segunda-feira, 26 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17514: (In)citações (109): Portugal a arder - destruição, desolação e morte (Francisco Baptista, ex-Alf Mil)

Floresta Portuguesa
(Imagem editada)


1. Em mensagem de hoje, dia 26 de Junho de 2017, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), manda-nos uma reflexão sobre o assunto da actualidade, os incêndios em Portugal.


PORTUGAL A ARDER - DESTRUIÇÃO, DESOLAÇÃO E MORTE

Os grandes incêndios começaram no dia 17 de Junho, sábado, em Pedrogão Grande, e foram-se espalhando por Castanheira de Pera, Góis e Pampilhosa da Serra na zona centro do país

A nossa alma foi queimando as asas na contemplação da grande tragédia que as televisões relatavam e mostravam, que atingiu o que melhor tem a Pátria, as suas gentes, as suas árvores, arbustos, plantas, as suas florestas. E ficou a dor, uma dor amarga e negra que nos roubou a alegria dos dias claros e luminosos de Verão com a partida desta gente, tão autentica, tão próxima da vida da natureza, mulheres, homens, meninos que eram a energia, a simpatia, a alegria e o futuro, e se perderam no imenso braseiro deste desastre nacional. As plantas que na primavera despontam e cobrem a terra de verde e de flores variadas, numa sinfonia de cores que só as aves sabem cantar, os arbustos e as árvores plantadas ou semeadas pelos homens, pelos ventos ou pelas aves, que na sua quietude nos pintam em altura o olhar em tons variados, e nos dão uma sombra amiga que nos protege e refresca para além doutras dádivas mais palpáveis, arderam em grandes labaredas.

Os culpados destas tragédias anuais, este ano mais cruel pelo sacrifício e morte de tantos seres humanos, que ainda ontem falavam, riam, gritavam, cantavam choravam, liam, escreviam, dançavam, amavam, cresciam, construíam, plantavam couves, flores, batatas, tomates, vagens, pereiras, macieiras, videiras, somos nós. Os culpados destes fogos imensos que varrem os campos, somos todos nós que abandonámos os campos e fomos para as grandes cidades e deixámos alguns camponeses, poucos, a tratar do país interior cada vez mais pobre e mais desértico.

Alguns já vivem há longos anos nas grandes cidades do litoral onde a riqueza e o dinheiro fluem mais, como os grandes rios e as marés dos oceanos. Outros com muitas gerações anteriores a viver com dureza e fraco rendimento nos campos e montes do interior, estudaram pelos livros dos naturais das grandes cidades e aprenderam que o futuro da vida nos campos continuaria a ser pobre e miserável e fugiram desse destino sem futuro para outras paragens e outros litorais e as terras onde nasceram e se criaram, foram ficaram cada vez mais abandonadas.
Nesses terras do esquecimento, cada vez mais desérticas, ficaram os velhos, os simples e alguns que nascidos nelas criaram raízes tão fortes que não lhes permitiam sair.

Não se pode pedir a esses, tão poucos, que defendam a imensidão dos campos e das florestas que os rodeiam, que lhe embelezam os dias mas também os ameaçam sempre que chegam as estações quentes.

Portugal não pode ser um país de praias e de cidades monumentais do litoral, por onde os naturais e os turistas se passeiam e fotografam que esconde uma natureza negra e morta pelas calores e chamas dos Verões, cheio de cruzes a assinalar a memória dos mortos que arderam nessas fogueiras quando tentavam fugir-lhes.

Nós homens atraídos pelos mares, já numa fase adulta da humanidade, não somos filhos deles. Nós homens somos filhos da terra, dos campos, das florestas, durante milhares e milhares de anos fomos caçadores, pastores, agricultores não podemos abandonar a terra-mãe que nos gerou e nos criou.

Não basta chorar os mortos, sentir o desgosto enorme dos seus familiares e amigos, lamentar a miséria em que muitos ficaram, importa sobretudo criar um amplo movimento de solidariedade activa que nos responsabilize a todos. E porque a caridade só se manifesta em força em tempo de calamidades deviam ser tomadas medidas, acordadas por todos os políticos dos vários quadrantes, que tivessem a adesão da grande maioria dos portugueses, a fim de ser criado um fundo a nível nacional, para prevenir os incêndios pela limpeza das matas a par de outras medidas necessárias

A tarefa imensa de preservação dos campos, das suas culturas, das suas florestas, da beleza das suas paisagens é uma tarefa patriótica que deve contar com o contributo de todos os portugueses, pois os que ainda vivem no meio rural, sozinhos, não têm todos os meios necessários para esse fim.

Falo duma culpa colectiva pela passividade e sonolência das consciências ao não exigirem aos políticos dos sucessivos governos, desde há décadas, a atenção que todo o país no seu conjunto merece. Quando os problemas existem longe da nossa casa temos tendência a esquecê-los depois do desgosto e do choque inicial.

Não pretendo discutir as culpas circunstanciais do incêndio em Pedrogão Grande e nas terras próximas já que não me compete a mim nem pertence ao âmbito do nosso blogue. Essa discussão está já a ser feita pelas forças políticas e por outras entidades que têm competência para tal.

Estes grandes incêndios irromperam duma forma súbita e explosiva no dia 17 de Junho de 2017, num dia quente de fins de Primavera. Longos dias quentes tem o Verão, com muitos incêndios, oxalá não se volte a repetir um desastre semelhante.

Francisco Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17504: (In)citações (108): Incêndios florestais - Catástrofe nacional anual, até quando? (Coutinho e Lima, Coronel Art Ref)

2 comentários:

Antº Rosinha disse...

Os incêndios florestais são todos maus.
Mas nem em todos os incêndios nos podemos considerar todos culpados.
Este incêndio foi distinto de todos os outros da nossa memória, pela sua dimensão e violência.
E António Baptista bem pode afirmar que somos todos responsáveis por esta desgraça de Pedrógão Grande e Gois e centro interior.
Todos víamos os eucaliptos invasores, alguns eram incentivados a plantar esses eucaliptos desertificadores, outros cortavam esses eucaliptos para renovar novos eucaliptos, e alguém consome esses eucaliptos, vorazmente e insaciavelmente.
Naqueles lugares, "no antes" produziamos e consumíamos o azeitinho, a corticinha, o vinhinho, o triguinho loiro e as coivinhas.
"No antes" não produzíamos papel, não precisávamos papel (livros, papel higiénico), apenas precisávamos um ou outro papel selado e algum papel de embrulho.
Eramos pobrezinhos e estávamos no século passado.
"No antes" o sol não era na praia, em Junho, mês dos incêndios de Gois e Pedrógão, no país apanhava-se sol nas mondas, nas ceifas na apanha da fruta e o gado precisava de pastores a tempo inteiro, não havia espaço para grandes incêndios.
"No antes" eram poucos os bombeiros, poucas vilas tinham bombeiros.
António Baptista, pouca gente fala no principal responsável, a indústria da celulose.
É muita massa em jogo, e é poluente! Os países ricos consomem papel, mas não querem produz-lo.
Cumprimentos



Anónimo disse...



António Rosinha:

Meu amigo e camarada, sempre bem conhecedor e documentado, mas um pouco fora de tempo nesta opinião,pois tenho a dizer-te que embora tu conheças muito bem o Portugal Ultramarino e o Portugal Continental, não conheces melhor do que eu o Portugal interior, dos últimos sessenta anos, e as contingências e vicissitudes por que foi obrigado a passar em virtude das políticas nacionais e europeias. Falando somente na politica agrícola e florestal nos primeiros anos da nossa adesão à CEE foram cometidos erros atrás de erros, que ainda hoje. se podiam quantificar e qualificar e que tiveram consequências desastrosas para a agricultura. para a floresta e para a desertificação do interior. Meu amigo, sobre esse mundo , eu sei o que tua sabes, talvez até saiba mais porque vivi mais anos dentro dele, e ainda sofro muito quando os sinos, num tom aflitivo, tocam a rebate. a anunciar que há fogo e sei que já não há os homens bravos e valentes de todas as idades ( muitos já morreram, muitos já saíram à procura dum futuro melhor que lhe negaram) Esses eram os que prontamente acorriam e apagavam os incêndios, antes da chegada bombeiros. Na minha infância , adolescência e juventude, isso era normal acontecer em Brunhoso, a aldeia onde nasci e fui criado.
Sempre a considerar-te. Um abraço.
Francisco Baptista
Francisco Baptista