sexta-feira, 30 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17526: Notas de leitura (973): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (1) Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Junho de 2017:

Queridos amigos,
Não conheço na investigação da história da Guiné levantamento mais minucioso, ainda por cima para um período que não chega a 50 anos.
Um desastre militar em Bolor, no Norte da Guiné deixa os políticos de Lisboa siderados, dá-se a criação da província da Guiné Portuguesa, autónoma de Cabo Verde.

O ar do tempo é o da Conferência de Berlim, que se realizará anos depois: não há direitos históricos, quem quer ter colónias ocupa-as e administra-as. Assim se inicia numa atmosfera de turbulência, com levantamentos de diferentes etnias, a criação de uma capital em Bolama, surgem tensões graúdas com os franceses, os seus apetites não estão só no Casamansa, estão também no rio Grande.

Temos mais de 900 páginas para acompanhar as sagas ocorridas nesta sequência cronológica.

Um abraço do
Mário


A Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926, 
Por Armando Tavares da Silva (1)

Beja Santos

Dentre os mais importantes trabalhos historiográficos referentes à Guiné, é da mais elementar justiça pedir a atenção de todos os interessados para uma investigação de grande fôlego: “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016.

Que o leitor se previna: são mais de 960 páginas, uma belíssima apresentação gráfica, poder-se-á mesmo adjetivar que é inexcedível, um bom acervo fotográfico e um conjunto de mapas que facilitam a leitura de tão avultado miolo. O investigador escolheu aquele período peculiar que vai das primícias da autonomização da Guiné face a Cabo Verde até à chegada da Ditadura Nacional, correspondente na colónia a uma fase que prometia arranque económico, num quadro de uma certa pacificação, em que a administração colonial se estava a disseminar por pontos importantes no território.

O autor dá explicações para o seu trabalho: a escassez de estudos, a pretensão de dar a conhecer as razões que levaram as autoridades a empreender um conjunto de operações do foro militar que se sucederam no território durante dezenas de anos. A base principal do trabalho reside na documentação existente no Arquivo Histórico Ultramarino relativo à Guiné. Pretende igualmente o autor vincar a existência de dois grupos antagónicos que disputavam a vida económica e administrativa da Guiné.

E é na interrogação final com que termina o texto que se pretende marcar a existência de tal “problema” e, para ele, atrair a atenção do leitor. É de facto no termo do seu livro, que depois de abordar uma paz que tinha durado uns escassos 30 anos, a que se seguiria a eclosão da guerrilha que culminou na independência do Estado da Guiné-Bissau, que o autor questiona: “Seria o ressuscitar do conflito de interesses e das velhas tensões que estiveram na base das questões de Bissau de 1891, 1894 e 1915?”. A seu tempo, se procurará contestar tal questionamento, tanto no que respeita a existência dos dois grupos antagónicos como na inexistência de qualquer relação entre a guerrilha e o que se passara em poderosos conflitos havidos em Bissau, muitas décadas antes.

No capítulo introdutório, a súmula apresentada é sugestiva, tocando em aspetos essenciais: continua a não haver precisão quanto à data da chegada dos portugueses ao território do que foi a colónia da Guiné e é hoje a Guiné-Bissau; facto é que os portugueses estabeleceram relações com os potentados indígenas e que a partir da segunda metade do século XVI a presença portuguesa era um facto, ali se comerciava em concorrência com franceses, ingleses e holandeses. Os ingleses tudo tentaram para estabelecer feitorias na Guiné, privilegiaram Bolama, a colónia falhou rotundamente, o clima vitimou-os, ensaiaram continuar em Bolama houve que recorrer à sentença arbitral do Presidente dos Estados Unidos, Ulysses Grant.

Seguiram-se os franceses, nas suas cobiças no Casamansa, virão a ter sucesso nas suas pretensões na Convenção Luso-Francesa que definirá os traços essenciais da Guiné Portuguesa. E a Conferência de Berlim gerou um novo paradigma político: Portugal deixaria de se limitar a uma presença periférica, teria de conseguir uma ocupação efetiva, ter uma administração presente na colónia, cuidar do bem-estar das populações, zelar pela economia do território, pelas exportações.

 É dentro desta sequência cronológica definida pelo autor que estamos em 1878-1879, há uma visita do Governador-geral de Cabo Verde, o Ministro Thomaz Ribeiro recomenda ao Governador um plano de administração e a toma de medidas “que possam levantar aquele ubérrimo país do abatimento, do quase esquecimento em que tem jazido”.

O Governador responde com relatório, descreve detalhadamente o estado geral das fortificações de Bissau, Cacheu, Geba, Bolama, Colónia e Buba, havia os pequenos redutos de defesa em Ziguinchor, Farim, Bolor e ainda outros pontos. Sugere-se um pessoal militar à volta de um batalhão de caçadores com a força de 400 praças e uma companhia de artilharia com 100 praças europeias; havia ainda a considerar o apoio para uma força militar naval, composta de uma pequena canhoneira a vapor e três lanchões a vapor.

Em Bolor, no norte do território, tribos revoltadas tinham atacado e arrasado a população, havia incidentes no presídio de Geba e é neste contexto que ocorre em Dezembro 1878 o chamado desastre de Bolor, uma chacina que deixou os políticos de Lisboa em grande consternação, tomou-se a decisão de transformar a Guiné em província independente, o governo da província teria a sua sede na ilha de Bolama, transferiam-se de Cabo Verde para a Guiné um efetivo militar e o governo ficava autorizado a organizar uma bateria de artilharia para guarnecer as fortalezas da província da Guiné, bem como a adquirir alguns barcos de vapor.

O primeiro Governador da Guiné Portuguesa foi o Tenente-Coronel Agostinho Coelho, que toma posse em Bolama no início de Maio de 1879. É uma frase de organização do território em que a Guiné fica dividida em quatro concelhos administrados por oficiais militares, as sedes dos conselhos seriam Bolama, Bissau, Cacheu e Bolola; o concelho de Bolama compreendia a povoação denominada “Colónia”, na ilha de Orango e todos os estabelecimentos de qualquer caráter oficial que viessem a existir no arquipélago dos Bijagós; o concelho de Bissau compreendia a vila de S. José e o presídio de Geba; o concelho de Cacheu incluía a praça e os presídios de Farim e Ziguinchor e as povoações de Mata, Bolor e outras desta última dependência; o concelho de Bolola compreendia Santa Cruz de Buba e todos os mais pontos que viessem a ser ocupados no rio Grande, não se escondia haver muitos pontos ocupados e de domínio duvidoso ou mesmo não existente.

O autor reporta às forças navais no início deste primeiro governo da província da Guiné, o surgimento de problemas com forças nativas, as pretensões territoriais francesas à volta do rio Grande, a sublevação de tropas e trata, a questão da Guiné como depósito de degredados. Inicia-se a delimitação da Guiné e avançam-se medidas para tratados que permitam mais harmonia entre o colonizador e o colonizado. Enquanto decorre esta tentativa de organização do território e se procura responder às pressões francesas, encetam-se esforços para a pacificação do Forreá que culminará com um tratado de paz. Mas os problemas de pacificação estavam para durar, houve levantamento dos Beafadas de Jabadá, chegou-se a um compromisso.

Em 1881, Agostinho Coelho cede a governação a Pedro Ignácio de Gouveia.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17513: Notas de leitura (972): “A Colonização Portuguesa da Guiné 1880-1960”, por João Freire, 2016, edição da Comissão Cultural da Marinha (4) (Mário Beja Santos)

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