / Dundo...

(...) Em Janeiro de 1972 tinha saído da tropa, dava passeios e namorava pelo litoral de Cascais, onde outros casais nos faziam concorrência. Os meus amigos estavam na vida militar, acabavam os cursos, ou já tinham iniciado actividades profissionais. Já não era como antes, quando a malta se reunia como seita para a paródia, ou para entusiásticas futeboladas. Namorava com envolvimentos familiares, e tinha a obrigação de procurar definição de vida. Não queria trabalhar debaixo de um tecto, e por isso, ficava excluída uma preparação profissional que tinha iniciado antes da tropa.(...)

12 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16080: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte II: Um "estado dentro do estado"...

(...) Mas afinal, que negócio é esse dos diamantes? É um "fétiche", direi eu. De facto, os diamantes servem para muito pouca coisa, e os que servem, são os industriais, precisamente os de menor valor. Os outros, os que cintilam de brilhos e são usados como adornos, não prestam para nada. Mas valem muito dinheiro, são atributos de riqueza e de poder. Destas razões é que resulta o grande fascínio ou interesse pelos diamantes. (...)