quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16916: Os nossos seres, saberes e lazeres (193): Pedrógão Pequeno e o Cabril do Zêzere (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 2 de Agosto de 2016:

Queridos amigos,
Aconteceu-me na vida enamorar-me por este local gracioso, disponho de vistas soberbas sobre uma vila que já foi sede de concelho e cuja importância também era devida a uma ponte filipina que ligava a Beira Litoral à Beira Interior.
Tem santuário, um centro social para desfavorecidos, uma sociedade filarmónica, a Aurora Pedroguense, e um rancho folclórico que atuam cheios de vitalidade.
A vila beija o famoso Cabril do Zêzere, que parece intimidar e noutros casos assombrar pela monumentalidade das fragas e penedias. Digo sem rebuço que disponho de uma casa onde me sinto muitíssimo bem num local que gostaria que todos conhecessem, ofereço-me para cicerone.

Um abraço do
Mário


Pedrógão Pequeno e o Cabril do Zêzere (1)

Beja Santos

No passado, chamava-se bairro da EDP, aqui viviam técnicos, operadores e administrativos da barragem do Cabril, inaugurada em 1951. De acordo com o Atlas do Património Arquitetónico, este projeto de Jorge Segurado é obra notabilíssima, um bairro em rede, a capilaridade perfeita, todos podem comunicar. Hoje não é assim, a EDP vendeu esta preciosa infraestrutura, a barragem está praticamente automatizada. Os novos proprietários procuram entaipar-se, a simular que vivem em condomínio fechado. Passei por aqui um dia e enamorei-me do local, a vivenda estava num escombro, só se aproveitou a carcaça e as toneladas de granito adossadas. É um fascínio viver aqui, tenho um panorama de dezenas de quilómetros, espreito o Zêzere e todo o agreste do seu vale que enamorou artistas como Alfredo Keil e Luigi Manini, e com justa causa.



Temos a Freguesia de Pedrógão Pequeno propriamente dita, que pertenceu à Ordem do Templo e depois ao Priorado do Crato (antiga Ordem do Hospital), foi sede de concelho até 1836, hoje é freguesia do concelho da Sertã, do outro lado do vale do Zêzere está Pedrógão Grande. Possui locais de interesse turístico de que destaco a ponte filipina que foi a estrada principal de ligação entre a Beira Baixa e a Beira Litoral antes da construção da barragem do Cabril. Tem atrações para quem gosta de canoagem, passeios pedestres e comida típica. Assombrou artistas pela espetacularidade das suas fragas e penedos, mostramos a seguir um livro sobre Pedrógão Pequeno, um dos autores é o meu amigo Aires Henriques, a capa é o cenário da Ópera Irene, de Alfredo Keil, desenho e pintura de Luigi Manini. Keil concebeu uma obra baseada em histórias locais que versejou, sendo autor de desenhos excecionais que aqui se reproduzem, ambos têm como tema o vale do Zêzere e o segundo poderá ser o “Cabril do Granada”, por aí se ter inspirado e vivido o místico espanhol Frei Luís de Granada, Provincial da Ordem dos Dominicanos em Portugal (século XVI).




Endividei-me prudentemente para comprar e restaurar a vivenda, julguei até que com esta panorâmica, a majestade da situação, o badalar dos sinos de quatro igrejas entre Pedrógão Pequeno e Pedrógão Grande, não seria difícil um dia revender a preciosidade. Virá a acontecer, até lá quero usufruir do conforto e desfrute da paisagem envolvente. Vejo o Penedo do Granada, a foz da Ribeira de Pera no Zêzere, avisto uma boa parte de Pedrógão Grande e Pedrógão Pequeno. Dentro das regras da sustentabilidade, fui comprando tarecos, recebendo ofertas, dando identidade à morança. É uma casa fresca, o seu ponto fraco são os meses de invernia, é gelada, a habitabilidade só é possível com a lareira, os fogões e a botija na cama. Nesses dias, que alguns consideram desoladores, mesmo a tiritar de frio, venho para a varanda ver a neblina dos vales a subir lentamente, é uma autêntica paisagem chinesa. Nunca me arrependi deste investimento e da satisfação que ele traz a quem habita e visita esta casa.




Interrompo o discurso para falar dos arrabaldes. Em dias estivais tenho uma praia fluvial onde me sinto bem, chama-se Mosteiro e mostro-vos uma panorâmica das suas três pontes sobre a Ribeira de Pera. É verdadeiramente um local aprazível, a água fria é por vezes intimidante, então lembro-me dos duches da Guiné e acabaram-se as hesitações, a satisfação maior vem depois a enxugar-me para sentir as articulações melhor temperadas. A outra imagem, um tanto inócua, tem a ver com a minha incontrolável bisbilhotice por tudo quanto é feira de velharias e coisas que me podem ser úteis para ler, ouvir ou decorar. Trata-se do mercado dominical de Vila Facaia, já em Pedrógão Grande, de onde tantas vezes saio felizardo com cd’s, livros e certos trastes.



(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16890: Os nossos seres, saberes e lazeres (192): De novo em Bruxelas e a pensar nas Ardenas (5) (Mário Beja Santos)

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