quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17032: Os nossos seres, saberes e lazeres (198): Lembranças de um passeio entre Batalha, Mira de Aire e Minde (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 29 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
É bom ter uma neta exigente, que gosta de passear e não casmurra quando se vai a mosteiros ou a centros interpretativos de batalhas.
O início da viagem foi só para ver, confirmar e registar que a região Oeste, a despeito da crise, prospera. Era período de férias e a Foz do Arelho, S. Martinho do Porto e Nazaré dispunham de multidões a banhos, passeios vagarosos e ociosidades. O nosso programa estava centrado na Batalha e Mira de Aire, compromisso entre a história de Arte, um parque aquático onde destruí um calções na roda-viva com a neta e a surpresa desse esplêndido museu de aguarela Roque Gameiro, em Minde, há anos que sonhava com esta visita, fiquei com grande vontade de voltar, tal é a magia da casa e o prodígio das aguarelas do grande mestre.

Um abraço do
Mário


Batalha, Mira de Aire e Minde

Beja Santos

Era uma vez um avô que prometera à neta levá-la às grutas de Mira de Aire e ao parque aquático, três dias de boa-vai-ela. Primeiro, a Foz do Arelho, onde o avô e a mãe passaram férias, seguiu-se S. Martinho do Porto e depois a Nazaré, dormitou-se ali para os lados do centro de interpretação da batalha de Aljubarrota, fez a visita do campo militar de S. Jorge, a Benedita manifestamente indiferente à colocação das tropas, queria era saltitar pelos campos, regalou-se a ver o vídeo, terá tido a convicção que era desenho animado. E seguiu-se para o Mosteiro da Batalha, aí a Benedita manifestou interesse e ouviu as perlengadas do avô: olha filha, aqui é a Capela do Fundador, aqui estão os primeiros reis da dinastia de Avis, olha para a beleza da cúpula, olha o túmulo de D. João I e D. Filipa de Lencastre, não achas uma beleza? Já tínhamos visto a porta, com todos aqueles pormenores das catedrais góticas, andámos pela nave central da igreja, falei-lhe na abóbada de nervuras. E o passeio prosseguiu, passámos para os claustros.



O claustro de D. João I prima pela harmonia das proporções e pela elegância do seu trabalho, é exuberante mas é comedido, para dizer a verdade até se chegar às Capelas Imperfeitas e ao seu grande portal, não se pode falar em ostentação mas sim em harmonia e equilíbrio, o mesmo direi da casa do capítulo, do antigo refeitório e até do claustro afonsino.


Entramos agora no mundo das Capelas Imperfeitas, aqui não se esconde a magnificência de D. Manuel I, um rei que não olhou a meios para o enaltecimento da arte, recorde-se a Charola do Convento de Cristo e a respetiva porta, pense-se nos Jerónimos. O grande portal faz parte desse programa grandioso com que o monarca decidira terminar as capelas, mandadas fazer pelo rei D. Duarte. O viajante só dispõe de informação primária, desconhece o súbito e repentino plano de austeridade que impediu que estas obras se concluíssem, D. João III ainda tentou concluir as capelas, no seu tempo ficou o belíssimo balcão que apraz contemplar. Belíssimo por dentro e belíssimo por fora, talvez por isso mesmo, por incompleto.



Concluída a visita ao Mosteiro de Santa Maria da Vitória, caminhou-se prestes para Mira de Aire, esperam-nos dois dias de regalo. Primeiro o parque aquático, foi até estafar, avô e neta dentro daquela tubagem e expelidos dentro da piscina, começar e recomeçar sempre. Não surpreendeu quando a Benedita se bateu com um bife bem macio, batatinhas e legumes. E disse categoricamente: estou cansada, e sei que amanhã há muito mais.
Ao amanhecer, avança-se para as grutas, ditas as maiores de Portugal, descobertas em 1947, dispõe de 3 mil lâmpadas, há ali umas boas centenas de metros para deambular em espaços todos nomeados, lê-se e depois esquece-se: Algar, cavidade natural com a forma de um poço, derivado da dissolução do calcário na vertical pela subida e descida do nível das águas; temos também a sala grande, a maior sala da gruta, o teto é formado por largas bancadas de calcário que se elevam entre os 10 e os 30 metros de altura; mas há muito mais, há a sala vermelha, a cascata, os ossos, o púlpito, a joalharia, a galeria grande, o esparguete, a alforreca, a cascata da fonte das pérolas, a galeria do polvo, o órgão, os pequenos lagos, o bar, a cara da velha, o rio negro, o lago final, as vagas de erosão. Enfim lá vamos com a prudência necessária visitar esses 600 metros de grutas que têm uma extensão total superior a 11 500 metros. Vê-se e maravilhava-se, pois então. Aqui fica um convite à visita.




No último dia regressa-se por Minde, com paragem no Museu de Aguarela Roque Gameiro, sediado na Casa dos Açores, casa espantosa, o projeto do desenho é provavelmente de Raul Lino onde o arquiteto Martins Barata introduziu benfeitorias. O museu trabalha numa lógica de rotatividade das obras daquele que foi seguramente, entre o século XIX e o século XX um dos nomes maiores da aguarela em Portugal. Coube-nos visitar a exposição “Roque Gameiro – a felicidade de observar, entender, sentir”. Primeiro enamorámo-nos da casa antes de partir na viagem pelas aguarelas. Porquê o tema? Porque o mestre Roque Gameiro nunca esqueceu as suas origens, vivendo próximo da natureza. Escreve-se no catálogo: “Todos o conheciam sempre vestido de surrobeco castanho, chapéu de abas largas e gravata ou lenço de seda, sempre de verde-escuro com bolinhas brancas. No verão mudava para outro tipo de fato, linho grosso, sempre de cor crua”. Tradicionalista e atreito às ressonâncias da paisagem, as suas aguarelas falam no mar de seres humanos expressivos, e portanto iremos ver falésias, o rendilhado branco da espuma, paisagem com rios e lavadeiras, ruas da velha Lisboa, retratos de familiares. São estas as duas imagens que vos deixamos, estamos ainda naquele tempo de calor tórrido mesmo ao fim do dia e no regresso a Benedita, mesmo muito cansada, vai perguntando quando é que voltamos ao aquaparque… E o avô promete-lhe que será na próxima oportunidade.


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Nota do editor

Último poste da série de 1 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17011: Os nossos seres, saberes e lazeres (197): Pelos caminhos de Trancoso até chegar a Foz Côa (2) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Juvenal Amado disse...

Gostei de ler este roteiro. Ele diz muito de lugares onde vivi , percorri e em que me sinto em casa.
Lamento que Alcobaça esteja arredada do roteiro desta zona pois as acessibilidades contornam-na e assim quem vem de Lisboa pela A-8, visita Óbidos segue para a Nazaré, Batalha, Fátima etc.
Alcobaça é assim preterida pelos o incomodativo desvio, para quem julga de falta de interesse daquela bela cidade com o seu Mosteiro, que foi da Ordem de Cister.
Acabo por lhes dar alguma razão. Alcobaça outrora vila pujante com a sua industria, agricultura, seus licores de raiz conventual (3 fábricas) e comércio vibrante, foi isolada com uma ilha pela moderna rede viária, que por comodidade afasta os possíveis visitantes.
Dizem que foi a revolução Global, foram os dezenas de iper-mercados e Shoping, que tornam fácil e apelativa a deslocação aos seus serviços oferecidos até quase a meia noite.
As empresas de cerâmica foram fechando, o desemprego foi grave e com o definhar do comercio local foi uma dor no fechar de portas.
Mas eu estou convicto, que os autarcas locais não fizeram as escolhas necessárias em relação aos desafios com que foram confrontados, Tirando os doces e pastelarias, que são das melhores do Mundo, dos licores restam uma amostra da excelentíssima Ginja David Pinto, supremo néctar feito com ginja da região Oeste, se esgota rapidamente, acabando por custar um valor a cima da maioria das bolsas.

Mas mesmo assim visitem Alcobaça, percorram as suas ruas com história, numa esplanada tomem um café quiçá acompanhado de um doce , que os há maravilhosos.

Um abraço ao Mário Beja Santos de quem sou admirador