sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18061: Notas de leitura (1021): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (12) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,
A exposição dos agentes económicos defensores da manutenção da capital em Bolama em detrimento de Bissau, têm aspetos singulares, que ponho à vossa apreciação. É como se fosse uma lição da história da presença portuguesa, falando de Cacheu, de Bissau e de Bolama, esta apresentada como sucesso diplomático irrefragável, a escolha de Bolama para capital era um triunfo diplomático intocável. Jogam-se argumentos em nome da geografia, da fácil aproximação de Bolama ao continente e pelo caminho dão-se informações espantosas como a de que a fértil região de Cacine estava abandonada. Toda esta argumentação caiu por terra face a novas realidades ditadas pela gradual ascensão económica de Bissau. É nesta cidade que vai assentar um modelo de desenvolvimento ainda insipiente com Carvalho Viegas e que irá desabrochar com Sarmento Rodrigues. Ponto de tal modo incontornável que Amílcar Cabral não hesitou em pôr o seu nome para identificar a nova República.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (12)

Beja Santos

Antes de chegar o Governador Leite de Magalhães que ficará na Guiné até 1931, vários acontecimentos ganham peso, com realce para a preponderância de Bissau sobre Bolama, há empreendimentos agrícolas que vão caindo por terra, nos Bijagós, mas também no continente. Já se referiu que aumentaram as estradas e as linhas telegráficas, mas as finanças locais mantêm-se anémicas e instáveis. No período da Ditadura Nacional assiste-se a uma redução de despesas: diminuição de efetivos militares, menos administração. É nesta altura que os agentes económicos de Bolama reagem, endereçam ao ministro das Colónias uma farta exposição em 15 de Agosto de 1927, vêm fazer uma defesa histórica de Bolama, é um documento sem precedentes, feito propositadamente para neutralizar a transferência da capital para Bissau:
“Não nos animam mesquinhos propósitos de bairrismo. Para nós esta questão não é uma questão de duas cidades disputando-se a primazia, a honra ou a vantagem de serem a cidade principal da colónia. Procuramos ver o problema através do alto interesse da colónia, pois ele não pode nem deve ser considerado apenas do ponto de vista limitado, embora respeitável e atendível, das conveniências desta ou daquela cidade, deste ou daquele centro de população.
Para isso temos de considerá-lo à face da história, da situação geográfica, económica, financeira e sanitária da província e até da política internacional. No estudo do problema da capital não se pode pôr de parte o ponto de vista histórico”.


De uma publicação de 1925

Enumeram-se elementos sobre a colonização da região, fala-se em missionários, em Cacheu, no período filipino, na fundação de Bissau, cita-se o trabalho de Travassos Valdez, a velha obra de Francisco de Azevedo Coelho, tudo para chegar à ocupação militar da ilha de Bolama em 1830, não sem o protesto veemente do Governador de Serra Leoa, segue-se o conflito com a Grã-Bretanha e a sentença arbitral do Presidente Ulysses Grant. E como se estivesse a dar uma lição de história ao Ministro das Colónias, diz-se apologeticamente:

“Não foi portanto uma necessidade de ocupação que nos levou a fixarmos a capital em Bolama. Quando se transferiu a sede do governo para Bolama já ninguém nos podia contestar a sua posse. Antes o que se vê é que a capital em Bolama surge com a criação da província autónoma, é a maioridade”.

Agora os argumentos são arremessados com outro peso:
“Sob o aspeto geográfico é erro dizer-se que Bolama fica distante de todos os postos da província, por isso não está indicada para ser a sede de governo. Confrontando a sua situação com a de Bissau o que podemos dizer com verdade é que tanto esta cidade como Bolama encontram-se relativamente longe de determinadas circunscrições mas que de ambas se pode ir hoje com toda a facilidade a qualquer ponto da Guiné porque possuímos uma rede de estradas magnífica cortando-a em todos os sentidos (…) A ilha de Bissau está separada do continente por um rio, o Impernal, na região dos Balantas. A ilha de Bolama encontra-se separada do continente pelo mar. Mas é uma distância pequeníssima: de Bolama a S. João, no continente, há uma distância menor que a do Terreiro do Paço a Cacilhas. Quer dizer que quem estiver em S. João, defronte da cidade de Bolama, está em toda a parte do continente. A situação de Bolama permite comunicações rápidas com os principais pontos da colónia, tendo até o Governador Caroço projetado com a construção de uma ponte no rio Corubal a mais importante rede de estradas na parte do continente que fica fronteira a Bolama. Rigorosamente estão a grande distância de Bolama as regiões de S. Domingos e Cacheu, apenas. Como, também, ficam a grande distância de Bissau as regiões de Cacine e Gabu.

Entre Bolama e Bissau, o mais importante centro comercial da colónia, pode também haver comunicações rápidas. A experiência foi feita também pelo Governador Caroço, mandando abrir a estrada que de S. João conduz a Enchudé, povoação fronteira a Bissau. Entre Bolama e S. João, desta povoação a Enchudé e daqui a Bissau havia então um serviço combinado de transportes marítimos e terrestres, gastando-se na viagem duas ou três horas. Estes serviços tornavam mais rápidas e frequentes as comunicações Bolama-Bissau, sabido como é que os vapores da capitania estão sujeitos a marés. Uma das regiões mais ricas da Guiné é Cacine, no Extremo Sul da Guiné, e Cacine, hoje infelizmente despovoada, está a seis horas de Bolama. E o rico e fértil arquipélago dos Bijagós está longe de Bissau e a dois passos de Bolama.

Sob o ponto de vista económico-financeiro, não se pode sustentar, com verdade, a vantagem da capital em Bissau. Nem a economia da colónia nem a situação do tesouro público, a essa economia tão estreitamente ligada, lucrariam com a transferência que se pede, antes a riqueza pública sofreria uma diminuição sensível e as despesas orçamentais em nada seriam comprimidas. Bissau é realmente o grande comercial da província. Ninguém o nega e os signatários são os primeiros que desejam o progresso dessa importante e cada vez mais prometedora cidade. Mas o movimento burocrático em nada contribuiria para o seu desenvolvimento.
Que pode ganhar a economia da província com as repartições públicas em Bissau? E não será ao menos justo, como se pretende alegar, afirmando que Bissau é que paga as despesas públicas? Não, pois a verdade é que não é Bolama ou Bissau que preenche o orçamento, mas sim toda a província ou, para sermos inteiramente justos, o indígena, a grande, a suprema riqueza da colónia. E os agentes económicos que apelam ao ministro das Colónias falam no orçamento, desmontam as despesas da administração no intuito de concluir que “da transferência da capital resultava inevitavelmente a desvalorização da riqueza pública, desvalorização que se refletia também no orçamento da província. É má hoje, é difícil e quase acabrunhante a situação financeira da Guiné. Pois bem, o estado que tem edifícios seus em Bolama no valor de sete mil contos – e alguns que honram já a cidade colonial – abandonava simplesmente esses prédios, esses valores, essa riqueza, retirava-se amuado para Bissau e a fantasia desse amuo custava-lhe dez mil contos. Quem poderá dizer que isso é sensato?

Há toda a conveniência em estabelecer as capitais das províncias ultramarinas nos pontos mais salubres, mais tranquilos até. Os funcionários, incluindo o governador, devem viver nos pontos onde a salubridade seja maior, rodeados do conforto material e moral que só a família proporciona. Colocar a capital num mau clima – e Bissau é incontestavelmente um mau clima – é fazer inversamente a seleção do funcionalismo. Para um mau clima, só podem ir os maus funcionários, os inferiores, os falhados, porque os funcionários competentes têm outras colónias que lhes abrem as portas e onde se encontram sob o ponto de vista sanitário e sob o ponto de vista social melhor instalados.
Bolama, com o seu ar de velho burgo, docemente ensombrada pelas árvores, que dir-se-ia estender-nos, ao chegarmos, os seus braços verdes e aconchegantes, com a sua fisionomia de velha cidade da província portuguesa, é inclusivamente pela atmosfera de quietude, de paz e de tranquilidade que nela se respira, a cidade mais indicada para a capital política da colónia. As colónias para o tratado de Versailles existem com um alto objetivo de civilização. Não para os países incapazes as conversarem abandonadas, desprezadas, desvalorizadas, em nome de um frágil direito histórico. Não se pode abandoná-las, nem abandonar ou desprezar uma colónia ou qualquer porção do seu território. Portugal sobretudo não deve perder de vista este princípio, conhecidas as cobiças de todos os lados sofregamente espreitam o nosso império colonial.

É possível até que seja escusada e supérflua a nossa defesa de Bolama, porque o primeiro e o mais ilustre defensor da capital nesta cidade é o senhor Major Leite de Magalhães, distinto Governador da Colónia, e não é com o seu assentimento decerto que a sede de governo se fixa em qualquer outro ponto. Basta atentar em todos os seus atos desde que chegou a esta colónia, para se concluir que sua excelência só deseja o progresso de Bolama. E não é necessário referirmo-nos a muitos desses atos como a construção de um casino, que Sua Excelência patrocina e o novo palácio do governo que quer edificado. Logo tomou posse do governo, o senhor Major Leite de Magalhães propôs ao Ministério das Colónias a extinção da Comarca Judicial em Bissau e a criação de uma Comarca única em Bolama, o que só significa, por parte de Sua Excelência o desejo de alevantar e engrandecer esta cidade. E embora neste ponto nos permitamos discordar de Sua Excelência, temos a concluir que a significação da sua atitude é bem eloquente.
É lícito abandonar esta velha terra portuguesa?”.


Da Revista Panorama n.º 21 de 1944

Mas a decisão de mudança só ocorreria mais tarde, a despeito do que na exposição enviada pela direção da Associação Comercial da Guiné com a Comissão Urbana de Bolama, a transferência será decidida no final dos anos de 1930 e concretizável em 1941, já começara acentuadamente a decadência de Bolama.

Sempre atento a tudo quanto se passava à sua volta, o gerente da filial de Bolama enviou cópia deste documento para Lisboa, a Administração do BNU queria-se sempre bem informada, política, social e economicamente, de tudo quanto se passava em território guineense.

(Continua)
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Notas do editor

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Último poste da série de 4 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18042: Notas de leitura (1020): “Cartas de Amílcar Cabral a Maria Helena”, organização de Iva Cabral, Márcia Souto e Filinto Elísio, Editora Rosa de Porcelana, 2016 (Mário Beja Santos)

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