sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18123: Notas de leitura (1025): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (14) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,
Assistimos a uma retoma de críticas, o gerente da filial de Bolama verifica que a cupidez, a avidez do lucro em muito excede as boas intenções com que se criam granjas e se lançam culturas, se fazem experiências que depois redundam em fracassos, atendendo à pobreza dos solos e à inclemência climática.
Um gerente de uma filial do BNU está atento à evolução da praça, ao aparecimento de novos agentes económicos, neste caso a Sociedade Comercial Ultramarina, com quem o BNU irá estreitar laços. Não é por acaso que se escolhe como imagem a visita de uma delegação vinda de Lisboa para apreciar as atividades da Sociedade Comercial Ultramarina, a fotografia foi retirada em Bafatá, todos felizes a olhar a câmara, rodeados da fartura dos sacos da mancarra.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (14)

Beja Santos

A manifesta decadência de Bolama, que se tem vindo a prenunciar nos últimos anos, e de que os relatórios de filial não escondem a situação, aparecem reforçados com os dados do relatório de 1929. Logo quando fala da situação da praça:
“Carateriza-se por acentuada falta de dinheiro no mercado, a par de manifesta frouxidão nas transações de caráter mercantil.
Os estabelecimentos comerciais estão repletos de mercadorias, mas estas não têm saída.
O indígena, a quem outrora serviam todas as bugigangas e artefactos que se lhes punha diante dos olhos, começou já a descrer da sua própria solvabilidade, capacitado que apenas lhe resta o mínimo de existência, o que aliás é rigorosamente exato.
O fenómeno que se regista em Bolama é o mesmo que se observa em todos os demais pontos da colónia.
Avizinha-se a campanha da mancarra, época de maior movimento comercial, mas não havendo até agora fundada esperança nas cotações que têm vindo do estrangeiro, o comércio está receoso de que este ano seja o de mais um desengano, no que respeita aos afamados lucros da mancarra. De facto, se este vaticínio se confirmar, mais se agravará a crise que está atravessando o comércio local”.

Dá a notícia que desde o ano anterior iniciaram as suas operações duas firmas comerciais de relevo, a Sociedade Comercial Ultramarina e Carvalho de Abreu, Lda, dizendo que ambas gozam de bom crédito e têm as suas casas principais em Bissau. Apresenta a primeira do seguinte modo:
“A Sociedade Comercial Ultramarina dedica-se à compra de géneros coloniais em larga escala, nomeadamente mancarra, porque não deixará contrariar a Casa Gouveia, que assim fica tendo com quem competir. Por nosso lado, encaramos debaixo dos melhores auspícios o aparecimento da Sociedade Comercial Ultramarina em Bolama e contamos melhorar os nossos resultados desde que sejamos autorizados a fazer-lhe adiantamentos de fundos destinados à compra da mancarra”.

Num anexo a este relatório, o gerente introduz outros tópicos que se prendem com a vida e o desenvolvimento da colónia. Refere que foi publicada legislação sobre a nova divisão administrativa da colónia, criando o quadro das intendências. Ter-se-ia em vista uma rigorosa seleção do pessoal, expurgando o respetivo quadro de todos os elementos competentes que o favor da política tem facilitado o ingresso. Mas o documento deixa abertamente uma crítica:
“Foram promulgadas as bases do concurso para o provimento das vagas criadas por virtude da reforma que ao de leve nos permitimos analisar.
Coisa singular esta dos concursos! O mesmo pessoal de outrora, sobre cujos deficientes conhecimentos a legislação refere, este pessoal por inteiro ingressou no novo quadro, agravado agora o mal com a sua ascensão a categoria imediatamente superior à que desfrutava antes da nova organização.
Não se compreende bem o fenómeno; mas por certo não lhe é estranho o mesmo favor da política quem em regra ladeia as nomeações públicas”.

E dirige a agulha dos seus comentários para a agricultura:
“Sob o ponto de vista agrícola, diremos a V. Exas. que não compartilhamos da opinião do que ainda pensam que a agricultura científica seja capaz de trazer benefícios, ainda os mais reduzidos, à entidade particular ou oficial que tomar sobre si tal empreendimento.
O solo da Guiné está longe de ser fértil, como soe dizer-se. É facto que em alguns ensaios feitos encontram-se árvores exóticas e não aclimadas, como que pretendendo demonstrar serem fecundos os campos onde tais ensaios se fizeram. Mas com tão insignificante resultado não pode contar quem pretenda fazer agricultura em larga escala.
É facto, e bastante lisonjeiro, que o atual governador, desde a sua chegada à colónia, tem procurado dar a maior expansão à agricultura. Nesse sentido alargou bastante a esfera de ação da Repartição de Agricultura, que tem a sua sede em Bor. Há ali instrumentos e alfaias agrícolas de muito valor, tendo os respetivos serviços a dotação orçamental de 460.000$00 para despesas de fomento.
Como se vê, são fartos os recursos de que dispõe a agricultura. Resta porém saber se os trabalhos realizados são de molde a conduzir o indígena a modificar spont sua o método de trabalho que os seus avoengos já usavam.
Por iniciativa do governo da colónia, foram criadas granjas administrativas em todas as Intendências e Residências”.


Os intendentes revelavam estar a pôr muita fé e entusiasmo nestes empreendimentos, recordando que Fá, Estrela Farim, a Insular da Guiné e outras mais granjas foram tentativas que falharam não porque lhes tivessem faltado os bons terrenos e o auxílio oficial mas porque mas porque o seu objetivo não seria somente a agricultura. E o intendente disse abertamente ao governador:

“V. Exa., colonial experimentado, que conhece Angola, Timor e a Índia, não ignora, certamente, que são organizadas companhias tendo este único objetivo ou finalidade – arranjar dinheiro!”.

O Intendente de Bolama tinha a seu cargo a granja de S. João onde fez plantações. 700 mangueiras, 525 bananeiras, 160 tangerineiras, 450 coqueiros, 20 papaeiras, 1 abacate, 6 pinhas, 25 pés de café Libéria, 8 laranjeiras e 1200 pés de ananás. Porém um grande número destas plantas estava em risco depois de terminarem as chuvas e o mesmo futuro pare estar reservado às restantes que vão resistindo a custo devido à pobreza do terreno.

(Continua)
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Notas do editor:

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