segunda-feira, 19 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17487: Notas de leitura (970): “A Colonização Portuguesa da Guiné 1880-1960”, por João Freire, 2016, edição da Comissão Cultural da Marinha (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Junho de 2017:

Queridos amigos,
A investigação de João Freire introduz olhares refrescados sobre uma ocupação colonial em que a Marinha aparece no seu desempenho determinante, ao lado do Exército. Acresce que os oficiais da Marinha tiveram desde a primeira hora, a partir de 1879, papéis relevantíssimos na governação, nas chefias militares, na ciência e na cultura. Basta recordar o nome de Avelino Teixeira da Mota associado ao Boletim Cultural da Guiné Portuguesa e de Manuel Pereira Crespo indissociável da missão geoidrográfica que revolucionou os conhecimentos, de tal sorte que as melhores cartas geográficas têm por base o seu trabalho.
João Freire investigou 80 anos e deixa um comentário final que merece ser refletido: "A colonização portuguesa na Guiné pouco podia vangloriar-se do papel que desempenhara na modernização do território, em comparação com colónias vizinhas. Mas os governos de Portugal também não podiam ser acusados de ter lucrado diretamente da exploração colonial, cujo benefício se terá distribuído e disseminado ao longo do tempo entre os maiores agentes de negócio e os pequenos beneficiários locais da soberania portuguesa. Aos portugueses sobrava-lhes o resultado de terem contribuído poderosamente para a construção de uma identidade nacional guineense. Contudo, a estratégia oficial de "cabo-verdianização" da administração pública e as "táticas de africanização" das guerras que os portugueses travaram também contribuíram para cavar mais fundo as clivagens interétnicas existentes nos povos da Guiné".

Um abraço do
Mário


A colonização portuguesa da Guiné, 1880-1960, por João Freire (2)

Beja Santos

“A Colonização Portuguesa da Guiné 1880-1960”, por João Freire, 2016, edição da Comissão Cultural da Marinha, foi uma das edições preeminentes do ano transato, no que tange à investigação guineense no período colonial. João Freire manipula expeditamente a heurística e a hermenêutica, por cada capítulo abordado tece conclusões, assume responsabilidades interpretativas, nunca deixa o leitor à deriva ou no território das especulações. É uma viagem cronológica onde os assuntos da Marinha colonial têm peso preponderante.

Falando sobre o contexto das sistemáticas revoltas nativas e a questão da imposição da soberania, João Freire não deixa de sublinhar que na generalidade a máquina administrativa na Guiné era de péssima qualidade, em que os deportados punham as suas competências ao serviço do que o governador lhes quisesse oferecer; a Guiné foi uma colónia “sem colonizadores”, se se referirem portugueses pobres que ali tivessem ido tentar a sua sorte e se tivessem espalhado e fixado em diversas áreas do território. A presença dos brancos limitou-se quase sempre aos comerciantes instalados nas povoações mais antigas e consumidoras. Abreviando, o estado das relações entre portugueses e guineenses por meados do século XIX encontrava-se mais nas mãos de alguns poucos negociantes de que propriamente nas mãos do Estado. Recorde-se que a partir de 1842 a Inglaterra interditou o tráfico e o transporte de escravos nos mares, mas este continuou por mais umas décadas.

Tem interesse em reproduzir a argumentação aduzida pelo autor:  
“A aceitação pelos povos indígenas do comércio de brancos forneciam uma base comum de interesses que aqueles cabo-verdianos lusitanos aproveitaram para arrematar terras e aí plantar, se não a soberania, pelo menos a influência determinante de um arremedo de administração portuguesa. E ela fixou-se simbolicamente através de instrumentos para-diplomáticos talvez mais diversos do que em qualquer outra colonização portuguesa em África. Em lugar dos tratados de vassalagem, habituais em Angola e Moçambique, documentos pelos quais o chefe tribal se comprometia a içar a bandeira portuguesa, deixar cobrar o imposto de palhota, permitir o comércio dos brancos e o seu trânsito de pagamento de portagens, recrutar ‘homens de guerra’ e ‘homens de trabalho’ por troca com uns presentes simbólicos com o rei de Portugal e a manutenção do essencial das suas funções de líder tradicional da sua comunidade, encontramos na Guiné uma maior variedade de termos e de conteúdos destes vínculos de regulação internacional”.

A força do Exército foi sempre escassa e, no essencial, recrutada fora do território. O que não surpreende, havia manifesta relutância em praticamente todas as etnias em deixarem-se disciplinar militarmente, e à cautela os governantes portugueses usavam-nas na manutenção da ordem, contingentes constituídos por soldados africanos expatriados, mestiços cabo-verdianos e até expedicionários vindos da metrópole. As forças da polícia local só surgiram muito tardiamente.

João Freire repertoria as revoltas antes de 1880 e enfatiza o trauma em que depois da rebelião nortenha no Jufunco, em 1878, acarretou o chamado Massacre de Bolor, que levou à separação da Guiné da província de Cabo Verde. Entre 1842 e 1878 ocorreram três grandes levantamentos com operações que envolveram forças expedicionárias. De um modo geral, tudo acabava em soluções de compromisso, de uma enorme precariedade. Passando para o período de 1880 a 1891, refere a intervenção dos primeiros governadores que tiveram de intervir nos Bijagós, junto dos Papéis de Antula, em Buba, no Forreá, este acontecimento levou René Pélissier à consideração de que foi a partir daqui que se deu o arranque real da conquista portuguesa da Guiné; mas também se combateu em Jabadá, por terras dos Fulas-Forros situadas entre os rios Cumbijã e Corubal, etc. O autor não perde a oportunidade para relevar a estreita cooperação entre a Marinha e as tropas no terreno. Regista situações de insubordinação ou descontrolo, detalha os acontecimentos à volta do chamado “desastre de Bissau”, 1891, elenca as intervenções navais estrangeiras. No período entre 1891 até à república, tendo em conta os acontecimentos do Ultimato e as mudanças que abalaram o então Ministério da Marinha Ultramar, toma-se a decisão da “ocupação efetiva” dos territórios coloniais. Logo em 1892, o Capitão Sousa Lage lança-se no concelho de Geba contra os Fulas Pretos do régulo Mali Boiá, e no ano seguinte terá lugar a terceira guerra de Bissau, a paz é sempre precária, há governadores (caso de Júdice Bicker) que vão à frente das tropas (Bicker desembarca em Farim e, entre Março e Maio de 1902) resolve com sucesso a segunda campanha do Oio, na qual ele próprio é ferido e que lhe valeu a medalha de ouro do Valor Militar.

É um longo capítulo em que o leitor acompanha sistematicamente as diferentes campanhas, caso daquelas em que Oliveira Muzanty desenvolveu nas regiões do Cuor e Badora contra os Beafadas sublevados, entre 1907 e 1908. A República deu continuidade a este tipo de campanhas que tiveram o seu ponto mais alto mas que foram desenvolvidas pelo Capitão João Teixeira Pinto que se socorreu de um aventureiro Jalofo, Abdul Indjai, que virá a ser profundamente contestado com régulo do Oio e deportado. Em 1925 terá lugar a nova campanha em Canhabaque, aí dá-se a curiosidade de ter intervindo um avião que veio bombardear vários pontos de concentração dos rebeldes Bijagós. A título de observações conclusivas, João Freire sintetiza as resistências opostas pelas diferentes etnias: na zona costeira entre as embocaduras dos rios Casamansa e Cacheu, pelos Felupes; entre os estuários dos rios Cacheu e Mansoa pelos Manjacos; na ilha de Bissau pelos Papéis, sempre em choque com as autoridades da cidade de S. José de Bissau; no arquipélago dos Bijagós, sobretudo em Canhabaque e nas explorações agrícolas que bordejavam o estuário do Rio Grande (de Buba) onde laboravam Balantas e Beafadas; em profundidade no território, a vila de Geba constituiu durante muito tempo o ponto avançado dos europeus que faziam face a Balantas e Mandingas; mais a Sul, a vila de Buba era simultaneamente o topo da “Guiné agrícola” do Rio Grande e a porta de entrada para o Forreá e mais além para o Boé.

João Freire tece minuciosas considerações sobre esta síntese refere ao detalhe as relações conflituais da governação portuguesa com os povos guineenses, pormenoriza as caraterísticas técnicas das operações militares.

A obra prossegue com o enquadramento da Guiné Portuguesa como província autónoma e dá-nos a moldura da administração colonial republicana, até 1930.

(Continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 16 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17478: Notas de leitura (969): “A Colonização Portuguesa da Guiné 1880-1960”, por João Freire, 2016, edição da Comissão Cultural da Marinha (1) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

João Freire eu não conheço mas conhecemos bastante bem o grande trabalho do resistente e incansável BS.

À parte a opinião de BS, ou de João Freire, sobre a colonização caboverdeana da Guiné, com o que temos que concordar no geral, mas não teria sido esse o processo da colonização desde o Brasil até a Goa e toda a Àfrica por onde passámos por pouco ou muito tempo?

Ou seja utilizar a prata da casa, ou seja, assimilar, preparar e compartilhar um esforço descomunal com gente do "Minho a Timor"

Como é que se podia só com meia dúzia de transmontanos beirões minhotos e algarvios, e ainda preencher a Madeira e Açores, iniciar uma globalização intercontinental?

Em 1961 em Angola, eram em geral chefes de posto e administradores e intendentes caboverdeanos, goeses, benguelenses, malanginos etc. que ensinavam a "colonizar" candidatos a chefes de posto idos do "Puto".

Se não fossem os mestiços e os assimilados tornarem-se uns grandes, enormes e dedicados portugueses, como era possível ter salvado tantas fronteiras, e não desaparecerem todas como aconteceu com as fronteiras de Goa, São João Batista de Ajudá, como o Uruguai, como o mapa-côr-de-rosa e como Olivença?

Com estudos destes um tanto negativistas como o olhar de João Freire, os Guineenses devem sentir algum "desgosto" da Pátria que herdaram de Honório e Cabral.

Os portugas é que "dividiam" para reinar, mas os franceses é que sacaram a Casamance, e vemos o resultado hoje, e trocavam com Cabedú no cú de Judas.

Nós só tinhamos que aceitar e calar.

Os outros em Berlim, Paris e Londres é que baralharam e tornaram a dar e nós, alguns portugueses, é que andamos para aqui com complexos em que nem os africanos (povo) nos atribuem tais capacidades.

Hoje os africanos (povo)até estão a pedir mais responsabilidades à Europa pela descolonização de África do que pela colonização.

Sejamos realistas e sem demagogias, em respeito aos africanos (povo).

PS. Quando falo em (povo), é para distinguir dos falecidos Mobutu, Idiamin, Bokassa, africanos já falecidos e outros bem próximos de nós aqui, que não devemos mencionar.

Cumprimentos