sábado, 18 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17154: O Ten Cor Cav António Valadares Correia de Campos que eu conheci (3): Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art, MA, CART 2732, Mansabá, 1970/72, nosso coeditor


Guine > Região do Óio> Mansabá > CART 2732 (1970/72> 28 de novembro de 1971 > Interior do quartel: O Carlos Vinhal (à direita) com o o Dias, Fur Mil Mec Auto.

Foto (e legenda): © Carlos Vinhal  (2014). Todos os direitos reservados. (Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


Guiné > Região do Oio > Mapa de Farim (1954) >  Escala 1/50 mil > Detalhe: Posição relativa de Mansabá e Manhau... A norte fica Farim.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)


1. Texto, recebido a  3 de novembro de 2006, há mais de 10 anos, da autoria de Carlos Vinhal,  ex-fur mil art, Minas e Armadilhas,  CART 2732, Mansabá (1970/72), nosso coeditor, e publicado sob o poste P1325 (*)

(...) Sobre nosso Coronel de Cavalaria António Valadares Correia de Campos (**), vou contar um episódio onde eu e ele fomos intervenientes.

Em 10 de Agosto de 1971 chegou a Mansabá a CART 3417, companhia independente como a nossa, para fazer o seu IAO connosco. Faziam alguma instrução no quartel e acções de patrulhamento e emboscadas no mato. A princípio integrados em pelotões da CART2732, em fase mais adiantada, sozinhos.


O Major Cav Correia de Campos, 
Comandante do COP 6

O Comandante desta Companhia [CART 3417] era um capitão muito jovem, daqueles que a determinada altura começaram a proliferar pela Guiné em virtude do desgaste dos capitães mais velhos e com algumas comissões de serviço em teatro de guerra.

No dia 28 de Agosto de 1971, pela manhã, saíram para o mato acompanhados por alguns elementos do Pelotão de Milícias 253, para uma zona não muito distante, mais propriamente para a zona da Bolanha de Manhau, a leste de Mansabá.

Por volta das 13 horas dirigia-me eu à messe para almoçar, quando o então Comandante1 do COP 6, Major Correia de Campos, encontrando-me na parada, me ordenou para eu avisar o oficial de piquete de que era preciso organizar imediatamente uma coluna auto para ir a Manhau e que o furriel de Minas e Armadilhas deveria ir também.


O Comandante da CART 3417, vítima de uma mina A/P 

na bolanha de Manhau, em 28 de Agosto de 1971

O Major Correia de Campos acrescentou que o comandante da CART 3417 tinha pisado uma mina antipessoal, precisando de evacuação urgente e que havia mais minas detectadas, pelo que era preciso neutralizá-las. Informei-o que era o meu pelotão que estava de piquete e que eu mesmo era o furriel de Minas e Armadilhas. Disse-lhe também que iria providenciar no sentido de que as suas ordens fossem cumpridas imediatamente.

Organizada a coluna, prontamente ele subiu para a viatura da frente. De pé, ao lado do condutor, com uniforme não camuflado e com os galões nos ombros, viajou até ao local para recolhermos o ferido e para eu me inteirar da quantidade de minas a neutralizar. O dia estava cinzento, caía uma chuva miudinha incessante e o percurso foi feito em picada por zonas de alto risco de contacto com o IN e de alta probabilidade de aparecimento de minas anticarro. Nem mesmo assim ele se protegeu da intempérie e das possíveis vistas do IN.

Chegados, deparámos com o capitão já assistido pelos enfermeiros da sua companhia. Tinha já a perna garrotada e estava a soro. Vociferava contra a sua falta de sorte e estava visivelmente nervoso. O caso não era para menos. Era muito novo e tinha sido ferido logo na sua primeira comissão de serviço no Ultramar.

Como se pode depreender, o moral das tropas estava muito em baixo. Foram sujeitos à mais dura provação. O seu comandante tinha sido, cedo de mais, vítima da guerra. Não estavam em condições de continuar a instrução daquele dia pelo que iriam regressar connosco.

Organizou-se a coluna de regresso ao quartel. O nosso Major e o sinistrado vieram na minha viatura. O percurso foi feito devagar para evitar solavancos exagerados.

O capitão recolheu à enfermaria para ser devidamente tratado e esperar por um heli para o evacuar para o HM 241. Eu fui aprontar o meu equipamento para voltar a Manhau, a  fim de rebentar as minas detectadas e trazer de volta os militares da CART 3417. A chuva continuava e a fome apertava, mas o dever obrigava.

Em Manhau rebentei três minas antipessoais e regressámos trazendo connosco o pessoal da 3417. Cerca das 15h00 pude comer qualquer coisa, requentada, só para não ficar em branco.


Uma coluna auto até ao HM241, em Bissau e, regresso a Mansabá: um pesadelo de 200 quilómetros

Cerca das 17h00 veio a ordem do nosso Major Correia de Campos para evacuar o comandante da CART 3417, em coluna auto, uma vez que a chuva não abrandava e os helicópteros não tinham condições para levantar.

O melhor que puderam, os enfermeiros acondicionaram o capitão numa das viaturas, para que a viagem de quase cem quilómetros até Bissau (!), debaixo de chuva intensa, se tornasse para o ferido o menos penosa possível. Só pedíamos a Deus que não tivéssemos nenhum contacto com o IN até Mansoa, porque então seria o bom e o bonito. Já bastava a chuva para complicar. O estado geral do sinistrado não era o melhor, porque já tinha passado bastante tempo desde a triste ocorrência. As horas de sofrimento físico e psicológico somavam-se.

Lá nos pusemos a caminho em marcha moderada, convencidos de que só iríamos até Mansoa. O normal seria as tropas dali continuarem até Bissau, mas não. Constatámos que não estava prevista nenhuma coluna, pelo que com muita resignação, espírito de sacrifício e altruísmo, continuámos nós a viagem até ao HM 241 onde chegámos cerca das 18h30. A viagem não se pôde fazer em velocidade elevada para não fazer sofrer ainda mais o ferido.

Voltámos tão rápido quanto possível, porque a noite já ia alta. A chuva que nos tinha acompanhado até Bissau, continuou até Mansabá.

Voltando ao senhor Coronel Correia de Campos, quem sou eu para enaltecer a sua figura? Sei apenas que era chamado para as situações mais complicadas no CTIG. A determinada altura deixou o comando do COP 6 [, em Mansabá,]  para assumir o comando noutra zona complicada da Guiné onde a sua presença era mais necessária.

Carlos Esteves Vinhal
Ex-Fur Mil Art Minas e Armadilhas
CART 2732
Mansabá, 1970/72
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 29 de novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1325: Memórias de Mansabá (7): O Comandante do COP6, Correia de Campos, e as Minas na Bolanha de Manhau (Carlos Vinhal)

Guiné 61/74 - P17153: O ten cor cav António Valadares Correia de Campos que eu conheci (2): A. Marques Lopes, cor DAF ref, ex-alf mil, CCAç 3 (Barro, 1968)


Título de caixa alta do jornal Público, "O inferno de Guidje", 5 de Novembro de 1995. Texto de Francisco de Vasconcelos; fotos da  Lusa. (Acima, à esquerda, o cor cav ref António Valadares Correia de Campos, um dos bravos de Guidaje).


Coronel de cavalaria reformado António Valadares Correia de Campos, em 1995. Foto da Lusa. Aos 50 anos, era o comandante do COP 3 e foi um dos bravos de Guidage (maio/junho de 1973. Natural de Viseu (n. cerca 1923),  faleceu em Lisboa em 2006. Vai-lhe ser prestada homenagem, em documentário televisivo, assinado pelo realizador António Pedro de Vasconcelos, pelo seu papel no 25 de Abril.

O A. Marques Lopes, com um dos seus "jagudis", da CCAÇ 3.
Foto de arquivo.
Texto enviado em 22 de outubro de 2006, por A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alf mil, CART 1690, Geba,  e CCAÇ 3, Barro (1967/68), na altura  membro da direcção da delegação Norte da A25A - Associação 25 de Abril, e já publicado, no nosso blogue, há mais de 10 anos (*)

A propósito de Guidaje (...),  deixem-me aqui recordar um homem por quem fiquei com muita admiração desde a primeira vez que o conheci.

Eu conheci o tenente-coronel António Correia de Campos num dia de 1968, quando eu estava com a CCAÇ3,  de Barro, durante uma operação realizada no corredor de Sambuiá e por ele comandada (foi nessa altura também o comandante do COP 3).

No meio do fogachal de uma emboscada,  vi a sua figura insólita, para as circunstâncias, de pingalim de cavaleiro, pistola e coldre à cowboy, seguros com um fio à volta da coxa direita, sempre em pé e gritando: 
− O morteiro está à direita, uma bazucada para lá!... Fogo intenso para o lado esquerdo, é lá que está o RPG!...

Disseram-me, depois, que o Correia de Campos era mesmo assim, uma coragem e calma impressionantes. Numa outra operação na mesma zona [vd. carta de Bigene], já nos finais de 1968, também comandada por ele, o meu grupo, quando foi dada ordem de retirar, atrasou-se, porque levava um morto com o pescoço aberto por um estilhaço de rocket, e um guerrilheiro, ferido com uma rajada na barriga e deixado pelo IN, ia apoiado nos ombros de dois soldados meus (**)

Quando tivemos que atravessar uma bolanha com água muito alta (foi em plena época das chuvas) disse aos meus [soldados guineenses] para fazerem uma maca de ramos para o deitar e levá-la pela bolanha. Fizeram a maca, sim senhor, mas não quizeram pegar nela:
− É turra, deixa ficar, vem jagudi e come ele...

Pegámos nela, eu e um furriel branco. O nosso morto foi às costas de um do grupo. Só quando íamos a meio da bolanha, com água pelo peito, é que apareceram dois, muito enfiados, a oferecerem-se para levar a maca. Chegámos depois à base de operações, onde estava já o tenente-coronel Correia de Campos, um helicóptero e uma enfermeira paraquedista. Mandei formar o grupo, mesmo em frente do tenente-coronel, e dei-lhes uma piçada, chamei-lhes todos os nomes... e que nem eram bons para os gajos da raça deles... e coisas que me vieram à cabeça por estar muito lixado. Diz-me o tenente-coronel Correia de Campos, que me ouvira serenamente: −EH, pá, não te chateies, as coisas são mesmo assim... manda-os pó caralho e paga-lhes umas cervejas... Mas,  olha, a enfermeira diz que o homem já morreu, não aguentou.

Era também comandante do COP 3 [, com sede em Bigene, ] durante o cerco de Guidaje, para onde foi assim que o cerco começou (esteve lá desde 10 de Maio). No Público Magazine, de 5 de Novembro de 1995, escreveu o jornalista Francisco de Vasconcelos:

(...) “Sobre a acção de Correia de Campos no cerco (que é também destacada por Ayala Boto), um dos oficiais das forças especiais ali enviadas foi peremptório: Guidage, no fundo, não há dúvida, aguentou-se devido a ele. Foi um esforço brutal pedido a um homem de 50 anos. Uma vez terminado o cerco, Correia de Campos  − hoje reformado em coronel − esteve alguns dias preso em Bissau, devido a uma infracção cometida em época anterior por um oficial sob o seu comando...

“No meio do inferno de Guidage, o governador Spínola foi ali de helicóptero para visitar a guarnição, dirigir um apelo à coragem e patriotismo dos oficiais e anunciar-lhes que iria enviar para a região o Batalhão de Comandos Africanos. Recorda Ayala Boto, que acompanhava Spínola como ajudante de campo: À chegada, a primeira imagem que surgiu foi a de uma povoação abandonada e com um único habitante que se dirigia para o heli como se estivesse a passear na Baixa de Lisboa. Era Correia de Campos.

"Após a partida do governador, gerou-se um movimento de abandono do quartel por parte de muitos militares, que queriam ir-se embora, tendo sido impedidos de o fazer por Correia de Campos, que, lembra o próprio, se postou de sentinela, à saída do aquartelamento" (...).


Lembro que ele foi um homem do 25 de Abril: às 10 horas do dia 25 foi ele que foi enviado pelo Comando da Pontinha para ali coordenar as operações. Foi ele, mais o Jaime Neves, que entrou, a seguir, no Ministério do Exército e aí prendeu diversos oficiais superiores, incluindo o coronel Álvaro Fontoura, chefe do gabinete do ministro do Exército (este já tinha fugido).

Após o 25 de Abril foi comandante do Regimento de Lanceiros 2 até ao 25 de Novembro de 1975.

Foi um bravo e nobre militar, injustiçado depois como muitos militares de Abril. (**)

A. Marques Lopes
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 2 de novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1235: Coronel Correia de Campos: um homem de grande coragem em Sambuiá e Guidaje (A. Marques Lopes)

sexta-feira, 17 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17152: Convívios (786): XI Encontro dos Combatentes do Ultramar do Concelho de Matosinhos, levado a efeito no passado dia 11 de Março de 2017, em Leça da Palmeira



XI ENCONTRO DOS COMBATENTES DO ULTRAMAR DO CONCELHO DE MATOSINHOS

11MAR2017

A convite da Comissão Organizadora daquele Encontro, o Núcleo esteve representado pelo seu Presidente, tendo-se realizado pelas 11h00 uma missa de sufrágio na Capela do Ruas, em Leça da Palmeira, pelos combatentes mortos em campanha e pelos que entretanto foram falecendo, e que foi presidida pelo Padre Marcelino da Capela do Sagrado Coração de Jesus de Leça da Palmeira. 


O senhor Pe. Marcelino durante a homilia

De seguida, foi tirada a foto de família na área exterior do Tryp Expo Hotel, na Rotunda da Exponor em Leça da Palmeira, sendo que pelas 12h45 se iniciou o almoço/convívio naquela unidade hoteleira. 

Da direita para a esquerda: Combatentes José Oliveira, Abel Santos, Ribeiro Agostinho e Carlos Vinhal, que compõem a Comissão organizadora do Encontro, acompanhados pelo TCor Armando Costa, um dos Convidados de Honra.

No decorrer do almoço, usaram da palavra o combatente e sócio da Liga, Ribeiro Agostinho, pela Comissão Organizadora, o Presidente do Núcleo Tenente Coronel Armando Costa, e o Presidente da Câmara de Matosinhos, Dr. Eduardo Pinheiro. 

Um aspecto da sala. Na foto a D. Edite Buínhas, nascida na Ilha das Galinhas, acompanhada pelo marido António Ferreira, combatente em Angola.

 Ribeiro Agostinho dirigindo-se às tropas em Parada

O senhor Presidente da Câmara Municipal de Matosinhos, Dr. Eduardo Pinheiro, já um amigo dos velhos Combatentes do Concelho, quando se dirigia aos presentes.

Entre os cerca de 120 participantes encontravam-se alguns elementos pertencentes ao Grupo Coral do Núcleo, que interpretaram alguns temas populares e o hino da Liga dos Combatentes que foi acompanhado por todos os presentes.

Mais uma apresentação do Grupo Coral do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes, que actuou mesmo sem o seu Maestro.

O bolo comemorativo do XI Convívio dos Combatentes do Ultramar do Concelho de Matosinhos

Texto e fotos: © Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes
Fixação do texto, edição e legendagem das fotos: Carlos Vinhal
____________

Nota do editor

Último poste da série de 16 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17148: Convívios (785): Magnífica Tabanca da Linha, hoje, em Cascais, Alvide, a 30ª edição (Manuel Resende)

Guiné 63/74 - P17151: Notas de leitura (938): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte XIII: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger [IV]: o fim de uma odisseia



Guiné- Conacri > Boké > Hospital do PAIGC em Boké > 1968 >  Médico cubano observando um ferido > Por aqui também o médico cubano  dr. Virgílio Camacho Duverger (1934-2003).


Guiné > Alegadamente Região do Boé  > 1968 > Amílcar Cabral desenhando a giz, num quadro preto, o mapa da Guiné: a região do Boé aparece como "libertada"


Guiné > Alegadamente Região do Boé  > 1968 > Amílcar Cabral revistando as suas tropas

Fotogramas do filme "Madina Boe" (Cuba, 1968, 38'), do realizador José Massip (1926-2014), obtidas a partir da função "print screening" do teclado do PC e da visualização de um resumo, em vídeo (28' 22'') , disponibilizado no You Tube, na conta "José Massip Isalgué". O documentário foi carregado no You Tube no dia da morte do cineasta (ocorrida em Havana, em 9/2/2014). O documentário chama-se "Amílcar Cabral" (e pode ser aqui visualizado) (Imagens reproduzidas com a devida vénia).


Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); doutorado pela Universidade de León (Espanha) (2009), em Ciências da Actividade Física e do Desporto; professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; grã-tabanqueiro e nosso colaborador permanente.

___________

Nota do editor:

Último poste da série > 13 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17150: Notas de leitura (937): "Portugal Afrique Pacifique", por René Pélissier, edição de autor, 2015 (2) (Mário Beja Santos)

Poste anterior desta subsérie > 15 de novembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16721: Notas de leitura (892): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte XII: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger [III]: o encontro, em Boké,com o médico português Mário Pádua (Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P17150: Notas de leitura (937): "Portugal Afrique Pacifique", por René Pélissier, edição de autor, 2015 (2) (Mário Beja Santos)


Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Janeiro de 2016:

Queridos amigos,
Não conheço historiador mais atento a tudo quanto se publica sobre África Lusófona do que René Pélissier. É bem possível que ele todo os dias ande a vasculhar em blogues como o nosso e em todas as casas editoriais europeias. O certo é que ele lê e comenta o que se publica e ajuda-nos a conhecer o pouco que se vai editando sobre a Guiné. Ele pede aos antigos combatentes que façam as suas edições de autor que não se esqueçam de lhe enviar os seus trabalhos para: Editions Pélissier, 20 Rue des Alluets, 78630 Orgeval, França.
Temos depois, o autor terá a grata surpresa de ver os seus comentários publicados numa imprensa especializada já que, como é do domínio público, os grandes gigantes da edição permanecem indiferentes a todo o tipo de literatura e estudos científicos sobre a guerra colonial, aquele espaço de martírio e onde houve tanta esperança revolucionária deixou de estar na moda.

Um abraço do
Mário


As leituras de René Pélissier acerca da Guiné (2)

Beja Santos

René Pélissier tem o dom de escavar e encontrar pepitas de ouro, e no que tange à Guiné a sua voracidade bibliográfica surpreende sempre. Continuamos a respigar o que ele sobre a Guiné plasma em "Portugal Afrique Pacifique", edição de autor, 2015 (para os interessados: Editions Pélissier, 20 Rue des Alluets, 78630 Orgeval, França; email do autor viapelbooks@wanadoo.fr).
Já aqui se falou no precioso álbum organizado por Mário Matos e Lemos sobre “O primeiro fotógrafo de guerra português José Henriques de Mello. Guiné: Campanhas de 1907-1908”. Obra que me provocou emoção, referia-se a território que percorri palmo, o Cuor. Quando o régulo Infali Soncó decidiu fechar o trânsito do Geba, os políticos de Lisboa aperceberam-se que a questão era mesmo grave, aquela rebelião podia levar ao colapso do comércio da colónia. Por isso o governo deliberou enviar tropa europeia e macuas de Moçambique. José Henriques de Mello fotografou as tropas em Bissau e depois no Cuor, onde houve combates e o régulo fugiu. São imagens impressionantes. É pena este álbum editado em 2009 pela Imprensa da Universidade de Coimbra estar completamente esgotado.

Outra preciosidade é um guia turístico espanhol, “Rumo à Guiné-Bissau” de José Luis Aznar Ferrández, Barcelona, 2010. Pélissier comenta que consagrar mais de 200 páginas a um país que não acolherá muitos visitantes hispanófobos por ano é uma intenção louvável de editor e de autor, por aqui pululam traficantes colombianos que mais não leem que banda desenhada e livros de contabilidade com droga transacionada. Pélissier considera este autor imbatível nas suas descrições minuciosas dos principais locais merecedores de visita. É um autor que não deixa de elogiar a hospitalidade, a xenofilia dos guineenses. E na mesma recensão, o autor fala-nos de uma obra merecedora da nossa atenção, “Mami Wata, Mãe das Águas, Natureza e Comunidades do Litoral Oeste-Africano”, por Pierre Campredon, França, 2010. O autor é um ecologista naturalista fascinado pelas zonas costeiras oeste-africanas e das populações que vivem na Mauritânia, no Senegal e na Guiné-Bissau. Disserta sobre a vida económica do arquipélago dos Bijagós e chama a atenção para a necessidade de preservar as espécies faunísticas do arquipélago, ameaçadas pela pesca industrial. Pélissier espera que a criação da reserva de biosfera do arquipélago Bolama-Bijagós não chegue demasiado tarde.

Recorda Gérard Chaliand e o seu La pointe du coteau, Robert Laffont, 2011, de já se fez aqui recensão. Em Maio de 1966, Chaliand entrou no território da Guiné através do Casamansa, fez-se prontamente amigo e admirador de Cabral. Pélissier passa de Chaliand para um livro de Rui Jorge Semedo, ponto de vista, Pedro e João Editores, Brasil, 2009, e pergunta o que é que diria Cabral se lesse este livro. Rui Semedo faz uma verificação desesperada da situação da sua pátria, a Guiné-Bissau, cerca de 40 anos depois da morte de Cabral. E cita-o: “As principais atividades económicas da Guiné são: tornar-se ministro, traficante de droga, entrar em revoltas militares ou na corrupção, no peculato e no desvio de bens públicos”. Um geólogo à procura de diamantes, pôs-se ao caminho em países africanos como a Costa do Marfim, o Gabão, o Mali e entrou na Guiné-Bissau em 1978. Essas memórias parecem publicadas com o título Reflets de Brousse, por Jean-Louis Marroncle, Editions Edilivre, Paris, 2010. Outra surpresa: as memórias do padre Abel Gonçalves, missionário na Guiné cerca de 20 anos, o título da obra é Catarse (Ordem da Trindade, Rua da Trindade, 115, Porto, 2007. Descreve o seu ministério religioso primeiro como padre capelão junto de tropas do Exército, entre Maio de 1967 e Maio de 1969, e depois no Hospital Militar de Bissau.

Tem agora a precedência um livro de Lourenço da Silva intitulado Les Héros de la Guinée-Bissau, L’Harmattan, Paris, 2012, cidadão da Guiné, alto funcionário. O seu livro não é nem de história nem de ciência política, é uma espécie de biografia apologética e ditirâmbica de Nino Vieira. Pélissier leu atentamente o relato de Idálio Reis a CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné. Gandembel/Ponto Balana, uma revisitação a um pesadelo para o qual nunca ninguém deu uma explicação: montar um quartel longe da população e no corredor da morte, é de facto um dos documentos mais arrasadores da estratégia montada pelo Estado-Maior de Schulz. O pesadelo acabou em 28 de Janeiro de 1969 com a evacuação de Gandembel, uma posição fustigada centenas de vezes, em que a reação, pela força das coisas teria sempre que ser meramente defensiva. Uma palavra para Guinée, 22 Novembre, 1970. Opération Mar Verde, de Bilguissa Diallo, L’Harttman, 2014, um livro que Pélissier considera útil para completar tudo o que tem sido publicado em Portugal sobre o assunto. A autora é filha de um antigo oficial guineense que esteve envolvido na tentativa de golpe de Estado. Na obra procura-se reabilitar muitas figuras do FLNG – Frente de Libertação Nacional da Guiné.

Um comentário final para este maratonismo de René Pélissier que abarca toda a África Lusófona, é um esforço incansável para repertoriar tudo o que se publica pelo mundo fora. Bem entendido, há obras que aqui não se referem escritas em línguas não acessíveis ao leitor comum, caso de Branco Pelele, publicado por um finlandês na Alemanha, mas inteiramente redigido em Finlandês e consagrado às experiências e à vida quotidiana de uma voluntária humanitária na Guiné-Bissau. Enfim, quem quiser estar atualizado sobre este vasto caleidoscópio de edições tem mesmo que ter na mão estas mais de 500 páginas de Portugal Afrique Pacifique.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 13 de março de 2017 Guiné 61/74 - P17131: Notas de leitura (936): "Portugal Afrique Pacifique", por René Pélissier, edição de autor, 2015 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17149: Parabéns a você (1224): José Armando F. Almeida, ex-Fur Mil TRMS do BART 2917 (Guiné, 1970/72)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 16 de Março de 2017 > Guiné 61/74 - P17143: Parabéns a você (1223): Joviano Teixeira, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 4142 (Guiné, 1972/74)

quinta-feira, 16 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17148: Convívios (785): Magnífica Tabanca da Linha, hoje, em Cascais, Alvide, a 30ª edição (Manuel Resende)


Cascais > Alvide > 16 de março de 2017 > 30º Convívio da Magnífica Tabanca da Linha >  Foto de grupo


Cascais > Alvide > 16 de março de 2017 > 30º Convívio da Magnífica Tabanca da Linha >  T-shirt original do António Alves (RC 3, Estremoz)

Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2017). Todos os direitos reservados. [Seleção, edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Manuel Resende, com data de hoje, às 19h00:

Amigos, hoje. 16-03-2017, realizou-se mais um convívio da Magnífica Tabanca da Linha, o 30º. No restaurante  “O Nosso Cantinho". (*)

Tivemos a presença de 39 convivas e até tivemos oportunidade de tirar uma foto de grupo, já inserida como foto de capa da nossa página no Facebook.

Desta vez não tivemos “piras”, mas tivémos a presença do Luís Encarnação, que reactivou a sua presença,  interrompida já desde os tempos do restaurante Adega Camponesa.

Seguem as fotos que tirei... espero que gostem e que ficarão para recordar.

Obrigado a todos os que estiveram presentes e um grande abraço aos que não puderam vir. Oportunidades não faltarão. (**)

Manuel Resende"

PS - Se acharem que tem interesse, publiquem. As caras são sempre as mesmas. Agradeço também a publicação feita do anúncio para este convívio, ainda não tinha agradecido.

Um abraço aos bons amigos Luís e Vinhal.
Manuel Resende
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 8 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17116: Convívios (781): 30º Convívio da Magnífica Tabanca da Linha: 16 de março de 2017, 5ª feira, restaurante "O Nosso Cantinho", rua das Tojas, nº 192 A, Carrascal de Alvide, Cascais. Inscrições até dia 13... (Manuel Resende)

Guiné 61/74 - P17147: "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp) - Parte VII: Quando o Onze foi castigado, por portaria de 26/6/1941, por alegada falta de galhardia e aprumo na marcha para o embarque, ficando inibido de poder ostentar a bandeira do exército...


[33]




[31]



[32]

[33]

(Continua)

1. Continuação da publicação da brochura "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do Capitão SGE José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp. inumeradas, il.) [, imagem da capa, à esquerda].(*)

José Rebelo, capitão SGE reformado, foi em plena II Guerra Mundial um dos jovens expedicionários do RI I1, que partiu para Cabo Verde, em missão de soberania então com o posto de furriel (1º batalhão, RI 11, Ilha de São Vicente, ilha do Sal e ilha de Santo Antão, junho de 1941/ dezembro de 1943).

Não sabemos se ainda hoje será vivo, mas oxalá que sim, tendo então a bonita idade de 96 ou 97 anos. Em qualquer dos casos, este nosso velho camarada é credor de toda a nossa simpatia, apreço e gratidão. E, se já morreu, estamos a honrar a sua memória e a dos seus camaradas, onde se incluiram os pais de alguns de nós.

O nosso camarada Manuel Amaro diz do José Rebelo: (...) "Por volta de 1960, fez a Escola de Sargentos, em Águeda e, após promoção a alferes, comandou a Guarda Nacional Republicana em Tavira, até 1968. Como homem de cultura, colaborava semanalmente, no jornal "Povo Algarvio", onde o conheci, pessoalmente. Em 1969, já capitão, era o Comandante da Companhia da Formação no Hospital Militar da Estrela, em Lisboa." (...)

A brochura, de grande interesse documental, e que estamos a reproduzir, é uma cópia, digitalizada, em formato pdf, de um exemplar que fazia parte do espólio do Feliciano Delfim Santos (1922-1989), que foi 1.º cabo da 1.ª companhia do 1.º batalhão expedicionário do RI 11, pai do nosso camarada e grã-tabanqueiro Augusto Silva dos Santos (que reside em Almada e foi fur mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73).

[Foto á direita: o então furriel José Rebelo, expedicionário do 1º batalhão

do RI 11]

Trata-se de um conjunto de crónicas publicadas originalmente no jornal "O Distrito de Setúbal", e depois editadas em livro, por iniciativa da Assembleia Distrital de Setúbal, em 1983, ao tempo do Governador Civil Victor Manuel Quintão Caldeira. A brochura, ilustrada com diversas fotos, tem 76 páginas, inumeradas.

O batalhão expedicionário do Onze [RI 11, Setúbal] partiu de Lisboa em 16 de junho de 1941 e desembarcou na Praia, ilha de Santiago, no dia 23. Esteve em missão de soberania na ilha do Sal cerca de 20 meses (até 15 de março de 1943), cumprindo o resto da comissão de serviço (até dezembro de 1943) na ilha de Santo Antão.

Era comandante do RI 11, na altura, o coronel  inf Florentino Coelho Martins, combatente da I Guerra Mundial, e que, ao que parece, não escondia as suas simpatias republicanas, o que na época pagava-se caro.
________________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 13 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17133: "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp) - Parte VI: 16 mortos, devido a doença e desnutrição, ficaram no cemitério da vila de Santa Maria

(**) Vd. também poste de 23 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17076: "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941/1943)", da autoria do capitão SGE José Rebelo (Setúbal, Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, 76 pp) - Parte IV: por castigo ("falta de brio e aprumo" de alguns militares no desfile de embarque!...) , o 1.º Batalhão do Onze é impedido de ostentar a Bandeira do Exército Português... (O cmdt do Onze era o cor inf Florentino Coelho Martins, um português da "escola de Mouzinho")... Na ilha do Sal, "a vida e a morte lá iam decorrendo"...

Guiné 61/74 - P17146: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (27): Controlo sanitário



1. O nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), em mensagem do dia 5 de Março de 2017 enviou-nos mais uma das suas outras memórias da guerra. Esta bem divertida.


Outras memórias da minha guerra

26 - Controlo sanitário

Todos os rapazes do meu tempo sabem bem do perigo que se corria quando se procurava uma relação sexual com uma das “badalhocas” que proliferavam nos arrabaldes do Porto e de Gaia. Dizia-se, até, que as prostitutas “mais limpas” eram as “meninas” da baixa do Porto, porque eram submetidas a um rigoroso controlo sanitário, uma “modernice” imposta pelo regime de Salazar.
É claro que as relações amorosas surgiam por todo o lado. Não havia santa terrinha que não exibisse (ou ocultasse) enredos dignos da pena de um Camilo Castelo Branco. Ora, os resultados apareciam como cogumelos no pinhal, umas vezes com as gravidezes involuntárias e outras com os inesperados “esquentamentos”. Tudo fruta da época. Enfim, tudo normal. Porém, por vezes, surgiam alguns rumores de que o Senhor Fulano de Tal, também andava “esquentado”, devido a descuidos da sua bela e fidelíssima amante. Mas isso era abafado e rapidamente esquecido, por falta de testemunhos credíveis e por alguns receios de represália. Quando muito, e para se salvaguardar situação social tão melindrosa, fazia-se a alusão aos lugares públicos, onde possivelmente se sentara, sem a protecção do lencinho estendido debaixo do rabo.

Esta juventude foi mobilizada para defender patrioticamente as nossas Províncias Ultramarinas. Influenciada pelos princípios patrióticos incutidos desde a instrução primária, ela aparece, assim, repentinamente, relacionada com os nativos. Os “turras”, no interior, que, em termos de guerra subversiva, dominavam as populações, levavam as jovens e deixavam as crianças e as velhas para as proteger. Raramente ficava alguma mulher adulta para apoio a essas pessoas mais fragilizadas. As mulheres que mais se viam, eram as da tropa Milícia, que combatia ao nosso lado.

Isto quer dizer simplesmente que a actividade de prostituição, fora de Bissau, era quase nula, apesar dos apetites sexuais de tanta e tão potente clientela.

Pergunta-se:
- E como é que a malta se “safava”?

Joan Collins [n. 1933]

Os portugueses sempre foram conhecidos pelo seu primor no desenrascanço. Aqui, como manda a sua educação católica, cada um teria que se confessar dos seus pecados contra a castidade e de um ou outro caso de relação furtiva, por vezes não muito correcta. Estou a lembrar-me do caso do Fafe que apareceu na enfermaria “à rasca da piça”, porque uma jovem adolescente o havia masturbado, não tendo lavado as mãos, que estavam impregnadas de piripiri.


Raquel Welch [n. 1940]


Por altura dos princípios dos anos 70, com a evolução da guerra, foram aumentados os contingentes militares, a par de outras consequentes movimentações. Uma delas, foi o aparecimento de prostitutas brancas, na cidade de Bissau. No bar Mon Ami já “trabalhavam” regularmente. Tal como no Texas, nos tempos da corrida ao ouro, essas profissionais carregadas de ambição, tudo arriscavam pelo dinheiro fácil obtido no “negócio das carnes”. Agora, na procura de clientes do interior, deslocavam-se de táxi e de outros meios de transporte (até onde as novas e poucas estradas alcatroadas o permitiam), saindo, assim, de Bissau, rumo a norte… com regressos rápidos e seguros.

Fora de Bissau, elas passavam por controlos militares. Na zona de Nhacra, esse movimento era cada vez mais notório. Perante essa situação, os militares locais viam-nas passar, a caminho da satisfação dos outros camaradas, deixando-os chateados porque também queriam usufruir desse “serviço”. Foi então que o Maia, mais o Seixas,  assumiram a liderança reivindicativa dos “justos direitos”e foram interpelar o comandante do destacamento, o Alferes Bastos:
- Meu Alferes, nós também queremos foder. Estamos a deixá-las passar e …ficamos “a ver navios”. E quando lhes dizemos qualquer coisa, elas mandam-nos ir a Bissau, que é perto. Aqui o Seixas, há dias, ainda conseguiu, disfarçadamente, dar-lhes umas apalpadelas, com o pretexto de ter que fazer “controlo de armas”, mas uma mulata quis “assapar-lhe” o pelo.

O Alferes, que também já se apercebera dessa movimentação, e que até já fora mimoseado por reconhecimento dessa sua autoridade local, em visita ao Mon Ami, acalmou-os e disse que ia pensar no assunto.

À noite, com os Furriéis, enquanto bebiam umas cervejas, a conversa versava o assunto da prostituição versus “necessidades fisiológicas” da nossa tropa. O Furriel Moura aproveitou para demonstrar os seus conhecimentos nessa matéria, dando como exemplo o que se se passava no Vietname. Falou do grande número de prostitutas que quase chegava a rivalizar com os 500 mil militares. Ao contrário da nossa situação na Guiné, aos americanos “não faltava onde despejar os tomates”. Mesmo assim, lembrou o facto de grandes artistas americanos visitarem periodicamente as tropas, moralizando-as e mantendo-as racionalmente ligadas ao seu mundo de origem. Lembrou a Raquel Welch e a Joan Collins (*). Esta, que sendo capa da Playboy, foi pessoalmente entregar exemplares da tiragem dos 7 milhões dessa edição recorde. A Playboy subira de tiragem desmesuradamente, graças à sua procura no seio das forças armadas.

Por sua vez, o Alferes Bastos referiu um facto curioso, também relacionado com o Vietname. Dizia que numa determinada zona, ocupada por cerca de 20.000 militares, se haviam desenvolvido doenças venéreas com tal gravidade que, por precaução sanitária, os militares foram impedidos de se deslocarem à cidade mais próxima, o que provocou nocivos reflexos psicológicos, sociológicos e económicos. Então, o chefe dessa região teve uma ideia brilhante. Em parceria com as autoridades militares, fundou um enorme bordel, conhecido por “Disneyland Oriental”, que consistia essencialmente numa zona de 10 hectares, devidamente cercada, implantada com 40 quartos/casa dispersos, para satisfação sexual dos visitantes. E, em simultâneo, foram admitidas, identificadas e controladas as prostitutas, bem como o desenvolvimento de condições de tratamento aos infectados, tudo integrado num adequado serviço de controlo e apoio sanitário.

Porém, é sabido que, apesar do grande esforço médico, apoiado em carradas de “Penicilina” e “Penisulfadê”, o drama causado pelas doenças venéreas foi dos piores inimigos enfrentados pelos militares. Fala-se muito de suicídios de militares, incapacitados sexualmente, na hora do regresso do Vietname,  mas, nós sabemos que isso também acontecia entre os nossos combatentes da Guiné. E muitos dos afectados optaram por ficar por lá.

Da conversa, voltou-se à análise da nossa situação e à nossa real dimensão. Momentaneamente, o que mais preocupava estes graduados era o aproveitamento do movimento “putéfio” para resolver a satisfação sexual da tropa do seu destacamento. E foi assim que com mais cerveja ou menos conversa, o Alferes determinou democraticamente, sem qualquer votação, contestação ou parecer superior,  que ali também seria criado um serviço contínuo de Controlo Sanitário. A partir de agora, todas as mulheres, supostamente prostitutas, que ali passassem para exercício do seu métier em outras zonas, teriam que ser submetidas a exame prévio. Desta forma, se daria a oportunidade dos nossos militares, agora habilitados ao uso de bata branca,  poderem, alternadamente, usufruir de (e cobrar)  contactos seguramente mais agradáveis.

Uns dias depois, perante as novas valências do Controlo Militar e o enorme entusiasmo criado, o Alferes Bastos foi obrigado a aprovar uma rigorosa escala de serviço na Enfermaria, por via do Controlo Sanitário de mulheres, em trânsito, a caminho do norte.

************

(*) Nota: - Apenas para referir que a única artista que eu avistei na Guiné, foi a Sara Montiel [1928-2013]  Sim, a Sarita,  do filme “La Violetera” [1958].  Foi durante uma exibição cinéfila, ao ar livre, acompanhado pelas fervorosas melgas da Guiné.

Destaco ainda o entusiasmo da tropa, sempre que o Operador da projecção parava a imagem, pondo em evidência os lábios carnudos e sensuais da artista, enquanto cantava:

Besame, besame mucho
Como si fuera esta noche
La ultima vez

Besame, besame mucho
Que tengo miedo a perderte
Perderte después

Quierote verte muy cerca
Mirarme en tus ojos
Verte junto a mi
Piensa que talvez mañana
Yo ya estaré lejo
Muy lejo de aquí

Besame, besame mucho
Como si…

(https://www.youtube.com/watch?v=xyOMyXTI3O0)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 21 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17069: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (26): Sonhos em perigo