domingo, 7 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17327: Blogpoesia (509): "Um carro de fogo"; "Os discursos do piano" e "No cotovelo da praça", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728



1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Um carro de fogo

Espelhado no céu,
Um carro de fogo,
Esparzindo luz e calor,
Avança em vertigem
Até à linha do horizonte.

Se esbatem com luz
As copas ainda negras das árvores
E as linhas quebradas dos telhados.

Mais uns momentos
E uma bola gigantesca assoma
Numa festa viva
Que irá durar o dia inteiro.

Foi sempre assim, desde os tempos imemoriais,
Mesmo quando uma manta espessa,
Ensopada d’água,
O tolda e cega.

Agora, a terra acorda e exulta,
Mergulhada em vida,
Este mar imenso
Que a todos banha…

Berlim, 1 de Maio de 2017
5h50m
Jlmg

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Os discursos do piano

Dá gosto ouvi-lo
quando, imponente e confiante,
sobe ao púlpito.
Discursa ininterrupto,
Se adrega, durante horas,
Com a mesma alma e entusiasmo.

É dele. Fala de tudo.
Sem subterfúgios.
Vai direito aos termos.
Não escolhe as notas.

Peremptório, se impõe sózinho,
Às orquestras impantes.
Nunca se fica.
A tudo responde pronto e certo.

Dá gosto ouvi-lo falar de Rachmaninov,
Seus concertos 2 e 3.
De Chopin. De Tschaykowsky.
Beethoven e tantos mais.

Arrebatador, ninguém fica a dormir.
Se forem exactas as mãos
De quem o toca.

Adora Rubinstein, apesar da idade.
Diverte-se com o fogoso jovem, Lang Lang
E suas cabriolas,

Saboreia os toques suaves e doces
Duma Hélène Grimaud
Ou da sensual Khatia Buniatiswilli.

Fica triste quando tudo acaba,
Apesar das palmas...

ouvindo concerto nº 1 para piano de Chopin
Berlim, 1 de Maio de 2017
20h59m
Jlmg

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No cotovelo da praça

Nada passa no cotovelo da praça.
Tudo deserto.
Foram embora as barracas e os estendais.
Ficaram os paus estendidos p’lo chão.
Há papéis e garrafas plásticas vazias
Pelos cantos.

Tarda em passar o carro do lixo.
Aquelas bancadas fartas de tudo.
Fruta. Bolaria. Rolos de fazenda.
Cabides de roupa.
Pronta a vestir.
Em pano-cru ou cotim.

As albardas e arreios das alimárias.
Benfazejas.
Fazem tudo por palha seca e água na celha.
Restam ainda seus excrementos vegetais.

Voam moscas nas bancadas secas do peixe à mostra.

Há restos de cordas e amarras.
Alguns pregos presos ao chão.

E o vento louco na sua dança,
Vai varrendo as folhas
Como o diabo faz às almas
Quando entram no inferno…
Está mesmo na hora de me ir embora.

Ouvindo música de filmes
Berlim, 3 de Maio de 2017
8h49m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17299: Blogpoesia (508): "Um banho de frescura..."; "Bosque verde..." e "A voz humana", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

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