sábado, 15 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17585: Historiografia da presença portuguesa em África (80): Uma peça de ourivesaria a exaltar o paternalismo colonialista (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Julho de 2017:

Uma peça de ourivesaria a exaltar o paternalismo colonialista

Beja Santos

A remexer num caixote de velharias numa loja de antiguidades, livros de bibliófilos, de estampas e mesmo de objetos bizarros, encontrei um documento intitulado “Algumas peças executadas por Leitão & Irmão, Antigos Joalheiros da Coroa”, o proprietário deixou nome na primeira página: Conde de Castro e Solla, lá dentro de verificará que o conde acompanhou o General Sá Carneiro a Berlim para entregar uma espada de honra oferecida pelo rei D. Luís ao Imperador Guilherme, no seu nonagésimo aniversário. O catálogo tem as armas do conde e diz que o valor em 1935 do documento era de 50 escudos. O que aqui se encontra são magníficos trabalhos de ourivesaria, encomendas da Casa Real, sobretudo, mas também encomendas como aquela em que mais demoradamente me detenho: a placa de prata oferecida ao Príncipe D. Luís Filipe pela Companhia do Caminho-de-Ferro do Lobito. Vejamos a descrição:
“Esta placa é uma obra de arte, executada nas oficinas dos joalheiros da coroa. Mede 42x33 centímetros, sendo de forma elegante, e representando uma paisagem africana, nas margens do Catumbela, vendo-se ao fundo a ponte de D. Luís Filipe onde uma locomotiva vai prestes a passá-la. No primeiro plano um engenheiro, sentado numa pedra, desdobra sobre um joelho um mapa de África e nele indica o lugar onde passa a ponte, a um africano que está a seus pés. Decoração de palmeiras contornam os lados da placa e o escudo de armas reais, de ouro, remata a parte superior”.

A ponte foi inaugurada em 21 de Março de 1905, a lembrança foi oferecida ao Príncipe Real em Agosto de 1907. Quem executou o trabalho foi um artista de nomeada, João da Silva.

O que impressiona neste trabalho de ourivesaria é a patente ideologia do colonizador mostrar a civilização ao africano em estado selvagem, como se dissesse: vê o progresso que trouxemos a estas selvas, este caminho-de-ferro vai espalhar riquezas, criando outras. Olha bem o mapa e vê como se atravessa o rio sem precisão das canoas. Esta ideologia, vale a pena enfatizar, era extremamente comum no tempo, era uma das pedras angulares da chamada missão civilizadora, revelar os benefícios da ocupação do território retirando o africano à vida selvagem.

E medite-se no contraste entre esta peça de arte e as exposições coloniais em que se traziam, africanos mostrando-os tal qual eles viviam, será assim no Porto, em 1934, onde preponderam os guineenses, na Exposição do Parque Eduardo VII, em 1937, e na Exposição do Mundo Português, em 1940, aí o significado das exibições introduzia elementos novos: vê com os teus olhos, ó branco, o que há no fundo das Áfricas, ufana-te com os rincões do teu império, Portugal não é um país pequeno (Henrique Galvão o disse, em 1934), tornou-se mensagem chave quando a guerra de África ganhou dimensão irreversível, vê lá se tens orgulho em seres muito maior do que muitos pensam.
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17468: Historiografia da presença portuguesa em África (79): Carta da Guiné com o itinerário da viagem do subsecretário de Estado das Colónias em fevereiro de 1947 e obras do V Centenário

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