sábado, 5 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17651: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXIV Parte: Cap XIV - Revolta e dor pela morte do fur mil Humberto, já no final da comissão


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, os "Lassas" (1965/67)  > O Mário Fitas e o Humberto Gonçalves Vaz (de óculos escuros), que morre na Op Teste, já na fase final da comissão em Cufar, em 24/2/1966. Furriel mil vagomestre, era natural de Viana do Castelo.

Foto: © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Do mesmo autor já aqui publicámos, em 2008, em dez postes, o seu fascinante livro "Pami N Dondo, a guerrilheira", ed. de autor, Estoril, 2005, 112 pp.

Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. [Foto em baixo, à direita, Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais, março de 2016]


Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XXIV Parte > Cap XIV (pp. 83-87)

por Mário Vicente  

 Sinopse:

(i) faz a instrução militar em Tavira (CISMI) e Elvas (BC 8),

(ii) tira o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na
Guerra");

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:
(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix) início da atividade, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia):

(xi) a malta da CCAÇ 763 passa a ser conhecida por "Lassas", alcunha pejorativa dada pelo IN;

(xii) aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandante militar, pelo "ronco" da Op Saturno;

(xiii) chega a Cufar o "periquito" fur mil Reis, que é devidamente praxado;

(xiv) as primeiras minas, as operações Satan, Trovão e Vindima; recordações do avô materno;

(xv) "Vagabundo" passa a ser conhecido por "Mamadu"; primeira baixa mortal dos Lassas, o sold at inf Marinho: um T6 é atingido por fogo IN, na op Retormo, em setembro de 1965;

(xvi) a lavadeira Miriam, fula, uma das mulheres do srgt de milícias, quer fazer "conversa giro" com o "Vagabundo" e ter um filho dele;

(xvii) depois de umas férias (... em Bissau), Mamadu regressa a Cufar e á atividade operacional: tem em Catió, um inesperado encontro com o carismático capelão Monteiro Gama...

(xviii) Op Tesoura: dezembro de 1965, tomada de assalto a tabanca de Cadique, cujas moranças são depois destruídas com granadas incendiárias.

(xix) Cecília Supico Pinto e outras senhoras do MNF visitam Cufar no início do ano de 1966 e Mamadu é internado no HM 241 (Bissau).

(xx) um mês depois, regresso a Cufar, regresso à guerra. Põe o correio em dia. Lê e relê a carta de Maria de Deus [MiMê], uma paixão escaldante dos tempos de "ranger" em Lamego e por quem estava quase para desertar, antes da data de embarque para a Guiné; a jovem morrerá prematuarmente, em França, aos 24 anos.

(xxi) revolta e dor pela morte do seu camarada e amigo, o fur mil Humberto Gonçalves Vaz (Op Teste, na região de Cabolol]


Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXIV Parte: Cap XIV: Regresso à guerra (1) (pp. 83-87)
XIV Regresso à Guerra [2]


Mas… a CCAÇ [763] soma e segue, não pode parar com as divagações do furriel Mamadu.

Temos informações concisas de que os grupos do PAIGC que actuam agora em Cabolol, estarão baseados em Cansalá, sendo rendidos mensalmente. Numa emboscada na estrada de Catió, junto ao pontão do rio Cadengar, no final da festa, ficamos sem mais um homem. Saldo final, um morto e três feridos. Começa, em algumas cabeças, a confirmação da desconfiança destes acontecimentos. Os Lassas iam a Catió para trazer uma companhia de periquitos, a quem deviam dar treino operacional. Mamadu, macaco velho com cu calejado, acha determinadas situações muito coincidentes mas é perigoso falar. Adelante, como dizem nuestros hermanos.

Temos notícias que o nosso amigo Nino recolheu a Conakri, na República da Guiné, ficando como chefe da base do Cafal e da Zona Sul, o amigo Joãozinho Guade. São coisas que vamos sabendo e analisando, para melhor entendermos como funcionam e se comportam os chefes do PAIGC. Com esta alteração de Comando, quem ganha é o pessoal da ilha do Como. A desgraçada da população era obrigada a entregar todo o arroz produzido na ilha, sendo enviado para a zona do Cantanhez, pois há dificuldades na alimentação às FARP. Pansau na Isna, homem grande do Como, com a sua sensibilidade, faz com que Guade autorize os habitantes do Como a venderem o seu arroz em Catió, e assim conseguirem pelo menos, com dinheiro ou por troca directa, alguma roupa, medicamentos e outros bens de primeira necessidade.

O chefe da tabanca de Mato Farroba, Clusse na Ufna, raptado pelo IN, foi abatido no Cafal, quando tentava a fuga. O Bia, chefe da tabanca de Impungueda, desapareceu misteriosamente. Seria o efeito da duplicidade nas informações a causa? Quatro nativas indocumentadas foram feitas prisioneiras, tendo confessado terem sido enviadas para observação das NT. Temos um sistema de informações mais precisas e concisas do que o gajo da PIDE de Catió que se preocupa mais com questões políticas do que com guerra. Estamos a trabalhar fortemente, só que as informações para cima, não surtem efeito. Aqui há gato.

Carlos desabafa:
- Valia mais que me mandassem a Companhia do Cachil para aqui, e acabassem com aquele presídio! Dávamos a volta toda até Cobumba e a Força Aérea que visitasse o Como!

Preparando a Companhia [, CCAÇ 1500,] a quem estamos a dar a fase operacional vamos, em conjugação com mais duas companhias, varrer novamente Cabolol. Pelas seis da manhã, um rebentamento e os periquitos têm os primeiros feridos, numa mina antipessoal. Pelas oito da manhã, Lassas e periquitos, depois de grande força, destroem mais um novo acampamento IN. Quando nos dirigíamos para Cantumane, a secção do Carlos Manuel que seguia em último escalão, foi fortemente emboscada, e tentaram isolá-la do resto da CCAÇ que se encontrava já fora da mata. Os outros dois grupos de combate manobraram, conseguindo repelir o IN. Dois furriéis ficaram ligeiramente feridos. Estava terminada a operação Tubarão.

E não desistimos, vamos novamente tentar a abertura do troço de estrada Cufar-Cobumba. Temos então a operação Teste em mãos. A nossa missão é instalarmo-nos na estrada que diverge para Cabolol e impedir o acesso do IN aquela região. A outros com as viaturas e respectivos guinchos, estará destinado o trabalho de desobstrução, retirando as abatises, tarefa que não vai ser nada fácil dado o numeroso e tamanho das árvores tombadas e das valas abertas na estrada.

Pelas vinte e três horas, os Lassas saem do aquartelamento e fazem a progressão pela estrada Cufar-Catió, com a companhia a quem estamos a dar treino operacional, em segundo escalão. Chegados ao cruzamento do Cabaceira, seguimos já pela estrada que se propõe limpar. Por volta das quatro da madrugada, o grupo de combate que progride em primeiro escalão atinge o caminho para Cabolol Nalu, junto à ponte do rio Caianquebam, os Lassas preparam-se para montar o dispositivo de segurança.

E aqui, meus amigos, desculpem-me, vão todos para a profundeza dos infernos. Serão poucas as asneiras que terei de dizer, e os nomes que terei de chamar a quem nos traiu. Comigo, cabrão nenhum brinca e eu não respeito ninguém neste momento. Eu mato a sangue frio, “fornico os cornos” e vou procurar aos confins do mundo o verme que nos traiu! Arranco-lhe o coração pelas costas, ou enfio-lhe pela boca abaixo uma granada descavilhada! Filhos da puta, havia fuga de informação! Os amigos do PAIGC estavam à nossa espera e sabiam perfeitamente que nós lá íamos e qual o nosso itinerário. Tinham informações precisas sobre toda a operação. Assim, não! Fomos apunhalados pelas costas, caralho. Também temos a certeza! Esse alguém, que deu à língua e passou informações ao IN, esteve em conversa na Administração de Catió. Nunca mais terei confiança nesta merda! Vão todos para a puta que os pariu!
- Quem diz que não é capaz de matar? Quem? Falem, digam!

Ninguém?

Tudo é possível fazer pelo homem, meus amigos, tudo depende das circunstâncias e ocasião em que as situações se apresentem.

Não é possível, não há palavras nem actos para suster a revolta do momento.

Foi dos maiores festivais a que assistimos!

Quando procedíamos à instalação, a CCAÇ foi emboscada de tal maneira que ficou toda na zona de morte. Os “gajos” envolveram os dois lados da estrada com duas metralhadoras pesadas 12,7, com projecteis tracejantes, atacaram o flanco direito dos Lassas com armas automáticas e metralhadoras ligeiras, e bateram todo o troço da estrada onde nos encontrávamos com morteiro 82 e RPGs, atacando a testa da coluna com granadas de mão.

Assim estivemos, debaixo de intenso fogo durante, aproximadamente, uma hora, altura em que sofreu um abrandamento. Tentamos responder da forma possível. Foi então detectado um helicóptero voando no sentido Cansalá-Cabolol Nalu, cessando por alguns minutos o tiroteio. Não nos foi possível alvejá-lo dado o seu rápido encobrimento pela mata. Pelas cinco e vinte voltou a crescer, com grande intensidade, o fogo de morteiro e RPGs. A nossa reacção só começou a dar efeitos já passava das seis e meia da manhã. Nesta altura já contávamos com dois mortos, um desaparecido e dezassete feridos. Entre os mortos estava o meu grande amigo furriel miliciano Humberto.
- Porquê tu, meu Amigo?

Havia determinadas prioridades a executar e a principal era no momento fazer as evacuações, pelo que a companhia que nos acompanhava dirigiu-se para Camaiupa a fim de procurar um local propício para efectivar essa operação, montando a segurança. Junto à mata de Camaiupa, foram evacuados os feridos e mortos, tendo sido os Lassas remuniciados, dado encontrarem-se logisticamente nas lonas em termos de munições. E voltamos, para continuar.

Mais um acerto de contas, mais uma cobrança!

Pelas oito e meia, aproximadamente, dado o número de baixas e o esgotamento do pessoal, o Comando estacionado em Cufar mandou suspender a operação. Entre os evacuados para o Hospital de Bissau conta-se o Bolinhas, capitão miliciano que vem substituir Carlos que será transferido para o Q.G. Não teve sorte o Bolinhas pois, logo na primeira experiência, uma bazucada atirou com ele contra uma árvore.
- O meu amigo Humberto, capacete furado, cabeça feita em duas! Não!
- Porra! Os amigos estão-se a ir embora!
- Ainda não! Ainda não vou chorar, só se for de raiva! Mas também não!
- Agora encontro-me completamente no fundo. Deixem-me falar mal desta merda; deixem-me dizer asneiras. Por favor, quero apanhar alguém e torcer-lhe o pescoço, até ficar com a cara para as costas, depois de três voltas. Quero... quero... ir até ao aquartelamento e embebedar-me até ficar em coma!... É dificílimo dar a volta a isto tudo!

Um bando de homens malteses, cabisbaixos, entra ao fim da manhã no aquartelamento. Não há nada a dizer!... Olham-se os militares uns aos outros, em silêncio como desconhecidos, agora bem lá no fundo do esgoto. A dor da perda dos amigos é transmitida por mensagem secreta, do olhar daqueles que sofrem a sua ausência.

Mamadu entrou na messe e no duche. Deitou-se não dizendo palavra a ninguém. Chico Zé e António Pedro nas camas, ao lado, fizeram o mesmo. Até a vontade de beber passou. Não era a primeira, nem seria a última que alguém nos iria trair.

Miriam entrou no quarto em silêncio, com a roupa lavada para Mamadu. Vendo os três furriéis deitados, como cachorro à espera do dono, sentou-se no chão aos pés da cama de Mamadu e chorou. Este enfureceu-se e gritou:

- Fora daqui, isto não é para chorar ainda, caralho! Não é isto mesmo a guerra!? Fora, não quero ver roupa, não quero ver ninguém.

O coração do furriel Mamadu, chefe dos Vagabundos, sangrava de dor e revolta.
- Deixa-nos ficar sós! Fora, escarumba de merda!

Com rudeza expulsou a lavadeira. Pobre Miriam, estava sensibilizada também e apenas queria acompanhar a dor do furriel. Mas este apenas via as tracejantes balas e as metades da cabeça do Humberto. Aos ouvidos apenas lhe chegavam os rebentamentos das morteiradas, dos lança granadas foguetes e os gemidos dos amigos feridos. Completamente transfigurado, só sentia o desejo mórbido de vingança. Esvaziara-se de tudo o que era humano, e encontrava-se possesso de ódio, blasfemando contra tudo e contra todos.

De barriga para baixo, estendidos sobre as camas, Chico Zé e António Pedro, num silêncio sepulcral, nem pareciam respirar. Mamadu não conseguia dormir. Tânia apareceu por momentos e o furriel entrou em delírio.

Abundante fonte fizeste nascer neste peito, por onde se alimenta, em frémita dor trespassante, um fraco coração saudoso, desfeito nestas longínquas paragens e acossado por fome de justiça, entre balas e sangue, alimentos de guerra. Já não sei o que sou! Só sei que é no meu corpo que morreste, minha mulher inexistente, adormecida pelo leve sono que pesou no dia dos animais falantes. O lodo, em que me atolo, adormeceu as conhecidas boas maneiras, que pouco saber lhes cabe. São nuvens duvidosas o saber que sabemos. E sonho com a mulher que me beijasse as feridas da alma e me amasse até à raiz da minha sombra. Estou lutando e tentando fazer um poema de amor, mas a dor tira-nos o tempo todo ao nosso lado distante, em guerra sempre presente.

Esta não é a minha Gloriosa Pátria Amada. Esta é a de Miriam e outros muitos mais, que nem eles próprios sabem quem são, pois até os irmãos já se traem e matam uns aos outros. A minha fica lá bem longe, a Norte, a milhares de quilómetros. É essa pequenina aldeia da Planície que é minha, de meus pais e avós, a essa, sim, posso ter a honra de lhe chamar ditosa e amada.

Fundamentalisticamente e com muita razão, como dizia o capitão de Aleluias Alacrau, “esta Aldeia é uma Nação”. Sim, a minha Pátria é a Planície da Tânia e da Florbela, poeta e mulher a corpo inteiro. Sim, Florbela, como no seu poema, aqui bem longe neste momento, são horas mortas só que a Planície não é brasido, aqui ela é saudade e dor.

Árvores! corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!


Tenho saudades de todos os meus amigos, dos que vivem e dos que já partiram. Hoje aperta-me o coração pelo meu amigo Humberto, pois deixei o esquife dele em Catió.

Acabei de juntar as cartas da nascente que fazia brotar nele o amor e afeição por uma mulher, criança ainda. Para a mãe de Humberto, juntei as coisinhas, como se diz na planície. As merdas todas: farda, farrapos, para dela ser maior o sofrimento.

Porquê eu!? Fazer o espólio das intimidades de um amigo?

Choro!

É por acaso vergonha um homem chorar, quando lhe dói a alma e aperta o coração?

Será?

Não, para mim não! Por isso choro e não tenho vergonha. É bonito, é enfim sinal que ainda não me bestifiquei.

Chorar é correr riscos e só quem arrisca é livre!

É, pois, o chorar o risco de parecermos sentimentais, assim como expor os nossos sentimentos é correr o risco de patentear o nosso verdadeiro eu. Sendo também o amar correr o risco de não sermos amados em troca. Estes riscos, conheço-os eu como as palmas das minhas mãos. Com tudo isso, não evitei o sofrimento e a tristeza, é verdade! Mas aprendi, senti, mudei, cresci, amei e vivi!

Chego ao limite, com apenas vinte e três anos. Que interessa que Tânia me não ame, se a amo eu?

Não é sonho! Um dia acontecerá, Tânia virá, amar-me-á e beijará as feridas da minha alma.

A eternidade não é poder humano! É incomensurável!...

Desculpa, Humberto, a divagação, mas tu também sabias, não sabias?!. ..

Vou-te escrever. Sei que é uma tentação, mas esta carta é só para ti.

"Sufoca-me esta sede de libertação. Quantas vezes o dizias?...

Todos os dias, a todas as horas e a todos os minutos. Pobre de til .. De que te serviu a merda do capacete? Sim, eras um aborto da própria natureza. De que te valeu morrer? Nada!

Que fizeste? O que deixaste? Simplesmente a dor de ser eu, este teu amigo, a enviar as tuas sucatas para tua mãe e as cartas para Luísa. Dezoito anos incompletos e já a levar assim bordoada ...

Mas, pobre de ti!... O tempo, dizem que tudo cura. Talvez seja verdade, acredito! Sim, porque ninguém mais te ligou. Aquilo que tu eras, tudo naquele momento terminou. Não sabes? Vou contar-te tudo o que se passou depois: ficaste com a cabeça horrivelmente grande, feita em duas!...

Passaste ainda dois dias connosco. À noite havia muitos mosquitos, mas não te deixámos só. Não chorámos! Talvez interiormente o tivéssemos feito, porque a garganta só consentia que algo escorregasse, quando à boca se levava o velho e sebento copo de bambu. Recordas-te dele? Ali se afogavam as mágoas e tristezas passadas. Nele chafurdámos como ratas nas sarjetas. Sabia bem matar a sede por ele. Estávamos unidos, e sempre estaremos, mesmo sem ti e os outros que ao nosso lado tombaram.

Olha, está aqui o Jata que também te quer falar, mas não consegue! É natural, vocês eram irmãos de guerra! ...

O Dabó, preto manjaco, chorou como um puto sentado no teu caixão, pois a última vez que te acompanhámos foi pela maldita estrada. Deves ter dado muitos saltos dentro do caixote!

Gosto de te escrever, pois tenho feito o mesmo com os outros. Espero que quando for a minha vez, tenhas uma garrafinha de Dimple à espera que eu levo o copo de bambu.

Um abraço dos outros Lassas.

Mamadu

P.S. - Afinal encontraste a liberdade desejada?”
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