sexta-feira, 14 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17582: Notas de leitura (977): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (5) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Julho de 2017:

Queridos amigos,
No seu impressionante levantamento documental, o autor permite-nos o acesso a relatórios enviados aos respetivos ministros pelos governadores: diz-se a verdade para pedir mais efetivos, mais armamentos, mais dinheiro e até mais atenção às permanentes dificuldades em que vive a província.
O período em análise, 1903-1910, dá conta de insubmissões, operações bem e mal sucedidas, aqui e acolá cria-se um posto militar, mas não se ilude o que se passa um pouco por toda a parte, a operação no Cuor era vital para manter a navegação e comércio do Geba, não é possível ter bom comércio com tantos ataques a barcos, territórios fechados aos brancos, guerras étnicas dissuasoras da livre circulação. É um problema constante, um nó górdio que só será cortado com as campanhas do capitão João Teixeira Pinto.

Um abraço do
Mário


A presença portuguesa na Guiné: história política e militar 1878-1926, 
Por Armando Tavares da Silva (5)

Beja Santos

O impressionante levantamento documental plasmado na obra “a Presença Portuguesa na Guiné, Histórica Política e Militar, 1878-1926”, por Armando Tavares da Silva, Caminhos Romanos, 2016, não pode deixar indiferente quem quer que seja que se dedique ou pretenda saber mais sobre a história da Guiné Portuguesa, uma colónia que teve uma génese nebulosa em meados do século XV, numa região também de caráter híbrido, a Grande Senegâmbia, que viveu séculos como entreposto de escravos, um lugar de praças e presídios. A Conferência de Berlim, a Convenção Luso-Francesa de 1886, e previamente a desafetação da Guiné de Cabo Verde, obrigaram o governo de Lisboa a tomar medidas relacionadas com uma gradual ocupação efetiva, a submissão dos diferentes régulos à soberania portuguesa, à organização da administração, a planos de desenvolvimento.

De tudo o que o autor nos refere deste impressionante levantamento entre 1878 e até ao princípio do século é de que a presença portuguesa procura afirmar-se, mas sempre precariamente, os efetivos são mínimos, os tratados de paz rasgados a qualquer momento por quem os assina, à volta de Bissau, no Sul, no Forreá, em Farim. Há salteadores ou homens de guerra que vêm do que é hoje o Senegal ou a Guiné Conacri, geram tumultos, sequestram, incendeiam povoações, roubam. Nem sempre a administração tem possibilidades de dar luta, muito menos de pôr cobro. Surgem figuras no governo com têmpera, caso de Pedro Ignacio de Gouveia, há militares valorosos que depois darão um piparote nos atos de bravura cometidos. Enfim, uma história permanentemente acidentada.

Estamos em 1903, o Governador Soveral Martins sucedeu a Júdice Biker. Parece polarizado pela chamada questão indígena: o Oio parece um verdadeiro estado livre, por ali não pode passar um comerciante europeu, considera que a ocupação do Oio é o maior passo para o domínio efetivo da província; informa o ministro de que a situação é verdadeiramente precária: os vários reinos de Bissau não pagam imposto e é vulgar haver assaltos a embarcações; não se pode sair da apertada cintura de muralhas da praça de Bissau; os Balantas viviam em perfeito estado selvagem, enumera outros povos como os Beafadas, os Fulas e os Grumetes, e adianta o seguinte juízo:  
“Sei muitíssimo bem que o país reage contra o estado de guerra quase permanente que tem há anos mantido nas colónias; sei que os recursos não abundam e que é um patriótico dever evitar tudo quanto possa perturbar a difícil marcha dos nossos negócios; também sei que a fadiga produzida pelas guerras africanas faz sempre, embora injustamente, prever pruridos de glória adquirida em façanhas que, quando não fundamentadas, são uma mentira ao país e portanto uma torpeza”.
É um impressionante documento como registo daquela Guiné do princípio do século. O governador faz propostas, o ministro não responde. Teremos uma nova operação contra o gentio do Churo, descrita minuciosamente. Soveral Martins será exonerado em Outubro de 1904, altura em que retomam os trabalhos de delimitação da fronteira Norte pela missão conjunta Luso-Francesa. Oliveira Muzanty estará presente.

No final do ano é nomeado novo governador, o capitão Carlos d’Almeida Pessanha. Tem logo que se pronunciar sobre o regime de concessões de terrenos no Ultramar, um pedido fora apresentado pela Companhia Francesa da África Ocidental. O imposto de palhota torna-se uma prática corrente, parece que se restabeleceu o comércio no Oio, há desacatos na Costa de Baixo, região Manjaca. Pela primeira vez, no trabalho de Armando Tavares da Silva, vem referência a Abdul Indjai, que se fizera notório pelos seus excessos na região do Oio, nas suas operações roubava e matava os indígenas, é deportado para S. Tomé. Quando o Príncipe Real D. Luiz Filipe visitar S. Tomé, Abdul Indjai regressará à Guiné em finais de 1907, será auxiliar de Oliveira Muzanty nas campanhas de Badora e Cuor, será régulo do Cuor onde se notabilizará por extorsões e crimes de vária ordem. O 1.º Tenente da Armada Oliveira Muzanty sucederá Almeida Pessanha, em 1906. Vem preocupado com a reorganização militar e administrativa. Continuam os incidentes com Graça Falcão, acabará por ser expulso. Devido a um incidente praticado por Infali Soncó, régulo do Cuor, e as ameaças que pendem sobre a navegação do Geba, prepara-se na resposta. Envia um relatório ao ministro onde lhe dá conta de que é necessário fazer para uma soberania efetiva, pede centenas de praças europeias, meios navais, mostra-se profundamente crítico das práticas dos comerciantes, di-lo sem tibiezas: “Convém a todos […] o manterem as suas relações com os indígenas e conservá-los o mais possível afastados das autoridades para os explorarem à vontade"; e o seu relatório adianta as operações militares que pretende fazer. É um período em que o governador pede com firmeza a Lisboa que deixem de enviar mais vadios, era situação insustentável. Ocorre uma revolta em Badora, o régulo Boncó aliara-se ao régulo do Cuor para invadir o Xime, invasão que não será bem-sucedida. O dado militar mais saliente da governação Muzanty serão as operações em Geba, nunca se vira tanto branco, nunca se investira tanto para bater Infali Soncó, a operação está altamente documentada e até se possui um álbum fotográfico com muitíssimo interesse, para marcar efetiva presença decide-se criar no Cuor o posto de Caranquecunda, ficam ali inicialmente os macuas de Moçambique. Mas há novas operações em Varela, em Quínara, em Bissau. O caso Graça Falcão continua a dar que falar.

Oliveira Muzanty segue para Lisboa, fica encarregado do governo o Secretário-Geral Duarte Guimarães. Dá conta ao ministro da situação: Quínara ocupada por Beafadas, estava insubmissa; considera Abdul Indjai um mau elemento, comandante de bandidos; no Xime estava o famigerado Abdulai; o Oio não pagava imposto; a região dos Balantas também não pagava imposto, na circunscrição de Cacheu a insubmissão era quase completa. Prosseguem operações em terras dos Balantas, na região de Porto Gole. Os comerciantes estrangeiros não andam nada felizes com os assaltos, as operações, as retaliações, pedem indemnizações. No final de 1908 Muzanty regressa à Guiné, é presença de pouca dura. Começa a vincar-se na administração a fórmula colonial de dividir para reinar, ganham clareza as alianças com etnias islamizadas que estão prontas a enfrentar os animistas. Abdul Indjai não esconde a sua arrogância, mas contam com ele para garantir a presença no posto militar de Porto Gole. O autor descreve as causas da revolta na região Balanta do rio Geba.

Em meados de 1909 temos novo governador, Francelino Pimentel. Recebe uma missão do Oio, vinham pedir a paz, reaparece Infali Soncó, também quer perdão. Houve incidente fronteiriço na circunscrição de Cacine, cria-se um posto militar em Bissorã. Começa o recrutamento de indígenas. Cai a monarquia e a 6 de Outubro de 1910 Francelino Pimentel pede a sua exoneração não se esquecendo de dizer que “como português desejo o bem da minha pátria que sempre hei de servir”.

Chega o primeiro governador republicano, Carlos Pereira. Ficará conhecido por ter mandado derrubar as muralhas que cercavam Bissau, dava-se assim sinal que acabara o medo de ataques das etnias circundantes.

(Continua)
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Nota do editor

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