segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17655: Notas de leitura (985): “Portugal e o Império Africano - Séculos XIX e XX”, coordenação de Valentim Alexandre, Edições Colibri, 2013 (1) (Mário Beja Santos)

“Portugal e o Império Africano – séculos XIX e XX”, coordenação de Valentim Alexandre, Edições Colibri, 2013


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,
A historiografia pós-colonial revela maturidade e sobrepõe-se às paixões ideológicas que marcaram as últimas décadas no século XX. A questão colonial volta a ser um tema centrado dos estudos históricos contemporâneos. Um dos resultados deste novo espírito é o presente trabalho de que aqui se faz a competente recessão, convidando-se todos os confrades a porem leituras em dia conhecendo novos trilhos de investigação que permitem refletir fora de uma atmosfera de paixões sobre a ascensão e queda do nosso império africano.

Um abraço do
Mário


O Império Africano, Séculos XIX e XX: 
Um olhar da nova historiografia (1)

Beja Santos

No final do século passado realizou-se um curso de Verão do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, subordinado ao tema “Portugal e o Império Africano – séculos XIX e XX”, coordenado por Valentim Alexandre, Edições Colibri, 3.ª Tiragem, 2013. A questão colonial é um dos temas centrais da história portuguesa contemporânea, basta pensar no ultimato britânico de 1890, as preocupações republicanas para intervir na Grande Guerra e a questão ideológica que desempenhou o império colonial no Estado Novo, acabarão por ser as guerras coloniais que precipitarão o regime para a sua guerra. Por diferentes razões, a investigação histórica nesta área continua a ser marcada por dificuldades muito ásperas: a carga ideológica, onde perpassava a imagem da missão civilizadora de Portugal, discursando-se correntemente de que Portugal não tinha futuro sem império; o facto de, após o 25 de Abril, se ter registado a falta de apoios institucionais e a concomitante desorganização dos principais arquivos históricos. Só lentamente se foi saindo da situação, contudo passou a prevalecer uma visão eurocêntrica do país que de modo algum corresponde à história recente.

Os estudos coloniais vão-se progressivamente libertando do fardo ideológico e é hoje patente a existência de uma investigação liberta de preconceitos: basta referir os trabalhos coordenados por Fernando Rosas e as investigações das equipas de Bandeira Jerónimo e Eduardo Costa Dias. O império africano terá o seu ponto de partida o ano de 1825, data do reconhecimento da independência do Brasil pelo Estado português, a partir dessa data as atenções viraram-se para África. Como escreve Valentim Alexandre:  
“Com a perda do Brasil, o império português ficou reduzido a alguns pequenos territórios dispersos pelo mundo, com ligações muito ténues à metrópole. Boa parte deles – os arquipélagos atlânticos de Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe e as possessões no continente africano, então limitadas a postos e enclaves no litoral, salvo uma linha de penetração a Norte do Cuanza, de Luanda a Malange, e uma outra, na costa oriental, de Quelimane a Tete, ao longo do rio Zambeze – tinha ainda então como atividade principal o tráfico de escravos para as Américas, quase totalmente controlada por negociantes estabelecidos, não no reino português, mas no Brasil”.

A Guiné não existia, a constituição liberal só faz referência a Bissau e a Cacheu. Para os negociantes, a compensação da perda do Brasil era fundamentalmente Angola e Moçambique. Foi necessário esperar pela vitória liberal na guerra civil para o projeto imperial adquirir alguma consistência. No final de 1836 a legislação setembrista era o primeiro impulso: abolição da exportação de escravos, reforma da administração ultramarina; a política de Sá da Bandeira procurou consolidar o domínio territorial português em África, designadamente pela ocupação da linha da costa de Angola e Moçambique. As relações económicas com as colónias tornam-se um facto, forma-se uma companhia da navegação, a Companhia União Mercantil, destinada a ligar Lisboa a Benguela, Luanda, Moçâmedes e Ambriz, com escala por Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe. O quadro das relações sociais conhece um novo desenvolvimento com a extinção do tráfico de escravos para Cuba e para o Sul dos Estados Unidos e também para várias zonas do Índico. Segue-se a ocupação efetiva, primeiro com as expedições promovidas pelo ministro Andrade Corvo, as viagens de Serpa Pinto e Capelo e Ivens. Andrade Corvo procura associar a política externa portuguesa aos interesses da Grã-Bretanha, primeiro com ligação do porto de Mormugão à rede ferroviária britânica do subcontinente africano; um segundo acordo tinha em vista a construção de um caminho-de-ferro de Lourenço Marques ao Transval, em troca de vantagens comerciais; uma terceira convenção deveria definir a fronteira Norte de Angola, admitindo a Grã-Bretanha que Portugal ocupasse a margem esquerda do rio Congo. Política que veio a falhar a partir de uma corrente do nacionalismo radical que exigia um máximo de direitos de Portugal na África Central, dizendo que qualquer acordo de limites seria uma lesão irreparável da soberania dos interesses nacionais. É nesse contexto que houve o malogro do Tratado do Congo que envolveu sérias resistências em várias potências coloniais e que está na génese da Conferência de Berlim, convocada para regular o exercício do comércio em África. A Conferência veio a consagrar a necessidade de posse efetiva, mas apenas em relação ao litoral do continente africano (ao contrário do que muitas vezes se diz). A nova situação criada pela Conferência acentuou o sentimento de urgência de ocupação da região entre Angola e Moçambique. E assim chegamos ao Mapa Cor-de-Rosa e ao Ultimato britânico, que veio dar impulso final às campanhas militares.

Como igualmente observa Valentim Alexandre, este período de ocupação militar plasma-se em transformações de relevo no sistema colonial: recorre-se mais intensamente aos capitais estrangeiros, dá-se amplas concessões a várias companhias, lançaram-se linhas férreas. Vão entretanto crescendo as reivindicações da Alemanha Imperial, chega-se a temer que a Grã-Bretanha aceda à divisão de Angola para satisfazer a estratégia de Berlim. Mas eclodiu a Grande Guerra e desapareceu temporariamente o fantasma da perda imperial. Os republicanos mantinham intransigentemente o ideal imperial, até porque iam emergindo novas ameaças de repartição dos nossos territórios coloniais cobiçados pela Alemanha e pela Itália.

O Estado Novo não descurou a propaganda colonialista, lançou exposições coloniais, intensificou-se a propaganda no ensino. Finda a II Guerra Mundial, em que o império permaneceu incólume, mudada a conjuntura propiciou o arranque da economia imperial em Angola e Moçambique. Renascera a mística, o império tinha que se modernizar. Como aqui se tem largamente referido, a Guiné encontra com Sarmento Rodrigues transformações de grande peso. Mas surgira uma nova ameaça, as superpotências queriam pôr fim aos impérios coloniais, lançou-se a descolonização, primeiro na Ásia e depois em África. O Estado Novo procura precatar-se: em 1951, dá-se a revisão constitucional e é abolido o Acto Colonial, o conceito de império e de colónias deu lugar a províncias ultramarinas de uma nação pluricontinental. Encontrou-se ideologia justificativa: o luso-tropicalismo. Mas a doutrina “de Minho a Timor” não convenceu as Nações Unidas nem os movimentos de libertação. A guerra eclode em 1961, dará impulso necessário à eliminação das estruturas sociais arcaicas, caso do Estatuto do Indígena. Procuram-se novas soluções, falar-se-á em mais autonomia na revisão constitucional de 1971, mas nada poderá salvar o império colonial.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17654: Notas de leitura (984): "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo: exorcizar velhos e novos fantasmas - Parte I (Luís Graça)

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