segunda-feira, 12 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17457: Notas de leitura (967): Honório Pereira Barreto (Notas para uma biografia), por Joaquim Duarte Silva (Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,
É bem verdade que quem muito procura sempre alcança. De há muito que andava a vasculhar em prateleiras e caixotes a ver se encontrava este documento, singelo mas de uma enternecida admiração pelo pai fundador do território da Guiné. Nele vem a imagem do seu túmulo em Bissau, desconheço como ele é tratado e sentido pelos guineenses, por acasos interpretativos do anticolonialismo, enviesadamente Honório Pereira Barreto foi tratado e exprobado como agente de colonialismo, coisa mais tola não pode ser dita por quem olha para a História como um retrato do momento, ignorando as mentalidades e o sentido do amor pátrio. Tenho para mim que a República da Guiné-Bissau teria tudo a ganhar no preito a este político admirável que comprou do seu bolso território e foi um político desinteressado, sempre a fustigar os mandriões e corruptos.
Para que conste.

Um abraço do
Mário


Honório Pereira Barreto, por Joaquim Duarte Silva

Beja Santos

Creio tratar-se da primeira biografia do notável político guineense. Surgiu na Coleção pelo Império em 1939, editada pela Agência Geral das Colónias. Não vale a pena aqui repetir-se o que tem sido amplamente difundido sobre o retrato do ilustre político guineense, usando o texto de Joaquim Duarte Silva retomemos a argumentação brilhante deste esforçado que quis defender intransigentemente a Senegâmbia com que ele sonhou. Primeiro, a exortação a favor de Ziguinchor, logo na sua primeira passagem pelo governo da Guiné. Por política enviesada de Lisboa, a Convenção de 12 de Maio de 1886 ofereceu de mão beijada o antifo presídio e toda a margem esquerda do Rio Casamansa e toda uma larga faixa de terreno situado a um Norte do paralelo do Cabo Roxo aos franceses. Vejamos o que ele escreveu:
“Os franceses, em Abril de 1837, não atendendo ao protesto que, segundo minhas instruções, fez o comandante de Ziguinchor, passaram este presídio e foram comprar terrenos aos Mandingas de Sejo, para fundar uma feitoria. Eu, que era governador destas possessões, oficiei ao governador de Gorêa, queixando-me de tal procedimento, e declarando muito positivamente que jamais reconheceria aquele estabelecimento, que fora feito por meio da força; e dirigi-me ao governador da Gâmbia, confiando no Tratado de 1661, um navio de guerra para a ir a Casamansa fazer valer os direitos de Portugal. O governador de Senegal, respondendo ao ofício que eu enviei ao governador de Gorêa, me disse que aquela feitoria fora colocada por ordem do governo francês e baseada nos tratados celebrados entre Portugal, França e Inglaterra; e o governador da Gâmbia me escreveu asseverando-me que não podia anuir ao meu pedido, sem ordem expressa do seu governo. Vendo eu que nada podia fazer, porque só tinha à minha disposição um mal lanchão de governo, remeti ao governador-geral toda a correspondência que houve a este respeito, e ele a transmitiu à Corte; e até agora nenhum resultado tem havido, e creio que nunca o haverá.

. . . . . . . . . . .

Tenho passado pelo desgosto de ver invalidar (ainda que indiretamente, mas com bastante clareza), o protesto que eu então fiz em nome da Rainha e da Nação; pois aos meus sucessores tem ordenado aos comandantes de Cacheu e de Ziguinchor que oficiem ao oficial francês, que está no Sejo, dando-lhe o título de comandante do Estabelecimento francês em Sejo; este título importa virtualmente, a meu ver, o reconhecimento da legalidade daquela usurpada feitoria.
Desde o dia em que li o discurso de um senhor deputado, cujo nome me não lembra “por que não merece ser lembrado pelos habitantes destas possessões”, em que dizia que as câmaras não se deviam ocupar do negócio de Casamansa, por ser um nome bárbaro, e que não vi os ministros levantarem-se como uma só pessoa para combater tais expressões, desde esse dia fiquei persuadido que os estrangeiros podiam, quando quisessem, roubar as nossas possessões; e que os habitantes de Ziguinchor, sendo-lhes impossível sustentar a concorrência nos mercados gentios, ver-se-iam obrigados a abandonar o presídio que têm defendido com o seu sangue e dinheiro. Eis o prémio daqueles que prestam serviços relevantes nestas possessões!”.

E escreve Joaquim Duarte Silva:
“Esta questão de Casamansa perdemo-la por não terem sido fornecidos ás autoridades da Guiné os meios indispensáveis para a execução das patrióticas determinações de Sá da Bandeira. Perdemo-la por indiferença da Metrópole, por não terem sido estudados convenientemente os nossos direitos e por não termos tomado em face da França a mesma atitude decidida e enérgica que, poucos anos depois tomámos em face da Inglaterra e nos evitou a perda da Ilha de Bolama”.

Ratifica a nossa soberania em Bolama. A 25 de Dezembro de 1837 assinou com o régulo Ondontô, de Bissau, um acordo que equivale a um auto de vassalagem e em Novembro do ano seguinte comprou ao referido régulo o Ilhéu do Rei e parte do Rio de Bissau. Escreve então ao Governador-Geral de Cabo-Verde, Brigadeiro Marinho, uma carta memorável:
“Tenho a glória de incluir juntos dois autos da compra do Ilhéu denominado do Rei, fronteira a esta praça, e de parte do rio pertencente ao Rei. Eu excedi as ordens de V. Ex.ª, porém com vantagem para a Nação; incluía também na compra a parte do rio pertencente ao Rei de Bissau, para estorvar a entrada dos franceses por ele dentro. Tendo dado conta da minha melindrosa comissão, está acabada a condição com que continuei neste governo, e, portanto, está a chegar o tempo de V. Ex.ª cumprir a sua palavra de honra, dando-me minha demissão”.
Honório Pereira Barreto desembolsara 440 mil réis fortes nas aquisições e ofereceu-as ao Estado. Tempos depois, Barreto voltou a instar pela sua exoneração, assim escrevendo:
“V. Ex.ª muito bem sabe que eu aceitei o posto de Tenente-Coronel, Comandante do Batalhão de Voluntários Caçadores Africanos e o cargo do Governador Civil e Militar de Bissau com a expressa condição de servir enquanto V. Ex.ª governasse esta província: no exercício do meu cargo fiz todos os serviços que podia só em atenção a V. Ex.ª, porque quando uma província é governada por um homem como V. Ex.ª todos os cidadãos devem ajudá-lo; cedi metade do meu ordenado além dos oferecimentos pecuniários de que tenho dado participações a V. Ex.ª; ao menos despertei o zelo e atividade dos governadores daquelas possessões até agora dormentes, e os meus sucessores devem decerto acabar a obra que me glorio ter começado”.

Barreto vai ainda confrontar-se seriamente com o Tenente da Marinha de Guerra inglesa Arthur Kellet, Comandante do Brigue Brisk, e deixa nova prosa memorável:
“O comandante do Brigue Brisk, desembarcado nesta ilha (Bolama) foi, junto com 19 marinheiros pelo mato dentro e aí tomou uma porção de escravos que se ocupavam na lavoura, e depois à força de pancadas fizeram embarcar outros que estavam dentro da casa do Major Nosolini, querendo levar até gente livre, e dirigindo-se ao ponto onde estava o destacamento militar desta ilha cortaram com machados o mastro da bandeira, e chegaram ao ponto de tirarem a bandeira portuguesa das mãos de um soldado nosso, cuspindo nela e metendo-a depois dentro de uma caixa de vinho, a levaram para bordo, ação esta nunca vista entre nações civilizadas. Exijo de V. Ex.ª uma satisfação completa, sem a qual ficará a dúvida a equidade da vossa nação" (Ele dirige-se ao comandante da colónia inglesa da Serra Leoa).

Seguir-se-á a peça fundamental de Honório Pereira Barreto, o opúsculo publicado em 1843 intitulado "Memória sobre o estado atual da Senegâmbia Portuguesa, causas da sua decadência e meios de a fazer prosperar” que noutro texto aqui nos mereceu largo desenvolvimento(*). Um dado secundário: nunca quis fotografar-se, dizendo: “Sou muito feio e não quero que mais tarde as senhoras da minha família metam medo aos filhinhos, apontando-lhes o meu retrato”.


Os anos passam e continuo sem entender como é que em 2016 a Guiné-Bissau ainda não recuperou aquele que, de acordo com a regras do patriotismo do seu tempo ofereceu à República independente as suas fronteiras.
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Notas do editor

(*) - Vd. poste de 5 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14118: Notas de leitura (665): “Memória sobre o estado atual da Senegâmbia portuguesa, causas da sua decadência e meios de a fazer prosperar”, por Honório Pereira Barreto (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 9 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17449: Notas de leitura (966): Anuário da Província da Guiné, ano de 1925 - Um documento histórico incontornável (2) (Beja Santos)

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