sábado, 25 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P18013: Bibliografia (42): “Mário Pinto de Andrade, Uma entrevista dada a Michel Laban”, Edições João Sá da Costa, 1997 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Novembro de 2017:

Queridos amigos,
Em 1954, descrente da formação universitária a que se propusera vir fazer a Lisboa, e já atraído pela causa nacionalista, Mário Pinto de Andrade parte para Paris onde terá o privilégio de se encontrar e corresponder com os principais intelectuais negros contestatários de vários continentes. Trabalha numa prestigiada revista, acompanha o que se passa no seu país, reúne regularmente com Marcelino dos Santos e Aquino de Bragança, tem uma relação fraterna com Amílcar Cabral. Foi assim que germinou e se veio a criar em 1957 o Movimento Anticolonialista, é o primeiro gérmen da cooperação entre os movimentos de libertação das colónias portuguesas africanas.
Os dados estão lançados.

Um abraço do
Mário


Uma importante entrevista de Mário Pinto de Andrade (2)

Beja Santos

Não se pode estudar em toda a sua amplitude o movimento anticolonial em Portugal sem conhecer o pensamento e ação de Mário Pinto de Andrade, um angolano que veio estudar Filologia Clássica em Lisboa e constituiu amizades com futuros líderes, caso de Marcelino dos Santos, Agostinho Neto e Amílcar Cabral. “Mário Pinto de Andrade, Uma entrevista dada a Michel Laban”, Edições João Sá da Costa, 1997, encerra dez sessões de trabalho que vão de Março de 1954 a Junho de 1957. Este grupo de amigos constitui o Centro de Estudos Africanos, na Rua Ator Vale, ao Bairro dos Atores em Lisboa, ali se reuniam Alda e Julieta do Espírito Santo, Francisco Tenreiro, Agostinho Neto e Amílcar Cabral. Encontravam-se igualmente na Casa dos Estudantes do Império e no Clube Marítimo, na Graça, tinna sido uma escolha do Agostinho Neto.

Pinto de Andrade não perde o contacto com os jovens nacionalistas angolanos, trocam muita correspondência. Dá-nos conta da atividade desenvolvida nesse grupo de reflexão que foi o Centro de Estudos Africanos, a partir da primeira reunião que se realizou em Outubro de 1951. Pouco estimulado pelos estudos da Filologia Clássica, desperta o seu interesse pela literatura africana, começa pelo Kimbundu, amplia as suas leituras, lê autores antilhanos, norte-americanos e africanos, tais como Nicolás Guillén, Richard Wright, Aimé Césaire, Léopold Senghor. Pôs-se em marcha uma antologia: o Caderno de Poesia Negra de Dispersão Portuguesa. Depois, o Centro dispersou-se, Amílcar Cabral foi trabalhar para a Guiné, Tenreiro ficou em Lisboa, a família Espírito Santo ficou sob suspeita na PIDE, supunham que estavam implicados, visto que um dos tios de Alda Espírito Santo era acusado de conluio do protesto contra o trabalho forçado no massacre de Batepá. A última reunião deste grupo de reflexão realizou-se em Abril de 1954. E rememora duas figuras hoje injustamente esquecidas: o pintor António Domingues e o escritor António Mário Domingues, pai do primeiro. Domingues era um artista muito próximo dos comunistas, estava muito atraído pela pintura mural mexicana e pela arte negra, fez desenhos de toda esta gente do grupo. Mário Domingues pertencia à geração dos anos 20, foi colega de jornalista de Ferreira de Castro. Para ganhar a vida escrevia obras históricas publicadas por Edições Romano Torres, traduzia muito e escrevia sobre pseudónimo romances policiais. Era um português nascido na Ilha do Príncipe que escreveu um romance sobre a sua experiência, O Menino entre Gigantes. Distinguiu-se por ter enviado uma mensagem para o Congresso dos Escritores e Artistas Negros que se realizou em Paris.

Estes jovens africanos reuniam com gente do MUD Juvenil, explica a organização manobrada pelos comunistas e as causas que defendiam. Mas os jovens africanos sentiam-se dececionados porque a questão africana era um tema marginal para o MUD e faz o seguinte comentário: “A ideia que os comunistas tinham na altura era a de uma especificidade – a especificidade colonial portuguesa – muito diferente da colonização francesa ou inglesa. Recordo-me de uma conversa com Aboim Inglês quando eu lhe disse que não queria militar no MUD juvenil porque a minha atenção estava fixada no Centro de Estudos Africanos. Ele chamava a isto uma posição racista e, sobretudo, considerava que nós não tínhamos em conta a especificidade da colonização portuguesa pelas ações de outros colonizados, justamente os colonizados do domínio francês e do domínio inglês, que a questão não devia colocar-se nesses termos porque o que era necessário – do seu ponto de vista, era criar um vasto movimento antifascista. Era o derrube do fascismo que ia abrir perspetivas à libertação das colónias”.

Amílcar Cabral e Mário Pinto de Andrade

Refere a vida efémera do Partido Comunista Angolano, em 1954 Pinto de Andrade parte para Paris, quer especializar-se em assuntos africanos. Vai trabalhar com Alioune Diop na revista Présence Africaine, graças a este trabalho vai conhecer algumas das mais pertinentes figuras intelectuais francesas e escritores negros de todo mundo. Estuda na École Pratique des Hautes Études, seguia as aulas de Roger Bastile. Dá-se muito com Marcelino dos Santos e Aquino de Bragança. As lutas de libertação e as independências das antigas colónias são um tema da agenda política mundial. Há a guerra da Argélia, os preparativos para as independências de Marrocos e da Tunísia, em 1955 realizou-se a Conferência de Bandung, onde nasceu o movimento dos não-alinhados, a conferência teve consequência na Ásia e em África. É nesse contexto que se prepara o congresso dos escritores africanos onde as teses de Aimé Césaire saíram vencedores, derrotando as teses conciliadoras de Senghor. Este congresso teve repercussões, foi o caso da American Society of African Culture dos Estados Unidos, que reunia os escritores negros americanos. Em Paris, Pinto de Andrade continuava a trocar muita correspondência: com Lúcio Lara, com Amílcar Cabral, com Viriato da Cruz. Em meados de 1957 chega Viriato da Cruz fugido à polícia. A visita foi seguida quase imediatamente pela de Amílcar Cabral, este tinha participado no conjunto das formações que em seguida levaram à criação do MPLA. Pinto de Andrade atribui a Viriato da Cruz um papel charneira, por ter participado no nascimento de todas as organizações importantes de Angola, colaborar na redação do manifesto do MPLA. Viriato veio para ficar, o mesmo não ocorreu com Amílcar que trabalhava em Angola, Amílcar reuniu em Paris com a comunidade africana lusófona na diáspora.

Em Novembro de 1957, em Paris ocorre uma reunião de consulta e estudo para o desenvolvimento da luta das colónias portuguesas, participam Amílcar Cabral, Viriato da Cruz, Marcelino dos Santos, Guilhermo do Espírito Santo e Pinto de Andrade. “Foi talvez a primeira pequena assembleia a fazer o ponto da situação do movimento geral das organizações em luta nos cinco países africanos, do estado do que se chamava as forças vivas da nação e da capacidade de mobilização das forças sociais nessa altura”. E tomou-se uma decisão importante: criar uma organização unitária. “Nós tínhamos visto que cada organização por si própria, tomada isoladamente, em cada um dos nossos países, não era suficientemente forte para que nos concentrássemos. Era preciso encorajar essas organizações, mas elas eram frágeis. Foi a origem do Movimento Anticolonialista que se criou em Lisboa, mas tinha um outro nome na altura, um nome muito mais amplo: Movimento de Libertação Nacional das Colónias Portuguesas, e tinha mesmo estatutos”.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17984: Bibliografia (41): “Mário Pinto de Andrade, Uma entrevista dada a Michel Laban”, Edições João Sá da Costa, 1997 (1) (Mário Beja Santos)

3 comentários:

Antº Rosinha disse...

Foram de facto estes "estudantes do Império" que criaram os movimentos que no fim saíram vencedores na luta pelas independências das colónias africanas portuguesas.

Mas não eram só umas dezenas ou as poucas centenas que sempre se mencionam, que pensavam há muitos anos que tinham condições para governarem aquelas colónias e torna-las independentes.

A larga maioria (milhares) de estudantes saídos dos liceus de Praia e Bissau, Luanda, Nova Lisboa, Sá da Bandeira, Lobito e Benguela, Uige, Vila Salazar, Luso e Malange, Lourenço Marques Beira e Quelimane e mesmo Goa, todos se "gabavam" que eles é que sabiam, nós aqui eramos uns atrasados, e que não desenvolvíamos aquelas terras, e que não fazíamos lá falta nenhuma, eles resolviam muito melhor.

E alguma razão tinham para pensar assim, eles é que eram os portugueses que já lá estavam há 500 anos.

Eles é que ensinavam quem ia daqui, senão vejamos o caso de Francisco Tenreiro, São Tomense, que BS menciona, ele foi docente no «Instituto de Ciências Sociais e Política Ultramarina», atual Instituto Superior de Ciências e Políticas.

Sabem o que ensinava esse Instituto? ensinava a colonizar e explorar e administrar as colónias, formava os Intendentes que mandavam nos Administradores e Chefes de Posto e tudo o que era preciso para desenvolver as colónias.

E porque é que se fala sempre em tão poucos do MPLA, PAIGC e FRELIMO se havia tanta gente muito formada pensar o mesmo?

Porque a maioria ficou do lado do "colon" ou em "cima do muro" ou a "jogar à bola" em 1961.

Porque evoluídos e conhecedores como eram. viram que estava tudo errado na maioria das colónias francesas, Belgas e inglesas que a partir de 60 iam ficando independentes, e com o terrorismo da UPA no Norte de Angola a dar o sinal de partida não dava para se tentar uma independência séria. ainda ia ser pior.

Não imaginamos um Francisco Tenreiro ou um Mario Pinto de Andrade ou Amílcar Cabral de Kalash na mão , ou Lúcio Lara ou os Vandunem...mas tinham o cérebro para mobilizarem o mundo inteiro, alinhados e não alinhados contra nós e contra os flechas, comandos africanos e mucancalas...!

Eles é que sabiam, eles é que tinham os livros, eles é que nos ensinavam a colonizar e depois a descolonizar.

Sem BS, o "nosso" mundo não era o mesmo, continua sempre.

António J. P. Costa disse...

Olá Camarada

Desta vez não percebi o raciocínio, mas deves ter razão.

Um bom domingo e um Ab.
António J. P. Costa

Antº Rosinha disse...

Às vezes eu escrevo só para mim, sem me dar conta.
Só depois de escrever é que reparo quem leia não sabe bem o que quero dizer, porque deveria dar outras explicações.
Mas quando BS traz estes heróis do MPLA ou PAIGC à baila, quase todos, sempre relacionados com Angola, onde as famílias e amigos, fossem angolanos ou caboverdeanos eram muito conhecidas em Luanda e outras cidades, não quero deixar passar em branco.
Porque conheço o ADN e as "manhas" deles todos, porque pisei o tchon que eles pisaram durante muitos anos.
Muitos familiares ou amigos deles ou vizinhos foram mesmo ou meus chefes profissionais, alguns mais novos fizeram a tropa(CSM) comigo em Nova Lisboa, ou via-os na bola onde todos iam e se "abriam" quando ia lá o Eusébio ou o JJ, ou o Jordão...infalivelmente uma vez por ano.
Agora se o camarada AJPCosta duvida que era com eles que aprendíamos a colonizar quando desembarcávamos do porão dos paquetes, veja na Vikipédia o caso do professor Francisco José Tenreiro se era ou não professor na velha Escola Colonial.

Cumprimentos