sábado, 28 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17912: Recortes de imprensa (89): A Guiné na revista Panorama, pelo escritor Castro Soromenho, 1941 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 10 de Outubro de 2017:

Queridos amigos,
António Ferro concebeu a revista Panorama para revelar aos portugueses os portentos artísticos, as belezas naturais da metrópole e do império.
A Guiné suscita muita curiosidade, até os livros escolares falam na babel negra, numa colónia rasgada por cursos de água, verdejante; os estudos não escondem a terra luxuriante, as aptidões agrícolas, mas continuam a faltar investidores, os empreendimentos agrícolas, regra-geral, soçobra, é o que leio em toda a documentação emanada do BNU na Guiné.
Soromenho conhecia a Angola, ficará com uma referência literária e os seus trabalhos de etnógrafo ainda guardam alguma frescura.
Este seu aprontamento guineense revela o seu talento jornalístico, deixou um soberbo convite a turistas e aficionados da caça.

Um abraço do
Mário


A Guiné na revista Panorama, pelo escritor Castro Soromenho, 1941

Beja Santos

Panorama, revista portuguesa de arte e turismo, foi empreendimento de António Ferro com a colaboração de grandes artistas do seu tempo, como Almada Negreiros, Bernardo Marques, Ofélia Marques, Tomás de Melo, Paulo Ferreira. A revista iniciou-se em 1941 e acompanhou a vida do regime, mas de facto o seu período áureo teve a chancela de António Ferro e o grafismo das grandes figuras do modernismo, com Bernardo Marques na proa. Bernardo Marques além de grande gráfico, e de ter deixado capas de livros de grande gabarito, ganhou a vida a fazer publicidade, como tantos outros artistas. Panorama vendia-se por dois escudos e meio ao número, tinha publicidade de prestígio: Livraria Luso-Espanhola, a Kodak, o Hotel Suisso Atlântico, o Avis Hotel, as canetas Sheaffers, a chapelaria Lord, a Mobiloil, e muito mais.

Castro Soromenho foi um jornalista e escritor de percurso muito curioso. Nascido em Moçambique, foi em criança para Angola, veio estudar para Lisboa, aqui se lançou no jornalismo, publicou nos principais jornais e publicações da época. Crítico do Estado Novo, partiu para o exílio em França, foi professor nos Estados Unidos e viveu os seus últimos anos no Brasil. Considerado um escritor angolano de referência, as suas obras de etnografia são ainda hoje de leitura obrigatória.

Este seu artigo sobre a Guiné é meramente divulgativo, ninguém espera encontrar aqui novidades, veja-se logo o arranque:  
“No cabo do Golfo, em jornada no Atlântico africano, sob céu de fogo, estende-se a terra vermelha da Guiné. Fica lá no fundo da boca que o mar cavou, em recortes caprichosos, na terra coberta de vegetação luxuriante – chão raso até às colinas de Bafatá, alteadas a 300 metros no Boé, onde começa o maciço de Futa Djalon, que só ganha caminho de águias, a desdobrar-se em montanhas, na Guiné Francesa. E em frente, pouco além dos lábios vermelhos da terra, 50 ilhas e ilhotas, tufos de verdura, labirintam caminhos de águas negras que os rios vomitam ininterruptamente. Foi ali, na terra húmida e quente, xadrezada por canis e rios, que o destino das guerras e migrações escolheu fronteiras para albergar 17 raças, vindas, com Alá na boca, dos sinos de África”.

Há que gabar a escrita, sim senhor, e provavelmente quem o leu na panorama ia aprendendo muito, a Guiné era uma colónia triste coitada, para ali não se emigrava, só se degredava, e Castro Soromenho exaltava-lhe as belezas e incitava os amantes da caça a vir conhecer a abundante e variada fauna da Guiné.

Faz jus ao sangue derramado na ocupação efetiva, que ele data da seguinte maneira:  
“E só quando o sol espelhou, em toda a terra guineense, a espada de Teixeira Pinto, e a sua bravura entrou na lenda, e Abdul Indjai, o seu melhor colaborador, trocou o alcorão pela bíblia e se enredou em traições à sua raça, para mais tarde regressar ao mesmo seio, já cansado e murcho de sangrar padecimentos, sorvado por azares da guerra, e se rebelou num gesto que lhe deu penas de cativeiro em Cabo Verde – é que o indígena trocou a lança pela enxada”.


Quem o lê, pensa que por golpe mágico se espalhou a pacificação e a civilização triunfou, como ele diz “a certeza do triunfo da civilização da raça branca no país dos africanos”. Agora vencia-se a selva, reverdeceram as lalas de arroz e mancarra, tínhamos a Guiné de porta abertas, e ali a África está toda representada na sua paisagem humana. E sempre a pensar na caça termina assim o seu texto: “Os olhos do turista que vêm do correr do mundo, ante as paisagens da natureza e a humana, belas em toda a Guiné, queda-se em contemplação – e, na sua memória, jamais se apagará esse forte, e belo, e exótico espetáculo”.

Para não deixar dúvidas, a imagem do caçador triunfante junto ao seu magnífico espólio.
Que melhor feitiço africano que aqueles triunfos de caça?

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Nota do editor

Último poste da série de 13 de Junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17460: Recortes de imprensa (88): O nosso amigo capitão Valdemar Aveiro, em Vigo, Galiza, defendendo os pergaminhos da história da pesca do bacalhau ("Faro de Vigo", 10.06.2017)

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