terça-feira, 30 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17408: Meu pai, meu velho, meu camarada (56): um roteiro da cidade do Mindelo: parte I [álbum fotográfico de Luís Henriques (1920-2012), natural da Lourinhã, ex-1º cabo inf, nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5 [, Caldas da Rainha], que esteve em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, entre julho de 1941 e setembro de 1943]


Foto nº 1 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > "Parada do Dia 14/8/1942. Foto Melo"...  No verso, escrito pelo punho de Luís Henriques: "Comemoração de Aljubarrota em São Vicente. Desfile de todas as tropas e viaturas. A 1ª e a 3ª companhaias do RI 5"...

[ O nosso camarada e grã-tabanqueiro Adriano Miranda Lima,. cor inf ref, natural do Mindelo, a viver em Tomar, descreve o sítio, num poste do blogue Praia de Bote,  como sendo a Rua do Coco, e chama a a atenção para o pormenor do comandandante da companhia em segundo plano, e que vem a cavalo, como era hábito ainda na época. O dia 14 de agosto é o dia da Infantaria, ]




Foto nº 2 >  Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 23/7/1941. Chegada à ilha e defile das tropas expedicionárias do RI 5. Lê-se no verso da foto:  "O senhor governador da colónia passando revista ao batalhão  expedicionário do RI  5,  acompanhado  pelo nosso comandante. Passa neste momento  [revista] à 3º companhia. Meu capitão  Martens (ou Martins ?)  Ferraz". Não tenho a certeza do sítio, talvez seja Praça Nova. O governador seria, na altura,  o capitão José Diogo Ferreira Martins.



Foto nº 3 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Rua do Coco > Legenda no verso:  "Depois da parada, o desfile das viaturas. No dia 14 de Agosto de 1942 [, Dia da Infantaria Portuguesa]. 


Foto nº 4 A > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 1942 > "Homenagem do Mindelo a Sacadura Cabral e Gago Coutinho. Cabos da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do R.I. 5. Luís Henriques" [`, último do direita, na primeira fila].


Foto nº 4  > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 1942 > "Homenagem do Mindelo a Sacadura Cabral e Gago Coutinho. Cabos da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do R.I. 5. Luís Henriques" [`, último do direita, na primeira fila]. [Há quem confunda este monumento com...  a Águia do Benfica...].




Foto nº 5 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Cabo Verde >  Legenda no verso:  "O palácio do Governador. Maio de 1942"... Ao fundo, vê-se o Monte Cara...



Foto nº 6 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Julho de 1942 > Legenda no verso; "A antiga câmara [municipal] de Mindelo que hoje é hospital de soldados. Julho de 1942.  [É hoje de novo, o edifício da Câmara Municipal do Mindelo, fica no Largo da Pracinha].




Foto nº 7 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > "Dia 14 de agosto [de 1942], data gloriosa  para a nossa gente lusa (Aljubarrota). Recordando essa data em Mindelo com o içar da bandeira nacional junto ao liceu Gil Eanes e marchando o regimento de infantaria 5 nas ruas da cidade".

É um edifício com história, hoje conhecido como Liceu Velho... A elite do Mindelo passou por aqui... O liceu Gil Eanes (antes, Infante Dom Henrique]) funcionou aqui de 1938 a 1968. A sua construção data de meados do séc. XIX. Teve vários usos, além de estabelecimento de ensino, foi quartel e correios...  É  uma  pena a foto estar muito estragada.

Expedicionário do RI 7 (Leiria), o fur mil Manuel Ferreira (1917-1992), futuro capitão SGE e escritor, aqui conheceu aquela que virá a ser a sua muher e mãe dos seus filhos, também ela escritora, notável contista, Orlanda Amarílis (1924-2014). Ambos frequentavam este liceu. Orlanda era colega de turma do Amílcar Cabral (1924--1973) ... Manuel Ferreira acabou por ficar seis anos no Mindelo (1941-1947) e ser um dos cofundadotes e animadores da  revista  literária "Certeza" (1944), de vida efémera mas com impacto na vida cultural da ilha.




Foto nº 8 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Largo da Pracinha > Não é a igreja de S. Vicente, como vem no verso. mas sim a igreja paroquial  de N. Sra. da Luz. À esquerda, a Casa do Leão, na época uma importante casa comercial. Edifício hoje classificado e recuperado,

A igreja data de meados do séc. XIX, remodelada em 1927.  A Casa Leão, por sua vez, era um dos históricos estabelecimentos comerciais da cidade do Mindelo. Decretou falência em 2011, encerrou definitivamente as suas portas no fim desse ano,  Tinha cerca de 70 anos de existência. À à direita da Casa Leão, fica o edifício da Câmara Municipal (foto nº 6).  Li algures que foi aqui que nasceu a cidade do Mindelo...

Fotos (e legendas): © Luís Henriques (1920-2014) / Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Fotos do álbum de Luís Henriques (1920-2012), natural da Lourinhã, ex-1º cabo at inf, nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5 [, Caldas da Rainha], que esteve em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, Mindelo, no Lazareto, entre julho de 1941 e setembro de 1943, em missão de soberania; este e outros batalhões, num total de mais de 3300 homnes,  foram entretanto integrados mais tarde no RI 23]. (*)

[Foto à direita, Luís Henriques > 19 de agosto de 1942 > "No dia em que fiz 22 anos, em S. Vicente, C. Verde. 19/8/1942. Luís Henriques ".]

Tal como os pais de vários camaradas nossos, membros da nossa Tabanca Grande  (Hélder Sousa, Augusto Silva Santos, Luís Dias...) (**),  o meu também foi mobilizado para Cabo Verde na II Guerra Mundial: esteve na Ilha de São Vicente, na cidade do Mindelo, de 23 de julho de 1941 a (?) de setembro de 1943.

Ao todo, foram 26 meses "a comer pó". recorda ele, sempre com  "morabeza".... Esteve aquartelado no Lazareto, a oeste da cidade do Mindelo (cidade, na época, mais importante que a Praia, capital político-administrativa do arquipélago, na Ilha de Santiago). Lembra-se de, ao regressar à sua terra, Lourinhã, a primeira coisa que quis comer foram uvas...

Mas a peluda só veio, oficialmente, em janeiro de 1944. O mundo inteiro vivia o pesadelo e a tragédia da II Guerra Mundial... E Portugal tinha milhares e milhares de homens espalhados pelos diversos territórios do seu Império, incluindo as estratégicas ilhas adjacentes, da Madeira e dos Açores.

Das colónias africanas, o arquipélago de Cabo Verde era o território que ficava mais perto da Europa e do teatro de operações do Atlântico Norte... Pelo seu posicionamento geoestratégico, e sua importância aeronaval, esteve na mira tanto dos Aliados como das potências do Eixo...(Os submarinos alemães movimentavam-se com um certo à vontade por aquelas águas; e os italianos também se sentima "em casa"...).


Luís Henriques (1920-2012)

"No dia em, que fiz 22 anos tirei esta fotografia
em Mindelo:  encerra as minhas vinte e duas
primaveras felizes.  Senti neste dia  muitas 
saudades dos meus,  dos amigos e também da minha 
terra. Luís, em 19/8/1942, S. Vicente, Cabo Verde" .
(Foto: impressa em papel Ferrania)
2. Do Mindelo, o meu pai lembrava-se de pessoas e lugares: por exemplo, o seu 'impedido', o Joãozinho, com quem repartia o rancho, e que morreu, de doença, quando ele próprio estava internado no hospital,  durante 4 meses, com "problemas de pulmões" no 2º e 4º  trimestre de 1943)... 

Lembrava-se do Monte Cara, do Lazareto, da praia da Matiota, de São João da Ribeira, do Calhau, do Monte Sossego... Sei que nunca foi à Baía das Gatas, por exemplo (hoje conhecida por ser uma estância de turismo e pelo seu famoso festival de música)... nem nunca explorou muito bem o lado meridional da ilha... (Bastavam-lhe os longos e penosos exercícios físicos e marchas que faziam no interior da ilha, para se manterem em forma, mataremo tédio, esquecerem a fome, a sede e a saudade)...

Lembrava-se, além disso, dos nomes (e até dos números ) de alguns camaradas... Lembrava-se dos nomes e de alguns histórias dos seus oficiais (alguns, bem prussianos, militaristas, germanófilos, de acordo com  figurino da época, um deles herói da Guerra de Espanha, "com as pernas todas furadas por balas"!...).

Lembrava-se até dos resultados dos renhidos torneios de futebol e de voleibol que se realizavam no Lazareto, entre tropas de diferentes subunidades... Claro, lembrava-se das praias e dos tubarões, dos navios, e até dos espiões (que lá também os havia, como em Lisboa)... E chegada de qualquer navio era uma festa, tanto para os expedicionários como para os naturais da ilha...

Ia a missa aos domingos. E tinha uma menina, uma "Bia", que gostava dele, encontravam-se na igreja de N.Sra. Luz... Tinha o bom hábito de ler. Tinha uma bela caligrafia.  Fez a 4ª classe com 9 anos, e começou logo trabalhar. Era bom em números... Escreveu centenas e centenas, senão mesmo alguns milhares, de cartas, em nome daqueles que na época (e eram muitos...) não sabiam ler e escrever... Escrevia uma média de 20 e tal cartas por semana...

Muitas vezes eram os próprios putos cabo-verdianos, engraxadores de rua, escolarizados, alguns estudantes do liceu Gil Eanes (o único que havia nas ilhas, e cujo reitor era um professor goês, culto...) que liam as cartas recebidas pelos expedicionários, metropolitanos, analfabetos... Que triste ironia!... Para mais numa época de pavorosa seca e epidemia de fome que roubou a vida a dezenas de milhares de cabo-verdianos... Apesar de menos sentida na ilha de São Vicente do que nas outras ilhas, a fome foi também aqui mitigada graças à solidariedade dos nossos "velhos, pais e camaradas"...

Mas, fantástico, os ex-expedicionários de Cabo Verde desta época continuaram a encontrar-se durante muitos e muitos anos, até à década de 1990... O meu velhote costumava ir aos encontros do 1º Batalhão do RI 5, nas Caldas da Raínha... até que as pernas começarem a falhar e a maior parte deles, dos seus camaradas, acabou por morrer. O mesmo se passava com os outros regimentos: RI 7 (Leiria), RI (11 (Setúbal), RI 15 (Tomar)... Cabo Verde ficou-lhes no coração para sempre...

Os raros sobreviventes dessa geração  terão hoje 96/97 anos... É uma pena que as  memórias desta geração desapareçam com a morte física dos nossos pais... Todos eles trouxeram consigo algumas lembranças da ilha, e nomeadamente fotografias do célebre Foto Melo... Estas pequenas histórias fazem parte da história comum de Portugal e Cabo Verde...(LG)
______________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 26 de maio de  2017 > Guiné 61/74 - P17397: Meu pai, meu velho, meu camarada (55): Artilharia de defesa de costa e antiaérea no Mindelo, na II Guerra Mundial: fotos do álbum fotográfico de Luís Henriques (1920-2012), natural da Lourinhã, ex-1º cabo at inf, nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5 [, Caldas da Rainha], que esteve em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, entre julho de 1941 e setembro de 1943

(**) Vd. postes de:





2 comentários:

Adriano Miranda Lima disse...

Embora algo tardio, só para informar de que a rua em que o BI 5 está formado e o governador lhe passa revista é a rua onde ficava o antigo Telégrafo Inglês e que é a mesma onde se localizava a Administração do concelho. Essa rua conduz à Praça Nova. Presto esta informação por o Luís Graça ter deixado subentendida a pergunta.

Adriano Miranda Lima disse...

Embora algo tardio, só para informar de que a rua em que o BI 5 está formado e o governador lhe passa revista é a rua onde ficava o antigo Telégrafo Inglês e que é a mesma onde se localizava a Administração do concelho. Essa rua conduz à Praça Nova. Presto esta informação por o Luís Graça ter deixado subentendida a pergunta.